Os discípulos são de novo joguete das vagas, e cai sobre eles uma tempestade semelhante à primeira (Mt 8; 24); anteriormente, porém, tinham Jesus com eles, enquanto desta vez estão sozinhos e entregues a si mesmos. […] Penso que o Salvador pretendia reanimar-lhes o coração adormecido; deixando-os cair na angústia, inspirou-lhes um desejo mais vivo da sua presença […]. Por isso, não foi imediatamente em auxílio deles, mas apenas «na quarta vigília da noite», «caminhando sobre o mar». […]
Pedro, sempre fervoroso, adiantou-se aos outros discípulos e disse-Lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas». […] Não Lhe disse: «Manda-me caminhar sobre as águas», mas «manda-me ir ter contigo», porque ninguém amava Jesus como ele. E fez a mesma coisa depois da ressurreição: não aguentando seguir lentamente com os outros na barca, deitou-se à água para satisfazer o seu amor por Cristo. […] Descendo, pois, da barca, Pedro avançou para Jesus, mais feliz de se Lhe dirigir do que de caminhar sobre as águas. Mas, depois de superar o perigo maior, o do mar, acabou por sucumbir a um menos grave, o do vento. Tal é a natureza humana: muitas vezes, depois de termos dominado os perigos mais sérios, deixamo-nos abater por outros menos importantes. […] Pedro não estava ainda totalmente livre do temor […], apesar da presença de Cristo perto dele. De nada nos serve estarmos ao lado de Cristo se não estivermos próximos dele pela fé. […]
«Homem de pouca fé, porque duvidaste?» Se a fé de Pedro não tivesse enfraquecido, ele teria resistido ao vento sem dificuldade. E a prova foi que Jesus o segurou, deixando que o vento continuasse a soprar. […] Da mesma forma que a mãe sustenta, com as suas asas, o passarinho que saiu do ninho antes do tempo, quando ele vai a cair no chão, e o volta a pôr no ninho, assim fez Cristo a Pedro.
São João Crisóstomo (c. 345-407)
Homilias sobre o Evangelho de Mateus
Fonte: Evangelho Cotidiano