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Do supremo trono do apóstolo Pedro

Carta Apostólica do Papa Pio IX

Tradução do inglês por Matheus Dias de Carvalho Begas

Logo após a ascensão ao trono papal em 1846, o Papa Pio IX escreveu a carta apostólica In Suprema Petri Apostoli Sede ― No Supremo Trono do apóstolo Pedro (6 de janeiro de 1848). Embora fosse destinada principalmente aos católicos dos vários ritos orientais, também foi dirigida aos ortodoxos, chamando-os de volta à unidade com Roma. O Padre Aidan Nichols caracteriza a carta de Pio IX como a primeira encíclica unionista do papado moderno e como a primeira iniciativa que manifestava uma preocupação do papa em relação aos cristãos orientais, com uma profundidade e caráter de urgência não vistos desde Florença. Milhares de exemplares desta carta, numa versão para o grego, foram distribuído s, diretamente aos fiéis ortodoxos. (Rome and the Eastern Churches, p. 352). Apesar da importância histórica como um dos primeiros textos da era moderna das relações entre católicos e ortodoxos, as traduções inglesas da carta eram poucas e indisponíveis on-line. Uma tradução da versão francesa, publicada no periódico Irenikon, em 1929, foi preparada por Michaël de Verteuil. O texto em francês pode ser encontrado aqui neste link e foi oferecido pelo Monastério de Chevetogne, do Irenikon. A reposta à carta de Pio IX, enviada no mesmo ano pelos Patriarcas Ortodoxos, é mais conhecida e está disponível em inglês neste site.Ela foi assinada por Anthimos VI, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, juntamente com Hierotheus, Patriarca de Alexandria, Methodios, Patriarca de Antioquia e Cirilo, Patriarca de Jerusalém, com os Santos Sínodos de cada um dos Patriarcados.

IN SUPREMA PETRI APOSTOLI  SEDE

Carta Apostólica do Papa Pio IX,
de 6 de janeiro de 1848

Tradução do inglês por Mateus Dias de Carvalho Begas

hamados pela Divina Providência a ocupar a suprema cátedra do Apóstolo Pedro, e sustentando o fardo da responsabilidade de todas as Igrejas, apesar de nossa indignidade, nunca cessamos, desde o início de nosso pontificado, de voltarmos nosso olhar amoroso para os povos cristãos do Oriente e terras vizinhas, seja de qualquer rito, pois, pareciam, por inúmeros motivos, reivindicarem nossa solicitude. Foi no Oriente que o Filho Unigênito de Deus apareceu, fez-se homem por nós homens e, por Sua vida, morte e ressurreição, realizou a divina economia da nossa redenção. Foi no Oriente que o Evangelho de luz e de paz foi primeiramente proclamado pelo divino Salvador e por Seus discípulos, e onde floresceu as inúmeras Igrejas, ilustres em virtude dos nomes dos apóstolos que as fundaram. Nos anos e séculos posteriores, bispos renomados, mártires e muitos outros, conhecidos pela santidade de suas vidas e doutrinas, jorraram entre os povos do Oriente. O mundo inteiro canta os louvores de Inácio de Antioquia, de Policarpo de Esmirna, dos três Gregórios — o de Nova Cesareia, o de Nissa e o de Nazianzo —, de Atanásio de Alexandria, de Basílio de Cesareia, de João Crisóstomo, dos dois Cirilos — o de Jerusalém e o de Alexandria —, de Gregório, o Armênio, de Efrém da Síria, de João Damasceno, de Cirilo e Metódio, apóstolos dos eslavos, para não citar uma série de outros, ou ainda aqueles que derramaram seu sangue por Cristo, ou que adquiriram reconhecimento imortal com suas doutrinas e obras santas. No entanto, outra glória do Oriente é a memória de suas numerosas assembleias de Bispos, especialmente os célebres Primeiros Concílios Ecumênicos, reunidos sob a presidência do romano Pontífice e nos quais a Fé Católica foi preservada dos inovadores do tempo e confirmada por meio de julgamentos solenes. Em última análise, até estes tempos mais recentes, mesmo (infelizmente!) distantes dum grande número de cristãos orientais, longe da comunhão com esta Santa Sé e, como consequência, da unidade da Igreja Católica, e até mesmo quando estas terras caíram sob o domínio de povos estranhos à religião cristã, muitos nela reunidos, testemunharam com a ajuda da graça divina e em meio a todas as calamidades e perigos infinitamente repetidos, uma determinação inabalável na verdadeira fé e unidade Católica. Em especial, desejamos louvar os mais elevados daqueles Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos, que nada pouparam para abrigar seus rebanhos na profissão da verdade Católica. Suas dores, abençoadas por Deus, têm sido tal que, depois da tempestade e em tempos menos difíceis, ainda se encontram na unidade Católica, um rebanho considerável em meio à desolação.

Portanto, é principalmente a vós que dirigimos nossas palavras, Bispos Católicos, Venerados Irmãos e Amados Filhos, e ao Clero, em todas as ordens, àqueles que perseveraram inabaláveis na fé e na comunhão com esta Santa Sé, ou àqueles, não menos louváveis, que voltaram a ela ao reconhecerem seus próprios erros. Embora já nos tenhamos apressado em responder a muitos de vós que nos enviaram cartas de felicitações pela nossa elevação ao Pontificado soberano, e ainda que temos escrito a todos os Bispos Católicos de todo o mundo em nossa encíclica de 9 de novembro de 1846, insistimos ainda em enviar-vos uma garantia especial do amor ardente que temos por vós, e nosso pedido por tudo o que vos diz respeito. Consideramos esta uma oportunidade favorável para expressar-vos esses sentimentos, na medida em que enviamos nosso venerável irmão Inocêncio, Arcebispo de Saida, como embaixador à Porta Sublime, a fim de cumprimentar, em nosso nome, o poderoso Sultão dos turcos e agradecer-lhe pela agradável embaixada assumida por ele e a nós enviada. Recomendamos da forma mais urgente nosso venerável irmão para elogiar com sinceridade o Sultão, tanto pelas pessoas como pelos interesses, bem como os interesses da Igreja Católica ao longo de toda a extensão do vasto império otomano. Não temos nenhuma dúvida de que o Sultão, que já provou sua boa vontade para convosco, estará cada vez mais disposto e favorável a vós, e que dentre seus súditos ninguém precisará sofrer em nome da religião Cristã. O Arcebispo de Saida informar-vos-á ainda mais fortemente da profundidade de nosso amor por vós através dos Bispos e Primazes de seus respectivos povos, com quem ele será capaz de reunir-se em Constantinopla. Antes de retornar para nós, viajará ele, se o tempo e as circunstâncias assim o permitirem, para várias partes do Oriente, a fim de visitar, em nosso nome, as Igrejas Católicas de todos os ritos nessas terras, conforme já lhe ordenamos, e para testemunhar nosso carinho e nossas palavras de consolação para as preocupações dentre nossos veneráveis irmãos e amados filhos com quem ele reunir-se-á.

O mesmo Arcebispo transmitirá e chamará atenção geral à carta que endereçamos como testemunho do nosso amor para com vossos trabalhos Católicos; vós tereis a certeza de que nada está mais próximo de nosso coração do que vossos merecimentos e os de vossa religião Católica, tal como ela existe em vossas terras. E, como nos tem sido relatado, entre outras coisas, que, nas estruturas eclesiásticas entre os vossos povos, certas questões, como resultado de um passado infeliz, permanecem incertas ou resolvidas de modo inapropriado, devemos empregarmo-nos com alegria, em virtude de nossa autoridade apostólica, de modo que tudo seja ordenado em conformidade com os cânones sagrados e as tradições dos Santos Padres. Devemos manter intactas as vossas liturgias católicas particulares, pois as valorizamos muito, mesmo quando elas se diferem em alguns aspectos da liturgia latina. Nossos antecessores sempre as tiveram em grande estima devido à venerável antiguidade das suas origens, as línguas nas quais estão escritas, empregadas pelos Apóstolos e pelos os Padres, bem como a magnificência de seus ritos, verdadeiramente adequados para nutrir a piedade dos fiéis e imbuí-los com o respeito aos divinos mistérios.

Decretos e constituições diversos emitidos pelos Pontífices romanos para a conservação das liturgias orientais testemunham os sentimentos desta Sé Apostólica a este respeito. Basta citar as cartas apostólicas de nosso antecessor, Bento XIV e, principalmente, aquela do dia 26 de julho de 1735 [1], a qual se inicia com estas palavras: Allatae sunt. Os padres orientais, que se encontram no Ocidente, são completamente livres para celebrar nas igrejas latinas, de acordo com o rito adequado ao seu povo, e têm à sua disposição, em vários lugares, mas especialmente em Roma, santuários próprios para este uso litúrgico. Além disso, não faltam mosteiros associados ao rito oriental, casas dedicadas ao orientais nem colégios construídos para receber seus filhos, individualmente ou em conjunto com outros jovens, de modo a serem educados nas artes sagradas, nas ciências, e formados na disciplina clerical. Podem eles ser capazes de exercer funções eclesiásticas posteriormente, cada um entre seu próprio povo. E, embora as calamidades dos últimos anos possam ter levado algumas dessas instituições à destruição, muitas ainda estão operando e florescendo; não é a permanência desta existência, Veneráveis Padres e Amados filhos, a evidência manifesta do carinho singular que a Sé Apostólica tem para convosco e para com tudo aquilo que vos diz respeito?

Como já é de vosso conhecimento, Veneráveis Irmãos e Queridíssimos Filhos, também fazemos uso das obras da Congregação da Santa Igreja Romana, que extrai seu nome da finalidade para a qual foi estabelecida uma Propaganda Fide para exercer maior vigilância às vossas preocupações religiosas. No entanto, muitos, em nossa ilustre cidade, sejam romanos, sejam estrangeiros, esforçam-se em nome de seus interesses. Assim, alguns Bispos do rito latino, juntamente com os Bispos dos ritos orientais e outras personagens religiosas, formaram, não há muito tempo, sob a autoridade da Congregação, a que acabamos de mencionar, uma associação piedosa cuja finalidade é contribuir de todas as formas com a ajuda de orações diárias e esmolas, para o progresso e o desenvolvimento da religião Católica entre vós. Assim que tomaram conhecimento desse piedoso projeto, nós os louvamos e os aprovamos, insistindo para que seus autores coloquem suas mãos à obra sem demora.

O que acabamos de dizer é dirigido a todos os nossos filhos do Oriente, mas nossas palavras agora se voltam especialmente aos que detêm a autoridade sobre os demais. Sejam quais forem seus locais, Veneráveis Irmãos e Bispos Católicos dessas terras, que essa exortação seja para vós um estímulo, suscitando-vos novamente a emoção pelo zelo pastoral. Portanto, exortamos-vos no Senhor, nosso Deus, para vigiar, confiando plenamente na assistência celeste, e com um ardor cada vez maior, pela segurança de seus queridos rebanhos; e para permanecerem, iluminando com vossas palavras e exemplos, para que possam prosseguir com dignidade, segundo a vontade de Deus, produzindo o fruto de toda sorte de boas obras. De modo que os sacerdotes que estão sob vossos cuidados, dediquem-se totalmente a estes mesmos cuidados: urgir especialmente àqueles que têm o cuidado das almas, para que possam manter perto do coração a dignidade da casa de Deus; que possam estimular a piedade do povo; que possam administrar com santidade as coisas que são santas; e que, sem descuidar dos outros deveres, que possam dedicar toda a atenção na instrução dos jovens nos princípios da doutrina cristã e na distribuição, aos outros fiéis, do pão da palavra divina, segundo a capacidade de cada um. Devem eles, e vós mesmos, implantar a maior vigilância para que todos os fiéis possam ser diligentes na conservação da unidade do Espírito, no vínculo da paz, dando graças ao Senhor da Luz e ao Pai das misericórdias por aquilo que Ele dignou-se a permitir, por um ato de Sua graça, apesar de uma grande perturbação de todas as coisas, de que deveriam ter permanecido firme na comunhão Católica da única Igreja de Cristo, ou que tenham entrado nela enquanto um grande número de amigos ainda estão errantes fora do único abrigo de Cristo, abandonados pelos seus antepassados há muito tempo.

Portanto, depois de ter falado convosco, não podemos deixar de dirigir palavras de caridade e de paz aos orientais que, apesar de gloriarem-se em nome de Cristo, mantêm-se separados da comunhão com a Sé de Pedro. A caridade de Jesus Cristo estimula-nos a seguir e, em conformidade com suas advertências e seus exemplos, corremos atrás da ovelha perdida ao longo de caminhos árduos e inacessíveis, esforçando-nos para socorrê-los em sua fragilidade, para que possam entrar, finalmente, no abrigo das ovelhas do Senhor.

Ouvi nossas palavras, todos vós, nas terras do Oriente e em suas margens, sustentais a glória do nome cristão, ainda que não estejais em comunhão com a Santa Igreja Romana; e vós, principalmente vós, que, encarregados das tarefas sagradas ou que ostentais as mais altas dignidades eclesiásticas, tenhais autoridade sobre esses povos; lembrai-vos do antigo estado das vossas Igrejas, quando se encontravam reunidas no universo católico por meio do vínculo da unidade. Então, considerai-vos para o que serviu essas divisões que se seguiram, cujo resultado tem sido o de romper a unidade da ordem doutrinária e eclesiástica, não só com as Igrejas ocidentais, mas mesmo entre as vossas. Lembrai-vos das palavras do credo, o qual vós confessais conosco: a fé numa Igreja una, santa, católica e apostólica. Buscai encontrar se é possível averiguar essa unidade da Igreja católica, santa e apostólica entre tal divisão, como existe entre as vossas Igrejas, como vos recusais a reconhecê-la na comunhão da Igreja de Roma, sob cuja autoridade um grande número de Igrejas está unido e assim tem sido sempre em todas as partes do mundo. E, para compreender claramente essa característica da unidade, a qual deve marcar a Igreja Católica, meditai sobre esta oração que nos foi dada no Evangelho de São João [2], na qual Cristo, o único Filho de Deus, reza ao Pai em nome de seus discípulos: «Pai Santo, protege-os em Teu Nome, o Nome que me deste, para que sejam um, assim como somos um»; e Ele acrescenta: «Não oro somente por estes discípulos, mas igualmente por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como Tu estás em mim e Eu em Ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste. Eu lhes tenho transferido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos: Eu neles e Tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que Tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim».

Assim, o próprio autor da salvação do homem, Nosso Senhor Jesus Cristo, assentou os alicerces de sua única Igreja, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão, no Príncipe dos Apóstolos: Pedro, a quem Ele deu as chaves do reino dos Céus [3]; para quem Ele orou, para que sua fé nunca falhasse, ordenando-lhe assim confirmar seus irmãos na mesma fé [4]; a quem Ele incumbiu alimentar seus cordeiros e ovelhas [5], em outras palavras: toda a Igreja consiste dos verdadeiros cordeiros e ovelhas de Cristo. E essas prerrogativas, de modo semelhante, pertencem aos Bispos de Roma, sucessores de Pedro: pois, desde a morte de Pedro, a Igreja, que deve durar até o fim dos tempos, não pode ser privada da base sobre a qual foi construída por Cristo. É por isso que Santo Ireneu, discípulo de Policarpo, aquele que havia recebido os ensinamentos do apóstolo João — Ireneu, mais tarde bispo de Lyon, assim como aqueles no Oriente e no Ocidente que estão entre os principais luminares da Antiguidade cristã —, desejando refutar os heréticos de seu tempo, a fim de demonstrar a doutrina transmitida pelos apóstolos, acreditou ser supérfluo decifrar a sucessão em todas as Igrejas de origem apostólica; parecia-lhe suficiente definir a doutrina da Igreja de Roma contra os inovadores, como escreveu: «Pois é uma questão de necessidade que cada Igreja deva concordar com esta Igreja, em virtude da sua autoridade preeminente, isto é, dos fiéis por toda parte, na medida em que a tradição foi preservada de forma contínua por aqueles [homens fiéis] que existem em toda parte" [6] (Contra as heresias III 3,2).

Como sabemos bem, todos vós tendes a intenção de manter a doutrina preservada por vossos antepassados. Assim, deveis seguir os antigos bispos e cristãos de todas as terras do Oriente; inumeráveis ​​e monumentais são suas obras que atestam, de acordo com os ocidentais, seu respeito pela autoridade dos Pontífices romanos. Entre os documentos mais notáveis ​​que o Oriente antigo nos deixou sobre esse assunto (além do testemunho, já citado, de Ireneu), gostaríamos de chamar a atenção para os eventos do século IV, relacionados com Atanásio, Bispo de Alexandria, não menos ilustre por sua santidade do que pela sua doutrina e zelo pastoral. Injustamente condenado pelos bispos orientais, mais especificamente, no Concílio realizado em Tiro, e expulso de sua Igreja, veio ele a Roma, para onde também viajaram outros Bispos do Oriente, os quais eram, como ele, injustamente despojados de suas sedes.

O Bispo de Roma (Julius, nosso antecessor), depois de ter examinado a causa de cada um e considerá-los todos fiéis à fé de Niceia e em pleno acordo com ele, recebeu-os em comunhão. E, da dignidade de sua Sé, tendo todos sob seus cuidados, ele confirmou cada um em sua respectiva Igreja. Também escreveu ele aos Bispos orientais, repreendendo-os por falharam no julgamento das causas desses pontífices e, assim, perturbando a paz da Igreja. No início do século V, João Crisóstomo, Bispo de Constantinopla, e não menos ilustre que Atanásio, condenado numa injustiça soberana por um Concílio na Calcedônia, apelou por meio de cartas e emissários a nossa Sé Apostólica e foi declarado inocente pelo nosso antecessor Santo Inocêncio I.

O Concílio da Calcedônia, realizado em 451, é outro monumento célebre à veneração de vossos antepassados ​​para com a autoridade dos Pontífices romanos. Os seiscentos Bispos que participaram (quase todos do Oriente, com algumas raras exceções), depois de terem ouvido, na segunda sessão, a leitura duma carta do Pontífice romano, São Leão Magno, clamaram em uníssono: «Pedro falou pela boca de Leão». E a reunião presidida pelo Legado Papal, tendo então sido encerrada, os Padres Conciliares, em relatório sobre os procedimentos encaminhados a São Leão, afirmaram que ele mesmo, por meio do Legado, comandara os bispos reunidos como a cabeça o faz com os membros do corpo.

E não é somente dos cânones do Concílio de Calcedônia, mas também os de todos os outros antigos Concílios do Oriente que poderíamos reivindicar nos quais é uma constante que os Pontífices romanos sempre ocuparam o primeiro lugar no Concílio — principalmente nos Concílios Ecumênicos —, e nos quais suas autoridades eram invocadas, tanto antes da realização como após o seu encerramento. Além desses Concílios, há ainda um grande número de passagens encontradas em escritos de antigos escritores e Padres do Oriente, bem como em muitos exemplos históricos, nos quais é evidente que a autoridade suprema dos Pontífices romanos sempre esteve, desde o tempo de vossos antepassados, em vigor em todo o Oriente. No entanto, levaria muito tempo se citássemos os pormenores de todo esse testemunho. De qualquer forma, nossas observações devem ser suficientes para destacar a verdade, limitamo-nos assim a recordar como, mesmo nos tempos apostólicos, os fiéis de Corinto comportaram-se quando divergências perturbavam gravemente a sua Igreja. Os coríntios recorreram a São Clemente, que, poucos anos após a morte de Pedro, fora Pontífice da Igreja de Roma. Escreveram-lhe sobre esse assunto e incumbiram Fortunatus a levar-lhe suas cartas. Clemente, depois de ter examinado atentamente o assunto, ordenou o mesmo Fortunato, a quem se juntou com seus emissários Claudius Ephebus e Valerius Vito, a levar a Corinto a famosa carta do santo Pontífice da Igreja romana, em que os Coríntios e todos os outros orientais deram tanto valor que ela foi lida publicamente em muitas igrejas ao longo dos séculos seguintes.

Portanto, exortamos-vos e suplicamos-vos para voltardes sem demora à comunhão com a Santa Sé de Pedro, na qual reside o fundamento da verdadeira Igreja de Cristo, como afirmado tanto pela Tradição de seus antepassados ​​e dos outros antigos Padres, como pelas próprias palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo encontradas nos santos Evangelhos, as quais citamos. Pois não é, e nunca será possível, para aqueles que desejam permanecer separados da Rocha (Pedro), sobre a qual a Igreja foi divinamente construída, estar em comunhão com a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

Assim, nenhuma razão pode servir de desculpa para não retornarem à verdadeira Igreja e à comunhão com a Santa Sé. Como bem sabeis, em assuntos de profissão da divina fé não há nada tão difícil que não se deva dar testemunho para a glória de Cristo e a recompensa da vida eterna. De nossa parte, oferecemos-vos a garantia de que nada nos seria mais agradável do que vos ver retornar à nossa comunhão. Longe de procurar afligir-vos com algumas prescrições que poderiam parecer um fardo pesado, receberemo-vos com bondade paternal e o amor mais digno, conforme o costume da Santa Sé. Pedimos-vos apenas as coisas que são estritamente necessárias: o retorno à unidade; a concordância conosco na profissão da verdadeira fé que a Igreja Católica sustenta e ensina; e, junto com toda a Igreja, a manutenção da comunhão com a Sé suprema de Pedro. No que diz respeito aos vossos ritos sagrados, apenas as coisas neles em contrário à fé católica e à unidade estão sujeitas à correção. Uma vez sanada essa questão, vossas antigas liturgias orientais permanecerão inalteradas. Já declaramos, na primeira parte desta carta como essas liturgias vos são caras e o quanto também foram para vossos antepassados, devido à antiguidade e à magnificência dos ritos, tão adequados para nutrir a fé.

Além disso, no que diz respeito aos santos ministros, sacerdotes e pontífices dos povos do Oriente que retornam à unidade católica, temos considerado e decidido seguir o mesmo caminho tomado com tanta frequência pelos nossos antecessores, tanto os que nos precedem imediatamente, como os dos tempos antigos. Devemos confirmá-los em sua distinção e dignidade, e contar com eles, não menos que com os outros clérigos católicos orientais, para manter e difundir a prática da fé católica entre vossos povos. Dedicaremo-nos a isso incessantemente com o maior cuidado para sermos dignos de um e de todos.

Que o Deus todo-misericordioso dê-nos a força da verdade para as nossas palavras! Que essas bênçãos possam envolver nossos irmãos e filhos que partilham de nossa preocupação com a salvação de vossas almas! Ó! Se essa consolação nos fosse dada: de ver a unidade católica restabelecida entre os cristãos do Oriente e encontrar nessa unidade um novo vento para inspirar o fortalecimento da verdadeira fé em Jesus Cristo entre os infiéis! Não deixaremos de rogar ao Deus das misericórdias, Pai da Luz, através de seu único Filho, nosso Redentor, nas orações e súplicas mais sinceras, invocando a proteção da Santa Virgem e Mãe de Deus, e dos santos Apóstolos, dos Mártires, dos Padres, os quais, por meio de seus sermões, sangue, virtudes e escritos, conservaram e espalharam a verdadeira religião de Cristo em todo o Oriente.

Plenos do desejo de vos ver de volta ao seio da Igreja Católica e abençoar-vos como irmãos e filhos nossos, e aguardando o dia em que essa alegria nos será dada, nós, mais uma vez, atestamos nosso afeto e ternura a todos os católicos espalhados pelas terras do Oriente, a todos os Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos, clérigos e leigos, e conferimo-vos a nossa bênção apostólica.

Roma, Basílica de Santa Maria Maior, 6 de janeiro de 1848, no segundo ano de nosso pontificado.

Pio IX, Papa


Notas

[1] Ver as bulas de Papa Bento XIV, tomo IV, nº 44; e outros estatutos/constituições do mesmo pontífice sobre esse assunto, tomo I, nº 87 e tomo III, nº 44.

[2] João 17, 11; 20 et seqq.

[3] Mateus 16, 18-19.

[4] Lucas 22, 31-32.

[5] João 21, 15 et seqq.

[6] Ireneu, Contras as heresias, livro III, capítulo 3.

[7] Sozomen, Historia Ecclesiastica, livro III, capítulo 8; ver também Athanasius, Apologia Contra Arianos, passim.

[8] Ver Cartas de São Inocêncio para São João Crisóstomo, e as Cartas de São João Crisóstomo a São Inocêncio, ao clérigo e ao povo de Constantinopla.

[9] Labbe, tomo IV, p. 1235 e 7755, edição Veneza.

[10] Bibliotheca veterum patrum, a Gallandio edita, tomo I, p. 9 et seqq.

[11] Eusebius, Historia Ecclesiastica, livro III, capítulo 16. Ver também livro IV, capítulo 23, a testemunha do Bispo Dionísio de Corinto.

 

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