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4. A Igreja

"Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a Si mesmo". (Ef 5:25).
"A Igreja é a mesma e igual ao Senhor — ao Seu Corpo, à Sua carne e aos Seus ossos.
A Igreja é a videira da vida, cultivada por Ele e florescendo Nele.
Nunca se pense na Igreja separada do Senhor Jesus Cristo, do Pai e do Espírito Santo".

(Padre João de Kronstadt).

4.1 - Deus e Sua Igreja

Um cristão ortodoxo tem consciência ativa de que pertence a uma comunidade. "Sabemos que quando qualquer um de nós peca," disse Komiakov, "peca sozinho, mas ninguém é salvo sozinho e sim na Igreja, como um membro dela e em comunhão com seus outros membros" (The Church is One, seção 9).

Algumas diferenças entre a doutrina da Igreja ortodoxa e aquela dos cristãos ocidentais terão se tornado evidentes na primeira parte deste livro. Ao contrário do Protestantismo, a ortodoxia insiste na estrutura hierárquica da Igreja, na sucessão apostólica, no episcopado, no sacerdócio; ela ora aos santos e intercede pelos que partiram. Até este ponto ortodoxos e romanos estão de acordo, mas quando os romanos consideram a supremacia e jurisdição universal do Papa, os ortodoxos consideram o Colegiado de Bispos e Concílio Ecumênico e quando os romanos enfatizam a infalibilidade Papal, os ortodoxos enfatizam a infalibilidade da Igreja como um todo. Sem dúvida, nenhum dos lados é inteiramente justo (ou agradável) com o outro, mas parece aos ortodoxos que os romanos vêem muito a Igreja em termos de poder e organização terrenos, enquanto que aos católicos romanos parece que a doutrina de espiritualidade e misticismo da Igreja ortodoxa é vaga, incoerente e incompleta. Os ortodoxos respondem que não rejeitam a organização terrena da Igreja, mas suas regras são pequenas e precisas, como qualquer um pode entender em uma rápida leitura dos Cânones.

Por ser a idéia da Igreja Ortodoxa realmente espiritual e mística, que a teologia nunca trata o aspecto terreno da Igreja de forma isolada, mas sempre da Igreja de Cristo e do Espírito Santo. Todo pensamento ortodoxo sobre a Igreja começa com a relação pessoal que existe entre a Igreja e Deus. Três frases podem descrever esta relação: A Igreja é 1. a imagem da Santa Trindade, 2. O Corpo de Cristo, 3. Um constante Pentecostes. A doutrina da Igreja ortodoxa é trinitária, Cristológica e "pneumatológica."

1. A Imagem da Santa Trindade. Assim como cada homem é feito de acordo com a imagem do Deus Trinitário, também a Igreja como um todo é Seu ícone, reproduzindo na terra o mistério da unidade em diversidade. Na Trindade, as três pessoas são um único Deus, mas cada uma tem sua personalidade; na Igreja a multidão dos humanos é unida a uma, mas cada membro preserva igualmente a sua individualidade. Existe um paralelo entre convivência das pessoas e a inerência dos membros da Igreja. Nela não há conflito entre liberdade e autoridade; há unidade, não totalitarismo. Quando os ortodoxos aplicam a palavra "católica" à Igreja, têm em mente (dentre outras coisas) este milagre da unidade de muitas pessoas em uma.

Este conceito da Igreja como ícone da Trindade tem muitas outras aplicações. "Unidade em diversidade" — assim como cada pessoa da Trindade é autônoma, a Igreja é feita de numerosas Igrejas autocéfalas; e assim como as três pessoas da trindade são iguais, na Igreja nenhum bispo pode alegar a detenção de poder absoluto sobre todos os outros.

O conceito também ajuda a entender a ênfase ortodoxa aos concílios. Um concílio é uma expressão da natureza trinitária na Igreja. O mistério da unidade em diversidade, de acordo com a imagem da Trindade, pode ser visto em ação quando os muitos bispos reunidos no concílio chegam a um ponto em comum, sob a orientação do Espírito Santo.

A unidade da Igreja está mais particularmente ligada a pessoa do Cristo e sua diversidade, a pessoa do Espírito Santo.

2. O Corpo de Cristo: "Nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo" (Romanos 12:15). Existe entre Cristo e a Igreja a relação mais estreita possível: segundo a famosa frase de Inácio, "onde está Cristo, está a Igreja Católica" (To the Smyrnaeans, 8:2). A Igreja é a extensão da Encarnação, o lugar onde ela se perpetua. O teólogo grego, Chrestos Androustos, escreveu que a Igreja é "o centro e órgão da obra de redenção de Cristo;... não é nada além do que a continuação e extensão de seu poder profético, sacerdotal e majestoso... A Igreja e seu Fundador estão unidos de forma indissolúvel. Ela é Cristo em nós" (Dogmatic Theology, Atenas, 1907, pp. 262-5 (em grego)). Cristo não abandonou a Igreja quando subiu aos céus: "Eis que eu estarei com vocês até o fim do mundo," Ele prometeu (Mat 28:20), "pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei dentre eles" (Mat. 18:20). É muito fácil cair no erro de considerar Cristo ausente:

E permanece aqui a Santa Igreja apesar de o Senhor ter-nos deixado (um hino de J. M. Neale).

Mas como podemos dizer que Cristo nos deixou se Ele nos prometeu Sua presença eterna?

A unidade entre Deus e Sua Igreja é efetivada sobretudo nos sacramentos. No batismo, o novo cristão é morto e ressuscitado com Cristo; na Eucaristia, os membros do Corpo de Cristo, a Igreja, recebem Seu corpo em sacramento. Ao unir os membros da Igreja a Cristo, a Eucaristia também os une uns aos outros: "Nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo, pois participamos todos desse único pão" (1 Cor 10:17). A Eucaristia cria a união da Igreja. A Igreja (como viu Inácio) é uma sociedade Eucarística, um organismo sacramental que existe — em sua plenitude — onde é celebrada a Eucaristia.

Não é coincidência que o termo "Corpo de Cristo" refira-se tanto a Igreja como ao sacramento, e que a frase Communio sanctorum no Credo Apostólico refira-se a "comunhão de pessoas divinas" (comunhão dos Santos) e também a "comunhão das coisas divinas" (comunhão de sacramentos).

A Igreja deve ser vista principalmente em termos sacramentais. Apesar de sua organização externa ser importante ela é secundária à vida sagrada.

3. Um constante Pentecostes. É tão fácil enfatizar que a Igreja é o Corpo de Cristo que acaba-se esquecendo o papel do Espírito Santo. Mas como já foi dito, em suas obras entre os homens, o Filho e o Espírito são complementos um do outro e isto é tão verdadeiro na doutrina da Igreja como em qualquer lugar.

Enquanto Inácio escreveu que "onde Cristo está, está a Igreja Católica," Irineu escreveu com igual verdade que "onde está a Igreja, está o Espírito e onde está o Espírito, está a Igreja" (Against the Heresies 3, 26, 1). A Igreja, justo porque é o Corpo de Cristo, é também o templo e a moradia do Espírito.

O Espírito Santo é um Espírito de liberdade. Enquanto Cristo nos une, o Espírito resguarda nossa infinita diversidade na Igreja: no Pentecostes, as línguas de fogo foram "rachadas" ou divididas descendo separadamente a cada um dos presentes. A dádiva do Espírito é uma dádiva da Igreja e ao mesmo tempo individual, apropriada por cada um de suas próprias maneiras. "Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo" (1 Cor. 12:4). A vida na Igreja não significa tirar a variedade humana, nem impor um padrão rígido e uniforme a todos nós, mas exatamente o oposto. Os santos, longe de manifestarem uma monotonia enfadonha, desenvolveram personalidades muito distintas e ativas. Não é a santidade, mas o maligno que é maçante.

Resumidamente, esta é a relação entre a Igreja e Deus. Essa Igreja — o ícone da Trindade, o Corpo de Cristo, a plenitude do Espírito — é tão visível quanto invisível, divino quanto humano. É visível por ser composta de congregações concretas que participam da adoração aqui na terra; invisível por também incluir santos e anjos. É humana pois seus membros terrestres são pecadores; divina por ser o Corpo de Cristo. Não existe separação entre o visível e o invisível, entre (usando a terminologia ocidental) a Igreja militante e a triunfante pois as duas constituem uma realidade única e constante. "A Igreja visível, ou na terra, vive em completa comunhão e unidade com o Corpo da Igreja na qual Cristo é o Chefe" (Khomiakov, The Church is one, seção 9). Ela está em um ponto em que se cruzam a presente Era e a que virá e, ao mesmo tempo, vive nas duas.

A ortodoxia, então, quando usa a frase "Igreja visível e invisível," insiste em dizer que há apenas uma Igreja e não duas. Como disse Khomiakov:

«É apenas em relação ao homem que é possível reconhecer a divisão da Igreja em visível e invisível; sua unidade é, na realidade, verdadeira e absoluta. Aqueles que vivem na terra, aqueles que já terminaram o seu curso terreno, aqueles que como anjos não foram criados para viver na terra, os de gerações futuras que ainda não começaram sua rota terrena, estão todos reunidos em uma única Igreja, na única e eterna graça de Deus... A Igreja, Corpo de Cristo, manifesta-se adiante e completa-se no tempo sem mudar sua unidade essencial ou vida de graça interna. Portanto, quando falamos de 'Igreja visível e invisível', falamos apenas em relação ao homem». (The Church is one, seção, seção 1).

De acordo com Khomiakov, a Igreja é realizada na terra sem perder suas características essenciais; para Georges Florovsky, ela é "a imagem viva da eternidade no tempo" (‘Sobornost: The Catholicity of the Church, in The Church of God, editada por E.L. Mascall,p. 63). Este é um ponto cardeal do ensinamento ortodoxo. A ortodoxia não acredita meramente em uma Igreja ideal, invisível e celestial. A "Igreja ideal" existe visivelmente na terra, como realidade concreta.

Dessa forma, a ortodoxia não olvida a existência de um elemento humano assim como um divino na Igreja. O dogma da Calcedônia deve ser aplicado tanto à Igreja quanto a Cristo. Como Cristo, o Bom-Homem, tem duas naturezas (humana e divina), na Igreja também existe a sinergia e a cooperação entre o divino e o humano. Ainda, entre Cristo-Homem e a Igreja há a diferença obvia que um é perfeito e sem pecado, enquanto que o outro ainda não tem total plenitude. Apenas parte da Igreja humana — os santos no paraíso — atingiu a perfeição, enquanto que os outros membros aqui da terra fazem, com freqüência, o mau uso da sua liberdade. A Igreja na terra vive em um estado de animosidade: já é o Corpo de Cristo, mas por serem seus membros pecadores e imperfeitos, deve constantemente tornar-se o que é ("Esta idéia de ‘tornar-se o que é’ é a chave do ensinamento escatológico do Novo Testamento" (Gregory Dix, The Shape of the Liturgy, p. 247).

Mas o pecado humano não afeta a natureza essencial da Igreja. Não se pode dizer que porque os cristãos na terra pecam e são imperfeitos, a Igreja também é pois ela, mesmo na terra, é uma parte do céu e não pode pecar (v. Declaration of Faith and Order feita pelos Delegados Ortodoxos em Evanston, 1954, onde este ponto é esclarecido). São Efrém da Síria falou com exatidão "da Igreja dos penitentes, a Igreja daqueles que perecem," mas esta Igreja é ao mesmo tempo o ícone da Trindade. Como podem os membros da Igreja serem pecadores e fazerem parte da comunhão dos santos? "O mistério da Igreja consiste no fato de juntos os pecadores tornarem-se algo diferente do que são como indivíduos; este "algo diferente" é o Corpo de Cristo (J. Meyendorff, "What holds the Church together? In Ecumenical Review, vol. 12, 1960, p. 298).

Esta é a forma que a ortodoxia encara o mistério da Igreja. Ela é totalmente ligada a Deus. É uma nova vida de acordo com a Imagem da Trindade, uma vida em Cristo e no Espírito Santo, realizada pela participação nos sacramentos. A Igreja é uma realidade única, terrena e celestial, visível e invisível, humana e divina.

4.2 - A unidade e a infalibilidade da Igreja

«A Igreja é una e sua unidade é guiada pela necessidade da unidade de Deus.». (The Church is one, seção 1).

Estas foram as palavras introdutórias de Khomiakov em sua famosa dissertação. Se levarmos a sério a ligação entre Deus e sua Igreja, devemos inevitavelmente pensar na unidade da Igreja, assim como Deus é uno: existe apenas um Cristo, portanto existe apenas um Corpo de Cristo. Tampouco esta unidade é meramente ideal e invisível; a teologia ortodoxa recusa-se a separar a "Igreja visível" da "invisível" e portanto recusa-se a dizer que ela é invisivelmente e visivelmente dividida. Não: a Igreja é uma, de forma que aqui na terra existe uma comunidade única e visível, que pode declarar-se a única e verdadeira Igreja. A "Igreja indivisível" não é apenas algo que existiu no passado e que esperamos que volte a existir no futuro: é algo que existe aqui e agora. Unidade é uma das características essenciais da Igreja, e já que ela, apesar de seus membros pecadores, conserva todas essas características, continua e sempre será visivelmente una. Pode haver dissidência da Igreja mas nunca na Igreja. E quando é inegavelmente verdadeiro que, em um nível humano, a vida da Igreja é empobrecida de forma dolorosa, como resultado de dissidências, pode-se dizer que essas dissidências não afetam a natureza essencial da Igreja. Um individuo cessa ser um membro da Igreja se ele rompe a comunhão com seu Bispo; o Bispo cessa ser um membro da Igreja se ele rompe comunhão com seus colegas Bispos.

A Ortodoxia, acreditando que a Igreja na terra permaneceu e deve permanecer visível, naturalmente também acredita ser ela própria a Igreja visível. Esse é um pleito audacioso, e para muitos ele parecerá um pleito arrogante; mas isso é um mal entendido sobre o espírito com o qual é feito o pleito. A Ortodoxia acredita ser ela a Igreja verdadeira, não por conta de seus méritos pessoais, mas pela graça de Deus, Ela diz com São Paulo: "Temos, porém, este tesouro em vaso de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós" (2 Cor. 4:7). Mas enquanto não pleiteando mérito algum para si próprio, os Ortodoxos estão com toda humildade convencidos que eles recebem um dom precioso e único de Deus; e se eles fingissem para os homens não possuir esse dom, eles seriam culpados de um ato de traição à vista do céu.

Escritores Ortodoxos as vezes escrevem como se eles aceitassem a "Teoria dos Galhos," que já foi popular entre os Anglicanos (de acordo com essa teoria a Igreja Católica e dividida em vários "galhos," usualmente três são citados, o Católico Romano, o Anglicano e o Ortodoxo). Mas tal ponto de vista não pode ser reconciliado com a teologia Ortodoxa tradicional. Se vamos falar em termos de "galhos," então do ponto de vista Ortodoxo os únicos "galhos" que a Igreja Católica pode ter são as Igrejas Autocéfalas locais de comunhão Ortodoxa.

Pleiteando, como faz, ser a verdadeira Igreja, a Igreja Ortodoxa também acredita que, ela poderia convocar e manter outro Concílio Ecumênico, igual em autoridade aos primeiros sete. Desde a separação de Oriente e Ocidente os Ortodoxos (ao contrário do ocidente) nunca de fato reuniram tal Concílio; mas isso não significa que eles acreditam não ter poder para tal.

A Ortodoxia tem a idéia de unidade da Igreja. A Ortodoxia também ensina que fora da Igreja não há salvação. Essa crença tem a mesma base que a crença Ortodoxa na indestrutível unidade da Igreja; ela decorre da estrita relação entre Deus e Sua Igreja. "Um homem não pode ter Deus como seu Pai se ele não tem a Igreja como sua Mãe" (On the Unity of the Catolic Church of God, p.53). Assim escreveu São Cipriano; e para ele isso pareceu uma evidente verdade, porque ele não conseguiu pensar em Deus e na Igreja separadas um do outro. Deus é salvação, e o poder salvífico de Deus é mediado para o homem em seu corpo, a Igreja.«Extra Ecclesiam nulla salus».

Toda a categórica força e posição desse aforisma está em sua tautologia. Fora da Igreja não existe salvação, porque salvação é a Igreja" (G. Florovsky, Sobornost: The Catholicity of the Church, em The Church of God, p. 53). Dai segue que qualquer um que não está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente danado? Por certo que não! Ainda menos segue-se que quem está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente salvo. Como Sto Agostinho sabiamente remarcou: "Quantas ovelhas estão de fora, tantos lobos estão dentro!" (Homilies on John, 45,12) Porque não existe divisão entre a Igreja "Visível" e "Invisível," podem existir membros da Igreja que não são visíveis nela, mas que são conhecidos só por Deus. Se alguém é salvo, ele deve de algum modo ser um membro da Igreja; de que modo nós não podemos dizer.

A Igreja é infalível. Isso também decorre da indissolúvel unidade entre Deus e Sua Igreja. Cristo e o Espírito Santo não podem errar, e desde que a Igreja é o corpo de Cristo, desde que é um contínuo Pentecostes, ela é portanto infalível. Ela é a coluna e a firmeza da verdade" (1Tm 3:15). "Quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade" (Jo 16:13).

Assim prometeu Cristo na última ceia; e a Ortodoxia acredita que a promessa de Cristo não pode falhar. Nas palavras de Dositeus: "Nós acreditamos ser a Igreja Católica ensinada pelo Espírito Santo... e por isso nós tanto acreditamos quanto professamos com verdadeira e indubitável certeza, que é impossível para a Igreja Católica errar, ou estar totalmente enganada, ou mesmo escolher falsidade ao invés de verdade (Confessiom, Decreto 12).
A infalibilidade da Igreja é expressa principalmente através dos Concílios Ecumênicos. Mas antes que possamos entender o que faz um Concílio ser Ecumênico, devemos considerar o lugar dos Bispos e dos leigos na comunhão Ortodoxa.

4.3 - Bispos, laicado, concílios

A Igreja Ortodoxa é uma Igreja hierárquica. Um elemento essencial em sua estrutura é a sucessão apostólica dos Bispos. "A dignidade do Bispo é tão necessária na Igreja," escreveu Dositeus, "Que sem ele nem a Igreja nem a palavra Cristão poderia existir ou ser falada... Ele é a imagem viva de Deus na terra... e uma fonte de todos os sacramentos da Igreja Católica, através da qual nós obtemos a salvação" (Confession, Decreto 10). "Se qualquer um não estiver com o Bispo," disse Cipriano, "Ele não está em Igreja" (Letter 66, 8).

Em sua eleição e sagração um Bispo Ortodoxo é dotado com o triplo poder de: 1) governar; 2) ensinar e 3) celebrar os sacramentos.

1. Um Bispo é indicado por Deus para guiar e comandar o rebanho entregue a seu encargo; ele é um "Monarca" em sua Diocese.

2. Em sua consagração um Bispo recebe um dom especial de carisma do Espírito Santo, em virtude do qual ele age como um professor da fé. Esse ministério de ensinamento o Bispo executa acima de tudo na eucaristia, quando ele prega o sermão para o povo; quando outros membros da Igreja — Padres ou Leigos — pregam sermão, estritamente falando eles agem como delegados dos Bispos. Mas apesar do Bispo ter um carisma especial, é sempre possível que ele caia em erro e dê falso ensinamento; aqui como em qualquer outro lugar o princípio da sinergia se aplica, e o elemento divino não expele o humano. O Bispo permanece homem, e como tal ele pode cometer erros. A Igreja é infalível mas não existe tal coisa como infalibilidade pessoal.

3. O Bispo como Dositeus coloca é "A fonte de todos os sacramentos." Na Igreja primitiva o celebrante na Eucaristia era normalmente um Bispo, e mesmo hoje um Padre quando celebra a Liturgia está na verdade atuando como delegado do Bispo.

Mas a Igreja não é só hierarquia, ela é carismática e pentecostal." Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias" (1Tes 5:19-20). O Espírito Santo é derramado sobre todo o Povo de Deus. Existe um Ministério especialmente ordenado de Bispos, Padres e Diáconos; no entanto ao mesmo tempo o Povo todo de Deus é profeta e Padre. Na Igreja Apostólica, além do Ministério Institucional conferido pelo impor de mãos, existem outros charismata ou Dons conferidos diretamente pelo Espírito Santo: Paulo menciona "Dons de cura" realização de milagres, "falando em línguas," e que tais (1Cor. 12:28-30). Na Igreja dos últimos tempos, esses ministérios carismáticos estiveram menos em evidência, mas eles nunca foram completamente extintos. Pensa-se no ministério dos Startsi, tão proeminente na Rússia do século dezenove; ele não era concebido por um Ato especial de ordenação, mas podia ser exercido tanto por um leigo quanto por um Padre ou um Bispo. Serafim de Savov e os startsi de Optino exerceram uma influência muito maior que qualquer hierarca.

Esse aspecto "Espiritual," não institucional da vida da Igreja tem sido particularmente enfatizado por certos teólogos recentes da migração Russa; Mas ele foi também destacado por escritores Bizantinos, mas notavelmente Simeão, o Novo Teólogo. Mais de uma vez na história da Ortodoxia os "carismáticos" entraram em conflito com a hierarquia, mas no final não há contradição entre os dois elementos da vida da Igreja: é o mesmo Espírito que está ativo em ambos.

Nós chamamos o Bispo de governador e monarca, mas esses termos não são para serem entendidos em um sentido severo e impessoal; pois ao exercer seus poderes o Bispo é guiado pela Lei Cristã do Amor. Ele não é um tirano mas um Pai para seu rebanho. A atitude Ortodoxa para com o oficio episcopal é bem expressa na oração usada na sagração: "Concede, ó Cristo, que esse homem, que foi apontado como procurador da graça episcopal, venha a ser um Teu imitador, o Verdadeiro Pastor, entregando sua vida pelas Tuas ovelhas.

Faça dele um guia para os cegos, uma luz para aqueles na escuridão, um professor para os irrazoáveis, um instrutor para os tolos, uma tocha flamejante no mundo; para que tendo trazido para a perfeição as almas confiadas a ele na vida presente, ele possa se apresentar sem confusão avante do teu trono de julgamento, e receber a grande recompensa que Tu preparaste para aqueles que sofreram por pregar Teu Evangelho!

A autoridade do Bispo é fundamentalmente a autoridade da Igreja. No entanto por maior que sejam as prerrogativas do Bispo, ele não é alguém colocado sobre a Igreja, mas o portador de um cargo na Igreja. Bispo e povo são juntados em uma unidade orgânica, e não é possível nem pensar em estar em separados, um do outro. Sem Bispo não pode existir povo Ortodoxo, mas sem povo Ortodoxo não pode existir um verdadeiro Bispo. "A Igreja," disse Cipriano, "É o povo unido ao Bispo, o rebanho agarrado a seu Pastor. O Bispo está na Igreja e a Igreja no Bispo!" (Letter 66, 8).

A relação entre o Bispo e seu rebanho é mutua. O Bispo é professor da fé divinamente apontado, mas o guardião da fé não é o Episcopado sozinho, mas todo o povo de Deus, Bispos, Clero e Leigos todos juntos. A proclamação da verdade não é o mesmo que a posse da mesma: o povo todo possui a fé, mas é encargo particular do Bispo proclamá-la. A infalibilidade pertence à Igreja toda, não ao episcopado isolado. Como os Patriarcas Ortodoxos disseram em sua epistola de 1848 ao Papa Pio Nono:

«Entre nós, nem Patriarcas nem Concílios podem introduzir novos ensinamentos, pois o guardião da Religião é o verdadeiro corpo da Igreja, isto é, o Povo (Laos).»

Comentando sobre essa afirmação Khomiakov escreveu: «O Papa está redondamente enganado ao considerar que nós consideramos que a hierarquia eclesiástica é a guardiã do Dogma. O caso é completamente diferente. A invariável constância e a verdade sem erro do Dogma não depende de nenhuma ordem hierárquica; ela é guardada pela totalidade, pelo Povo todo da Igreja, que é o Corpo de Cristo.» (Letter in W. J. Birbeck, Russia and the Englush Church, pg. 94).

Esse conceito do laicado e de seu lugar na Igreja deve ser lembrado quando se considera a natureza de um Concílio Ecumênico. Os leigos são guardiões e não professores: Por isso, apesar de poderem atender a um concílio e ter uma parte ativa nos procedimentos (como Constantino e outros Imperadores Bizantinos fizeram), quando chega o momento do Concílio fazer uma proclamação formal de fé, são somente os Bispos sozinhos, em virtude de seu carisma, que tomam a decisão final.

Mas o concílio dos Bispos pode errar e estar enganado. Assim, como pode um desses concílios ser verdadeiramente Ecumênico e por conseqüência seus decretos serem infalíveis? Muitos concílios se autoconsideram ecumênicos e pretenderam falar no nome de toda a Igreja, e no entanto a Igreja os rejeitou como heréticos: Éfeso em 449, por exemplo, ou o Concílio Iconoclasta de Hieria em 754, ou Florença em 1438-9. No entanto esses concílios não parecem de modo algum na sua aparência externa serem diferentes dos concílios Ecumênicos. Qual é então, o critério para determinar se um concílio é ecumênico?

Essa é uma questão mais difícil de ser respondida do que parece ser a princípio, e apesar de ter sido muito discutida pelos Ortodoxos durante os últimos cem anos, não pode ser dito que as soluções sugeridas são inteiramente satisfatórias. Todos os Ortodoxos sabem quais são os Sete Concílios que sua Igreja aceita como Ecumênicos, mas precisamente o que faz um concílio ser ecumênico não está claro. Existem, assim deve ser admitido, certos pontos na teologia Ortodoxa dos concílios que permanecem obscuros e que pedem por mais considerações e pensamentos de parte dos teólogos. Com essa precaução em mente, vamos considerar resumidamente a presente tendência do pensamento Ortodoxo sobre esse assunto.

Sobre a questão de como se pode saber se um concílio é ecumênico, Khomiakov e sua escola dão uma resposta que à primeira vista parece clara e direta: Um concílio não pode ser considerado ecumênico a menos que seus decretos sejam aceitos pela Igreja toda. Florença, Hieria e o resto, enquanto ecumênicos em sua aparência externa, não o são na verdade, precisamente porque eles falharam em assegurar essa aceitação pela Igreja toda (Pode-se objetar: E Calcedônia? Foi rejeitado por Síria e Egito. Podemos então dizer que ele "foi aceito pela Igreja toda?"). Os Bispos, Khomiakov argumenta, porque eles são os professores da fé, definem e proclamam a verdade em concílio; mas essas definições devem ser aclamadas por todo o povo de Deus, incluindo os leigos, porque é o povo todo de Deus que constitui o guardião da Tradição.

Essa ênfase na necessidade dos concílios serem recebidos pela Igreja toda tem sido vista com suspeição por alguns teólogos ortodoxos, tanto gregos quanto russos, que temem que Khomiakov e seus seguidores tenham posto em risco as prerrogativas do episcopado e "democratizado" a idéia de Igreja. Mas numa forma qualificada e cuidadosamente guardada, a opinião de Khomiakov é hoje amplamente aceita no pensamento Ortodoxo contemporâneo.

Esse ato de aceitação, essa recepção dos concílios pela Igreja toda, não deve ser entendida no sentido jurídico: "Isso não significa que as decisões do concílio devam ser confirmadas por um plebiscito e que sem tal plebiscito elas não tem força. Não existe tal plebiscito. Mas a experiência histórica mostra claramente que a voz de um certo concílio foi verdadeiramente a voz da Igreja, ou não: Isso é tudo" (S.Bulgakov, The Orthodox Church, p. 89).

Num verdadeiro Concílio Ecumênico os Bispos reconhecem o que é a verdade, e a proclamam, essa proclamação é então verificada pela aceitação de todo o povo Cristão, uma aceitação que não é uma regra, expressada formal e explicitamente, mas vivida.

Não são simplesmente os números ou a distribuição de seus membros que determinam a ecumenicidade de um concílio: "Um Concílio Ecumênico é tal, não porque representantes acreditados de todas Igrejas Autocéfalas tomam parte nele, mas porque ele dá nascimento a testemunhos da fé da Igreja Ecumênica" (Metropolita Serafin, L’Eglise Ortodoxs, p. 51).

A ecumenicidade de um concílio não pode ser decidida só por um critério externo: "A verdade não tem critério externo, pois é manifestada por ela própria, e feita evidente internamente." (V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, p. 188). A infalibilidade da Igreja não tem que ser "exteriorizada," nem entendida num sentido muito "material": Não é a "ecumenicidade" mas a verdade dos concílios que torna as suas decisões obrigatórias para nós. Nós tocamos aqui no mistério fundamental da doutrina Ortodoxa da Igreja: A Igreja é o milagre da presença de Deus entre os homens, além de todo "critério" formal, de toda "infalibilidade" formal. Não é suficiente juntar um "concílio ecumênico!.. é necessário também que no meio daqueles assim reunidos esteja também presente Ele que disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida." Sem essa presença, não importa quão numerosa e representativa a assembléia possa ser, não estará na verdade. Os protestantes e Católicos Romanos usualmente não conseguem compreender essa verdade fundamental da Ortodoxia: Ambos materializam a presença de Deus na Igreja — os primeiros parcialmente nas palavras das Escrituras, os segundos na pessoa do Papa — Apesar de nem por isso evitar o milagre, eles o cobrem com uma forma concreta. Para a Ortodoxia, o único "critério da verdade" permanece o próprio Deus, vivendo misteriosamente na Igreja, conduzindo-a no caminho da verdade! (J. Meyendorff, citado em M.J. Le Guillou, Mission et Unité, Paris, 1960.

 

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