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16. O cisma dos Velhos-crentes

O século dezessete na Rússia abriu com um período de confusão e desastre, conhecido como Tempo de Turbulência, quando a terra foi dividida contra si mesmo e caiu vítima de inimigos externos. Depois de 1613 a Rússia teve uma súbita recuperação e os quarenta anos seguintes foram de reconstrução e de reforma em muitas áreas da vida da nação. Nesse trabalho de reconstrução a Igreja desempenhou um papel muito importante. O movimento de reforma na Igreja foi liderado pelo Abade Dionísio do Mosteiro Trindade-- São Sérgio e por Filaret, Patriarca de Moscou de 1619 a 1633 (ele era o pai do Tsar); depois de 1633 a liderança passou para um grupo de clero paroquial casado e, em particular, para os Arciprestes John Neronov e Avvakum Petronich. O trabalho de corrigir livros de Ofícios, começado no século anterior por Máximo, o Grego, foi então assumido cautelosamente; uma Imprensa Patriarcal foi montada em Moscou e livros de Igreja mais acurados foram editados, apesar das autoridades não terem querido se aventurar em fazer muitas alterações drásticas. No nível paroquial, os reformadores fizeram tudo o que podiam para elevar os padrões morais tanto entre o clero quanto entre os leigos. Eles lutaram contra a bebedeiras; eles insistiram que os jejuns fossem observados; eles pediram que a Liturgia e outros Ofícios nas Igrejas paroquiais fossem cantados com reverência e sem omissões; e encorajaram oração freqüente.

O grupo reformador representava o que havia de melhor na tradição de São José de Volokalmsk. Como José, eles acreditavam em autoridade e disciplina e viam a vida Cristã em termos de regras ascéticas e oração litúrgica.

Eles esperavam que não só monges, mas também padres paroquiais e leigos — marido, mulher, crianças — mantivessem as quaresmas e passassem longos períodos em oração cada dia, fosse na Igreja ou diante dos ícones em suas casas. Aqueles que apreciassem a severidade e autodisciplina do círculo reformador deveriam ler a vívida e extraordinária autobiografia do arcipreste Avvakum (1620 — 1682). Em uma de suas cartas Avvacum recorda como em cada anoitecer ele e sua família recitavam as orações usuais, apagando a seguir as luzes, recitando-se então 600 orações a Jesus e 100 para a Mãe de Deus, acompanhadas por 300 prostrações (a cada prostração ele tocaria o chão com sua testa, e levantar-se-ia outra vez para a posição de pé). Sua mulher, quando com criança (como usualmente estava), recitava só 400 orações com 200 prostrações. Isso dá alguma idéia sobre os exatos padrões observados pelos devotos russos no século dezessete.

O programa dos reformadores fazia poucas concessões à fraqueza humana e era muito ambicioso para ser completamente realizado. Mesmo assim, Moscou por volta de 1650 foi bem longe justificando assim o título de "Santa Rússia." Ortodoxos do Império Turco que visitavam Moscou ficavam pasmos (e freqüentemente desmaiavam) pela austeridade do jejum, pela duração longa e magnificência dos Ofícios. A nação inteira parecia viver como "uma vasta casa religiosa" (N. Zernov, Moscou, The Third Rome, pág. 51). O arcebispo Paulo de Aleppo, que ficou na Rússia de 1654 a 1656, verificou que os banquetes na corte eram acompanhados não por música, mas pela leitura da vida de Santos, como nas refeições de mosteiros. Ofícios durando sete horas ou mais eram assistidas pelo Tsar e toda corte: "Então, o que deveríamos dizer dessas obrigações severas bastante para tornar o cabelo de crianças cinza, e que são estritamente observadas pelo Imperador, Patriarcas, nobres, princesas e senhoras ficando em pé da manhã ao anoitecer? Quem acreditaria que eles iriam seguir os devotos anacoretas do deserto?" ("The Travels of Macarius," em N. Palmer, The Patriarc and the Tsar, Londo, 1873, vol II, pág. 107). As crianças não eram excluídas dessas rigorosas observâncias: "O que nos surpreendeu mais foi ver meninos e crianças pequenas de cabeças descoberta e sem movimentos, sem trair o menor gesto de impaciência" (The Travels of Macarius, Editada por Riding, pág. 68). Paulo achou a severidade e o rigor russo não inteiramente de acordo com seu gosto. Ele reclamou que eles não permitiam "jovialidades, risadas, gracejos," nem bebedeiras, nem "comer ópio" nem fumar: "Pelo crime especial de beber tabaco eles até mesmo condenavam alguém à morte" (Ibid, pág. 21). É um quadro impressionante o que Paulo e outros visitantes pintaram da Rússia, mas há talvez muita ênfase nas exterioridades. Um grego marcou em seu retorno para casa que a religião moscovita consistia grandemente em toque de sinos.

Em 1652-1653 uma querela fatal começou entre o grupo reformador e o novo Patriarca, Nicon (1605-1681). Camponês por origem, Nicon foi provavelmente o mais brilhante e dotado homem que tornou-se chefe da Igreja russa em qualquer tempo; mas ele sofria de um temperamento dominante e autoritário. Nicon era um forte admirador das coisas gregas: "Eu sou russo e filho de uma russa," costumava dizer, "mas minha fé e religião são gregas" (Ibid, pág. 37). Ele exigiu que as práticas russas deveriam ser conforme os padrões dos quatro antigos Patriarcados e que os livros de Ofícios russos deveriam ser alterados em qualquer ponto que divergissem dos gregos.

Essa política forçou a oposição daqueles que pertenciam à tradição de José. Eles encaravam Moscou como a "Terceira Roma" e a Rússia como fortaleza e modelo de Ortodoxia; e agora Nicon dizia a eles que em todos os aspectos eles deveria copiar os gregos. Mas a Rússia não era uma Igreja independente, um membro completamente adulto da família Ortodoxa, intitulada para manter seus próprios costumes e tradições nacionais? Os russos certamente respeitavam a memória da Igreja Mãe de Bizâncio de quem tinham recebido a fé, mas eles não sentiam e mesma reverência pelos gregos contemporâneos. Eles se lembravam da "apostasia" dos gregos em Florença e eles conheciam alguma coisa da corrupção e desordem do Patriarcado de Constantinopla sob o domínio turco.

Tivesse Nicon procedido com tato, tudo poderia ter corrido bem: o Patriarca Filaret já tinha feito algumas correções nos livros de Ofícios sem levantar oposição. Nicon, no entanto, não era homem gentil e com tato e pressionou com seu programa, sem considerar os sentimentos dos outros. Em particular, ele insistiu que o sinal da cruz, na época em questão, feito pelos russos com dois dedos, fosse feito da maneira grega com três dedos. Isso pode ser visto como um assunto trivial, mas deve ser lembrado quão grande importância Ortodoxos em geral e os russos em particular sempre deram a ações rituais, aos gestos simbólicos pelos quais a crença interna de um Cristão, constitui uma troca de fé. A divergência no sinal da cruz levantou concretamente a questão completa de Ortodoxia russa. A fórmula grega com três dedos era mais recente que a forma russa com dois: porque deveriam os russos, que permaneceram leais aos modos antigos, serem forçados a aceitar uma inovação grega "moderna"?

Neronov e Avvakum, junto com muitos outros clérigos, monges e leigos, defenderam as velhas práticas russas e se recusaram a aceitar as modificações de Nicon ou usar os novos livros de Oficio que ele editara. Nicon não era homem de tolerar qualquer discordância, e ele exilou e prendeu seus oponentes: em alguns casos eles foram até mesmo mortos. No entanto, apesar da perseguição, a oposição continuou. Apesar de Neronov finalmente submeter-se, Avvakum recusou-se a desistir e, após dez anos de exílio, finalmente foi queimado numa estaca. Seus apoiadores o viram como um santo e mártir pela fé. Aqueles que como Avvakum desafiaram a Igreja oficial com seus Niconicos livros de Oficio formaram uma seita separada (raskol) conhecida como Velhos Crentes (seria mais exato de chamá-los de Velhos Ritualistas). Assim, levantou-se na Rússia do século dezessete um movimento de dissidência; mas se nós compararmos essa com a dissidência inglesa do mesmo período, nós notaremos duas grandes diferenças. Primeiro, os Velhos Crentes — os dissidentes russos — divergiram da Igreja Oficial só no ritual, não na doutrina; segundo, enquanto a dissidência inglesa foi radical — um protesto contra a Igreja oficial por não levar a reforma suficientemente longe — a dissidência russa foi o protesto dos conservadores contra a Igreja oficial que a seus olhos tinha levado as reformas muito longe.

O cisma dos Velhos Crentes continua até os dias presentes. Antes de 1917 seu número oficialmente estava assentado em dois milhões, mas realmente pode ter sido até cinco vezes maior. Eles eram divididos em dois grupos importantes, os popovtsy que mantiveram o presbiterado e que, desde 1846, possuem sua própria sucessão de bispos e os Bezpopovtsy, que não têm padres.

Há muito a se admirar na Raskolniki. Eles tinham em suas fileiras os melhores elementos entre o clero paroquial e os leigos no século dezessete na Rússia. Historiadores do passado cometeram uma grande injustiça considerando a disputa toda como meramente uma querela sobre a posição de um dedo, sobre textos, sílabas e letras falsas. A verdadeira causa do cisma esta em outras coisas e estas sim muito mais profundas. Os Velhos Crentes lutaram pelo sinal da Cruz com dois dedos, pelos velhos textos e costumes, não simplesmente como um fim em si mesmo, mas por uma questão de princípio que estava envolvida: eles viam essas coisas como dando corpo à antiga tradição da Igreja, e essa antiga tradição, assim eles sustentavam, tinha sido preservada em sua total pureza pela Rússia e pela Rússia sozinha. Podemos dizer que eles estavam completamente errados? O sinal da Cruz com dois dedos era de fato mais antigo que os de três dedos. Foram os gregos os inovadores e os russos que se mantiveram leais aos velhos costumes. Porque os russos deveriam então ser forçados a adotar a prática grega moderna? Certamente, no calor da controvérsia, os Velhos Crentes levaram seus casos a extremos e sua legítima reverência pela "Santa Rússia" degenerou num nacionalismo fanático; mas Nicon também foi muito longe com sua não crítica admiração por todas as coisas gregas.

"Não temos razão para nos envergonharmos da nossa Raskol" escreveu Khomiakov. "... é o valor de um grande povo, e poderia inspirar respeito num estranho; mas está longe de abarcar toda riqueza do pensamento russo" (ver A.Gratieux, A. S. Khoniakov et le Mouvement Slavophile, Paris, 1939, vol III, pág. 165). Ela não abarca a riqueza do pensamento russo porque ela representa só um simples aspecto do Cristianismo russo, a tradição dos possessores. Os defeitos dos Velhos Crentes eram os defeitos dos servidores de José aumentados: um nacionalismo muito estreito e uma ênfase muito grande nas exterioridades da adoração. Nicon, também apesar de seu helenismo, é no fim um seguidor de José: ele determinou uma absoluta uniformidade das exterioridades da adoração e como os possessores ele livremente invocou o auxílio das forças civis para suprimir todos os oponentes religiosos. Mais do que qualquer outra coisa, foi sua prontidão para valer-se da perseguição que tornou o cisma definitivo. Se o desenvolvimento da vida na Igreja entre 1550 e 1560, na Rússia, tivesse sido menos unilateral, talvez uma separação duradoura teria sido evitada. Se os homens tivessem pensado mais (como Nilo fez) em tolerância e liberdade ao em vez de usar perseguição, então uma reconciliação poderia ter ocorrido; e se eles atentassem mais para oração mística, eles poderiam ter argumentado menos acidamente sobre ritual. Por trás da divisão do século dezessete esteve as disputas do século dezesseis.

Bem como estabelecer práticas gregas na Rússia, Nicon perseguiu um segundo objetivo: fazer a Igreja ser suprema sobre o Estado. No passado, a teoria de relações governamentais entre a Igreja e o Estado tinha sido a mesma na Rússia como em Bizâncio — uma diarquia ou sinfonia de dois poderes coordenados, sacerdotium e imperium, cada um supremo em sua esfera. Na Catedral de Assunção, no Kremlim existiam colocados dois tronos iguais, um para o Patriarca e um para o Tsar. Na prática a Igreja tinha gozado de uma grande medida de independência e influência nos períodos de Kiev e Mongol. Mas sob os Tsares de Moscou, apesar de na teoria os dois poderes permanecerem o mesmo, na prática o poder civil veio a controlar a Igreja mais e mais; a política dos seguidores de José naturalmente encorajou essa tendência. Nicon tentou reverter essa situação. Não só ele demandou que a autoridade do Patriarca fosse absoluta nas questões da Igreja, como também reclamou o direito de intervenção em assuntos civis e assumiu o título de "Grande Senhor," até então reservado exclusivamente para o Tsar. O Tsar Aléxis tinha um grande respeito por Nicon e no começo submeteu-se a seu controle. "A autoridade do Patriarca é tão grande," escreveu Olearius, visitando Moscou em 1654, "que ele de algum modo divide a soberania com o Grande Duque." (Palmer, The Patriarch and the Tsar, vol II, pág. 407).

Mas depois de algum tempo Aléxis começou a se ressentir da influência de Nicon nos assuntos seculares. Em 1658 Nicon, talvez com esperança de restaurar sua influência, decidiu por um passo muito curioso: ele retirou-se para uma semi-aposentadoria, mas não resignou ao posto de Patriarca. Por oito anos a Igreja Russa permaneceu sem um chefe efetivo até que, por requisição do Tsar, um grande Concílio reuniu-se em Moscou entre 1666 e 1667, sobre a presidência dos Patriarcas de Alexandria e Antioquia. O Concílio decidiu a favor das reformas de Nicon, mas contra sua pessoa. As modificações de Nicon nos livros de Ofícios e acima de tudo sobre o sinal da Cruz foram confirmadas mas Nicon foi deposto e exilado, sendo apontado um novo Patriarca para seu lugar. O Concílio foi assim um triunfo para a política de Nicon de impor práticas gregas à Igreja russa, mas uma derrota para sua tentativa de colocar a Sé do Patriarca acima do Tsar. O Concílio reconfigurou a teoria bizantina de uma harmonia de poderes iguais.

Mas as decisões do Concílio de Moscou sobre as relações de Igreja e Estado não permaneceram em vigor por muito tempo. O pêndulo que Nicon puxou muito em uma direção, logo voltou noutra direção com redobrada violência. Pedro, o Grande (reinou de 1682 a 1725) suprimiu o cargo de Patriarca, cujos poderes Nicon havia ambiciosamente lutado para engrandecer.

 

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