A «Grande e Santa Segunda-Feira»
Comemoração dos Ss. João, discípulo de S. Gregório Decapolita († C. 850); Cosme, bispo de Calcedônia; Euthemios da Karelia; João, o novo mártir de Epiros; Atanasia, a Milagrosa de Egina.
Na segunda-feira, recordamos o Bem-aventurado José do Antigo Testamento, que foi espancado por seus irmãos, deixado para morrer e escravizado por estrangeiros. Enquanto seu pai, Jacó, sofria por seu filho, José reinava gloriosamente como um senhor do Egito, e assim, depois, salvou seu pai e seu povo. Isso prefigura a salvação de Nosso Senhor Jesus Cristo, que foi vendido por 30 moedas de prata, preso, condenado e que sofreu Sua amarga Paixão por nós… para depois ascender gloriosamente, tendo dado a vida para aqueles que estavam no túmulo!
No Ofício da 6ª hora:
Leitura AT
Leitura da Profecia de EZEQUIEL [1: 1-20]
conteceu no trigésimo ano, no quarto mês, no quinto dia do mês, que estando eu no meio dos cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e eu tive visões de Deus. No quinto dia do mês, no quinto ano do cativeiro do rei Jeoiaquim, veio expressamente a palavra do Senhor a Ezequiel, filho de Buzi, o sacerdote, na terra dos caldeus, junto ao rio Quebar, e ali esteve sobre ele a mão do Senhor. Olhei, e eis que um vento tempestuoso vinha do norte, uma grande nuvem, com um fogo revolvendo-se nela, e um resplendor ao redor, e no meio dela havia uma coisa, como de cor de âmbar, que saía do meio do fogo. E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes. E esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem. E cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas. E os seus pés eram pés direitos; e as plantas dos seus pés como a planta do pé de uma bezerra, e luziam como a cor de cobre polido. E tinham mãos de homem debaixo das suas asas, aos quatro lados; e assim todos quatro tinham seus rostos e suas asas. Uniam-se as suas asas uma à outra; não se viravam quando andavam, e cada qual andava continuamente em frente. E a semelhança dos seus rostos era como o rosto de homem; e do lado direito todos os quatro tinham rosto de leão, e do lado esquerdo todos os quatro tinham rosto de boi; e também tinham rosto de águia todos os quatro. Assim eram os seus rostos. As suas asas estavam estendidas por cima; cada qual tinha duas asas juntas uma a outra, e duas cobriam os corpos deles. E cada qual andava para adiante de si; para onde o espírito havia de ir, iam; não se viravam quando andavam. E, quanto à semelhança dos seres viventes, o seu aspecto era como ardentes brasas de fogo, com uma aparência de lâmpadas; o fogo subia e descia por entre os seres viventes, e o fogo resplandecia, e do fogo saíam relâmpagos; e os seres viventes corriam, e voltavam, à semelhança de um clarão de relâmpago. E vi os seres viventes; e eis que havia uma roda sobre a terra junto aos seres viventes, uma para cada um dos quatro rostos. O aspecto das rodas, e a obra delas, era como a cor de berilo; e as quatro tinham uma mesma semelhança; e o seu aspecto, e a sua obra, era como se estivera uma roda no meio de outra roda. Andando elas, andavam pelos seus quatro lados; não se viravam quando andavam. E os seus aros eram tão altos, que faziam medo; e estas quatro tinham as suas cambotas cheias de olhos ao redor. E, andando os seres viventes, andavam as rodas ao lado deles; e, elevando-se os seres viventes da terra, elevavam-se também as rodas. Para onde o espírito queria ir, eles iam; para onde o espírito tinha de ir; e as rodas se elevavam defronte deles, porque o espírito do ser vivente estava nas rodas.
No Ofício de Vésperas:
Leitura AT
Primeira Leitura do Livro do ÊXODO [1: 1-20].

Segunda Leitura do Livro de JÓ [1: 1-12]
avia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal. E nasceram-lhe sete filhos e três filhas. E o seu gado era de sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; eram também muitíssimos os servos a seu serviço, de maneira que este homem era maior do que todos os do oriente. E iam seus filhos à casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas três irmãs a comerem e beberem com eles. Sucedia, pois, que, decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó: Porventura pecaram meus filhos, e amaldiçoaram a Deus no seu coração. Assim fazia Jó continuamente. E num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal. Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde? Porventura tu não cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra. Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face. E disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.
No Ofício do Orthros (Matinas):
Evangelho
Evangelho de Jesus Cristo segundo o Evangelista São MATEUS [21: 18-43]

Na Liturgia dos Dons Pré-santificados:
Apolitíkion
Eis que o esposo vem no meio da noite. Feliz o servo que ele encontrar vigilante. Aquele, porém, que encontrar imprevidente será considerado indigno de acompanhá-lo. Acautela-te, pois, ó minha alma, a fim de que não sejas entregue à morte e fiques fora das portas do Reino. Mas, desperta, clamando: “Santo, Santo, Santo és ó Senhor! Pela intercessão da Mãe de Deus, tem piedade de nós!
Kondakion
Enquanto Jacó chorava a perda de José, este destemido estava num trono, venerado como rei. Tendo se recusado, naquela época, a se curvar aos prazeres dos egípcios, engrandeceu-o, Aquele que sonda os corações humanos e lhe dá a coroa imperecível.
Oikos da Grande e Santa Segunda-Feira
Juntemo-nos a Jacó com grandes lamentos e lágrimas pelo casto José, o bem-aventurado que, tendo sido escravizado no corpo, guardou em liberdade a sua alma e foi governador de todo o Egito, pois que, aos seus servos Deus concede as coroas incorruptíveis.
Sinaxarion da Grande e Santa Segunda-feira
Na Grande Segunda-feira Santa comemoramos a memória de José, o bem-aventurado e de excelsa beleza, e da figueira que o Senhor amaldiçoou por não ter frutos e que secou. Pelas intercessão de José, o bem-aventurado, Ó Cristo nosso Deus, tem piedade de nós e salva-nos!
Evangelho
Evangelho de Jesus Cristo segundo o Evangelista São MATEUS [24: 3-35]
aquele tempo, estando assentado no Monte das Oliveiras, chegaram-se a ele os seus discípulos em particular, dizendo: Dize-nos, quando serão essas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Acautelai-vos, que ninguém vos engane; porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos. E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá fomes, e pestes, e terremotos, em vários lugares. Mas todas estas coisas são o princípio de dores. Então vos hão de entregar para serdes atormentados, e matar-vosão; e sereis odiados de todas as nações por causa do meu nome. Nesse tempo muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se odiarão. E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo. E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim. Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, entenda; então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; e quem estiver sobre o telhado não desça a tirar alguma coisa de sua casa; e quem estiver no campo não volte atrás a buscar as suas vestes. Mas ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias! E orai para que a vossa fuga não aconteça no inverno nem no sábado; porque haverá então grande aflição, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem tampouco há de haver. E, se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias. Então, se alguém vos disser: Eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito; porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Eis que eu vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem. Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias. E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus. Aprendei, pois, esta parábola da figueira: Quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas, sabeis que está próximo o verão. Igualmente, quando virdes todas estas coisas, sabei que ele está próximo, às portas. Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar.
Ofício de Matinas da Santa e Grande Segunda-feira
«José do Egito»
o domingo à noite é realizado o Ofício de Matinas da Santa e Grande Segunda-feira no qual, através da oração e da Palavra de Deus refletimos sobre a pessoa de José, o Justo, e no episódio da figueira estéril.
José bisneto de Abraão, neto de Isaque, filho de Jacó tinha mais onze irmãos: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Isacar, Gad, Dan, Aser, Neftali e Benjamin. Sendo os doze bisnetos de Abraão eram herdeiros da promessa de Deus. Tornariam-se, depois, os chefes das doze tribos de Israel, do povo escolhido por Deus, de quem nasceria o prometido Messias. De todos os filhos de Jacó José, era o favorito do pai. E seus irmãos não entendiam a razão desta preferência, pois José não era nem o primogênito nem o mais forte, mas, de fato, era o penúltimo (11º) de seus deze filhos). Isso provocou fortes sentimentos de ciúme e inveja em seus irmãos.
Os irmãos de José foram levar a pastar as ovelhas, e Jacó ordenou a José que fosse ver seus irmãos e lhe trouxesse notícias. Vendo-o ainda de longe que se aproximava, alegre e despreocupado, os irmãos sentiram raiva e inveja e planejaram matá-lo. Ruben sugeriu então que fosse colocado vivo num poço vazio próximo. Os outros irmãos gostaram da ideia. Quando José chegou, os irmãos o levaram até o poço, despiram-no e o espancaram.
Teria sido este o túmulo de José se não fosse porque, voltando para casa, seus irmãos encontraram uma caravana de Ismaelitas que negociava escravos, e Judá propôs que o vendessem em vez de deixá-lo naquele poço. Os irmãos concordaram e os contrabandistas retiraram José daquele horrível poço e o levaram como escravo para o Egito, onde Putifar, o faraó, o comprou.
José viveu por vários anos como escravo do faraó até que a esposa do faraó se apaixonou por ele e, porque José não consentiu com o romance, ela disse ao Faraó que José havia tentado contra sua honra. O faraó se enfureceu de tal modo que o mandou para a prisão.
José tinha o dom de interpretar sonhos, e eis que, dois anos depois, o Faraó teve um sonho no qual estava ao lado do Nilo, e viu que do rio vinham sete vacas bonitas e gordas que começaram a pastar os juncos que cresciam na sua encosta. Atrás delas vinham sete vacas feias e magras que comiam as vacas belas e gordas.
O Faraó, conhecendo a habilidade de José, o retirou da prisão e o questionou sobre o significado de sonho que tivera. José respondeu: sete anos de abundância e sete anos de seca no Egito, e seu conselho foi para que durante os sete anos de abundância estocassem um quinto de todas as colheitas do Egito. E assim foi feito, e o Egito não sofreu fome durante os sete anos de seca. José foi nomeado então pelo Faraó para o mais alto cargo administrativo do Egito.
A seca, com efeito, foi tão grande que logo afetou além do Egito, lá onde a família de José morava. Jacó, não tendo mais o que comer e ouvindo que no Egito vendiam comida, enviou dez de seus filhos para comprar alimentos. Eles se apresentaram a José, sem saber de quem se tratava. José, percebendo que eram seus irmãos, não só não os julgou ou castigou, mas os tratou com condescendência e misericórdia. Os irmãos voltaram para a casa de Jacó com a boa notícia de que José estava vivo e que queria que Jacó e todos os seus filhos se mudassem para o Egito, o que fizeram.
Desta forma, José torna-se uma clara prefiguração de Cristo, entregue à morte por seus próprios irmãos judeus e vendido por trinta moedas de prata. E,. assim como José, Jesus venceu a morte e foi constituído o Senhor de todas as coisas.
A analogia José-Jesus, elaborada pelos Pais da Igreja, baseia-se, além das circunstâncias acima mencionadas, na atitude amorosa incondicional de ambos em relação aos seus irmãos que atentam contra suas vidas e, por sua vez, são redimidos pelos seus atos em virtude desse amor que perdoa, redime e vivifica para além de todas as ações e circunstâncias da vida.
«A Fiqueira Seca»
A Igreja, neste tempo preparatório à comemoração da Paixão de nosso Senhor, faz referência ao episódio em que Jesus amaldiçoa a figueira infrutífera (Mt 21:18-43). Tendo sido vendido pelo crime e inveja de seus irmãos, José não se entregou ao ódio, ressentimento e vingança que tais atitudes, incompreensíveis à mente humana, poderiam lhe ter causado, mas aproveitou a oportunidade para reverter todo o mal que lhe tinha sido feito e, assim, “produziu bons frutos”. José tomou o caminho mais difícil, o do perdão, da condescendência e do amor.
A vida dá muitas voltas e, quando se encontrou com seus irmãos, não apenas os perdoou, mas os trouxe para viver com ele no Egito, salvando-os da fome. E este é o exemplo mais contundente do que Cristo nos ordena: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13:34). Este é o fruto que Deus espera de cada um de nós. Nosso fruto é o amor incondicional do qual São Paulo fala aos coríntios (Cor 13:4-7). Caso contrário, nossa vida pode secar como a figueira, já neste mundo. Uma vida privada desse amor não dá frutos e não pode alimentar ninguém. Deus nos pede para que O “alimentemos” com esse amor através daqueles que são nossos próximos: este é o novo mandamento e os frutos pelos quais seremos conhecidos (Mt. 7: 15-20).
FONTE: Boletim da Arquidiocese Ortodoxa de Buenos Aires e Exarcado da América do Sul, 2020.
Segunda, Terça e Quarta-feira Santa: «O Fim »
sses três dias, que a Igreja chama de grandes e santos, têm, dentro do desenrolar da semana santa, uma finalidade bem definida. Eles situam as celebrações dentro da perspectiva do Fim, eles nos relembram o sentido escatológico da Páscoa. Muito freqüentemente a semana santa é considerada como uma “linda tradição,” um “costume,” uma data importante do calendário. É o acontecimento anual esperado e amado, a Festa “observada” desde a infância, durante a qual a gente se encanta com a beleza dos ofícios, com o fausto dos ritos, e na qual a gente se ocupa de preparar a ceia pascal, que não é de menor importância. . . Depois, uma vez que tudo isto tenha acabado, nós retomamos a vida normal. Mas, teremos mesmo consciência de que “a vida normal” não é mais possível depois que o mundo rejeitou seu Salvador, depois que “Jesus ficou triste e abatido.. .,” que sua alma “ficou infinitamente triste até a morte…” e que ele morreu na cruz? Foram mesmo homens “normais” que gritaram: “Crucifica-o!” Homens normais que cuspiram nele e o pregaram na cruz. . . Se eles o odiaram e o mataram, é precisamente porque ele veio sacudir e desestabilizar sua vida normal. Foi mesmo um mundo perfeitamente “normal” que preferiu as trevas e a morte, em lugar da vida e da luz. . . pela morte de Jesus o mundo “normal,” a vida “normal” foram irrevogavelmente condenados. Ou, mais exatamente, o mundo e a vida revelaram sua natureza verdadeira e anormal, sua incapacidade de acolher a luz, o terrível poder que o mal exerce sobre eles. “É agora o julgamento deste mundo” (Jo 12,31). A Páscoa de Jesus significa o fim para “este mundo” e, desde então, ele está “no seu fim.” Este fim pode se estender por centenas de séculos, mas isto não altera em nada a natureza dos tempos em que vivemos, que é “o último tempo.” “O rosto deste mundo passa” (ICor 7,31).
Páscoa significa “passagem”; para os judeus a festa da Páscoa era a comemoração anual de toda sua história, enquanto salvação, e da salvação enquanto passagem da escravidão no Egito à liberdade, do exílio à Terra prometida. A Páscoa era também a prefiguração da derradeira passagem, que conduz ao Reino de Deus. Ele, o Cristo, é o cumprimento da Páscoa. Ele completou a derradeira passagem, a da morte para a vida, deste “mundo velho” ao mundo novo, ao tempo novo do Reino. Ele tornou possível para nós esta passagem. Vivendo “neste mundo,” nós podemos já “não ser deste mundo”; quer dizer, estarmos livres da escravidão da morte e do pecado, participantes do “mundo que há de vir.” Mas, é necessário para tanto cumprirmos nossa própria passagem, condenar o velho Adão em nós mesmos, revestir o Cristo na morte batismal e ter nossa verdadeira vida oculta em Deus com o Cristo, no “mundo que há de vir…”
A Páscoa não é, pois, mais uma comemoração, bonita e solene, de um acontecimento passado. É o próprio acontecimento manifestado, dado a nós, acontecimento sempre eficiente, que revela que o nosso mundo, nosso tempo e nossa vida estão no seu fim, e que anuncia o começo da vida nova. O papel dos três primeiros dias da semana santa é, precisamente, o de nos colocar diante do sentido último da Páscoa, de nos preparar para compreendê-la em toda sua amplidão.
Esta orientação escatológica, quer dizer, última, decisiva e final, é bem sublinhada pelo tropário comum a esses três dias:
«Eis que aparece o Esposo no meio da noite!
Feliz o cervo que Ele encontrar acordado,
infeliz o que Ele encontrar indolente.
Vigia, pois, ó minh’alma:
não te deixes vencer pelo sono!
À morte tu serias entregue,
para fora do Reino banida.
Mas, acorda e clama:
Santo, Santo, Santo és Tu, ó Deus!
pelas orações da Mãe de Deus, tem piedade de nós!»
Meia-noite é o instante em que o dia velho termina para dar lugar a um novo dia. Esta hora é assim para o cristão o símbolo do tempo em que vive. Por um lado, a Igreja está ainda neste mundo, compartilhando de suas fraquezas e tragédias. Por outro, seu ser verdadeiro não é deste mundo, pois ela é a Esposa de Cristo e sua missão é de anunciar e revelar a chegada do Reino e do novo Dia. Sua vida é um velar perpétuo e uma espera, uma vigília orientada para a aurora desse novo Dia. . . mas nós sabemos o quanto nosso apego ao “velho dia,” ao mundo, com suas paixões e pecados, permanece ainda bastante tenaz. Nós sabemos o quanto ainda pertencemos profundamente a “este mundo.” Nós vimos a luz, nós conhecemos o Cristo, nós ouvimos falar da paz e da alegria da vida nova nele, e, entretanto, o mundo nos mantém ainda em escravidão. Esta fraqueza, esta constante traição ao Cristo e esta incapacidade de dedicar a totalidade do nosso amor ao único objeto de amor verdadeiro, são magnificamente expressadas no exapostilário desses três dias:
«Eu contemplo tua câmara nupcial, ó Salvador meu!
Ela está toda enfeitada,
e eu não tenho as vestes para nela entrar.
Torna luminosa a roupagem da minha alma,
ó Tu que dás a luz, e salva-me!»
O mesmo tema é ainda mais desenvolvido nas leituras do Evangelho destes dias. Primeiro, é o texto inteiro dos quatro evangelhos (até Jo 13.31), lido nas Horas (Prima, Tércia, Sexta, Nona), que mostra que a cruz é o apogeu de toda a vida de Jesus e de seu mistério, a chave para verdadeiramente o compreender. Tudo, no Evangelho, conduz a esta última “hora de Jesus” e tudo deve ser visto sob sua luz. Em seguida, cada ofício possui seu próprio pericópio de evangelho.
A Segunda-Feira Santa
Nas matinas: Mt 21,18-43 — a parábola da figueira estéril, símbolo do mundo criado para dar frutos espirituais e relutante em sua resposta a Deus.
Na liturgia dos Pré-santifícados: Mateus, 24,3-35 — o grande discurso escatológico de Jesus, os sinais e o anúncio do Fim. “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão.”
A Terça-Feira Santa
Nas Matinas: Mt 22,15-23,39 — condenação do farisaísmo, quer dizer, da religião cega e hipócrita daqueles que pensam que são condutores de homens e a luz do mundo, mas que, de fato, “fecham o Reino dos céus aos homens.”
Na Liturgia dos Pré-santifícados: Mt 24,36-26,2 — o Fim; as parábolas do Fim: as cinco virgens que têm óleo suficiente em suas lâmpadas, e as cinco néscias que não são admitidas no banquete de núpcias; a parábola dos dez talentos: “Estejais prontos, pois eis que o Filho do Homem virá à hora em que não o pensais.” E finalmente, o Juízo Final.
A Quarta-Feira Santa
Nas Matinas: Jo 12:17-50 — a rejeição do Cristo; o acirramento do conflito; o último aviso: “É agora o julgamento deste mundo. . . aquele que me rejeita e não recebe minhas palavras terá seu juiz: a palavra que anunciei, ela é que o julgará no último dia.”
Na Liturgia dos Pré-santifícados: Mt 26:6-16 — a mulher que derrama o óleo precioso sobre Jesus, imagem do amor e do arrependimento que, sozinhos, nos unem ao Cristo.
Estas perícopes do evangelho são explicadas e comentadas na hinografia desses dias: os estiquérios (stykeroi), as triodes (cânones curtos de três odes cantados nas matinas) ao longo dos quais ecoa esta exortação: o fim e o julgamento estão próximos, preparemo-nos!
«Indo, Senhor, para Tua Paixão voluntária,
no caminho Tu dizias aos Teus apóstolos:
Eis que subimos a Jerusalém
e que o Filho do Homem será entregue,
segundo o que d’Ele está escrito.
Vamos, pois, nós também, acompanhemo-lo,
o espírito purificado;
sejamos crucificados com ele
e morramos Nele para as volúpias da vida
a fim de vivermos com ele e de escutá-lo dizer:
“Eu não subo mais a Jerusalém terrestre para sofrer,
mas subo para meu Pai e vosso Pai,
para meu Deus e vosso Deus,
e eu vos farei subir comigo
para a Jerusalém do alto, no Reino dos Céus».
(Segunda-feira nas Matinas)
«Ó, minh’alma, eis que o Mestre te confiou um talento.
Recebe este dom com temor;
Faze-o frutificar para aquele que to deu;
distribua-o aos pobres
e tu terás o Senhor como amigo.
Assim, quando Ele vier em Sua glória,
tu ficarás a Sua direita
e tu ouvirás a palavra bem-aventurada:
“Entra, servo meu, na alegria de teu Mestre”
“Em Tua grande misericórdia,
faz que eu seja digno, apesar do meu afastamento, oh, Salvador!»
(Terça-feira nas Matinas)
Durante todo o tempo de quaresma, lê-se nas vésperas dois livros do Antigo Testamento: o Gênesis e os Provérbios; no começo da Semana Santa, eles são substituídos pelo Êxodo e pelo Livro de Jó. O Livro do Êxodo é a história da libertação de Israel da escravidão no Egito, e de sua Páscoa; ele nos predispõe a alcançar o sentido do êxodo do Cristo rumo a seu Pai, do cumprimento Nele de toda a história da salvação. Jó, o homem da dor, é o ícone de Cristo do Antigo Testamento. Esta leitura anuncia o grande mistério dos sofrimentos do Cristo, de sua obediência e de seu sacrifício.
A estrutura litúrgica destes três dias é ainda aquela dos ofícios de quaresma: ela compreende a oração de Santo Efrém, o Sírio, e as metanóias que o acompanham (1), a leitura mais longa do salmodiário, a Liturgia dos Pré-Santificados e o canto litúrgico da quaresma. Nós estamos ainda no tempo do arrependimento, porque só o arrependimento pode nos fazer participar da Páscoa de nosso Senhor e nos abrir as portas do festim pascal.
Na grande e santa quarta-feira, durante a última Liturgia dos Pré-santificados, depois de ter alçado os santos Dons sobre o altar, o padre lê uma última vez a oração de Santo Efrém. Neste momento, a preparação chega a termo. O Senhor nos convida agora para a sua última Ceia.
«Senhor e mestre de minha vida
Afasta de mim o espírito de preguiça,
o espírito de dissipação
de domínio e de vã loquacidade
Concede a teu servo
o espírito da temperança
de humildade
de paciência e de caridade
Sim, Senhor e Rei,
Concede-me que veja as minhas faltas
e que não julgue a meu irmão
pois tu és bendito pelos séculos dos séculos. Amém».
(l) Esta oração, atribuída a Santo Efrém, o Sírio, é lida duas vezes ao final de cada ofício de quaresma, de segunda a sexta-feira: diz-se uma primeira vez fazendo uma metanóia depois de cada súplica; depois inclina-se doze vezes dizendo: “Ó Deus, purifica-me, pecador!”; por fim, repete-se toda a oração com uma última prosternação no final.
FONTE: Alexandre Schmémann, Olivier Clément. «O Mistério Pascal – Comentários Litúrgicos»
Referências Bibliográficas:
- BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém (Nona Edição Revista e Ampliada). São Paulo: Paulus, 2013.