A Festa da «Dormição da Theotokos» nossa santíssima Senhora, Mãe de Deus e sempre Virgem Maria

No Ofício de Vésperas:
Leituras bíblicas:
- Gn 28, 10-17 (1ª leitura)
- Ez 43, 27-44, 4 (2ª leitura)
- Pr 9, 1-11 (3ª leitura)
No Orthros (Matinas):
Evangelho
Santo Evangelho segundo o Evangelista São LUCAS [1: 39-49, 56].
aqueles dias, 39Maria pôs-se a caminho para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente a uma cidade de Judá. 40Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. 42Com um grande grito, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre! 43Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? 44Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre. 45Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido!» 46Maria, então, disse: «Minha alma engrandece o Senhor,47e meu espírito exulta em Deus em meu Salvador, 48porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, 49pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome é santo». 56Maria permaneceu com ela mais ou menos três meses e voltou para casa.
Na Divina Liturgia:
Primeira Antífona
Vers. 1: Aclamai a Deus, terra inteira (Sl 65:1)
Vers. 2: Cantai a glória do seu nome, dai glória ao seu louvor (Sl 65:2).
Vers. 3: Na cidade do Senhor dos Exércitos, na cidade do nosso Deus (Sl 48:9).
Vers. 4: Sua tenda está em Salém e sua moradia em Sião (Sl 76:3).
Glória… Agora e sempre….
Στίχ. α´. Ἀλαλάξατε τῷ Θεῷ πᾶσα ἡ γῆ.
Στίχ. β’. Ἐξομολογεῖσθε αὐτῷ, αἰνεῖτε τὸ ὄνομα αὐτοῦ.
Στίχ. γ’. Ἐν πόλει Κυρίου τῶν δυνάμεων, ἐν πόλει Θεοῦ ἡμῶν.
Στίχ. δ’. Ἐγενήθη ἐν εἰρήνῃ ὁ τόπος αὐτοῦ, καὶ τὸ κατοικητήριον αὐτοῦ ἐν Σιών.
Δόξα Πατρὶ…Καὶ νῦν.
Segunda Antífona
Vers. 1: O Senhor ama as portas de Sião mais que todas as moradas de Jacó (Sl 87:2)
Vers. 2: Ele conta glórias de ti, ó cidade de Deus (Sl 87:3)
Vers. 3: E foi o Altíssimo que a firmou (Sl 87:5b).
Vers. 4: Santificando as moradas do Altíssimo.
Glória… Agora e sempre… Ó Filho Unigênito…
Στίχ. α´. Ἀγαπᾷ Κύριος τὰς πύλας Σιών, ὑπὲρ πάντα τὰ σκηνώματα Ἰακώβ.
Στίχ. β’. Δεδοξασμένα ἐλαλήθη περὶ σοῦ, ἡ πόλις τοῦ Θεοῦ.
Στίχ. γ’. Ὁ Θεὸς ἐθεμελίωσεν αὐτὴν εἰς τὸν αἰῶνα.
Στίχ. δ’. Ἡγίασε τὸ σκήνωμα αὐτοῦ ὁ Ὕψιστος.
Δόξα Πατρὶ… Καὶ νῦν… Ὁ μονογενὴς Υἱὸς
Terceira Antífona
Vers. 1: Meu coração está firme, ó Deus, meu coração está firme (Sl 57:8).
Στίχ. α´. Ἑτοίμη ἡ καρδία μου, ὁ Θεός, ἑτοίμη ἡ καρδία μου.
Apolitíkion da Festa (Modo 1º)
Em tua maternidade, conservaste a virgindade, e em tua morte não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus. Passaste para a vida, tu que és a Mãe da Vida, e que, por tuas orações, livras da morte as nossas almas.
Ἐν τῇ Γεννήσει τὴν παρθενίαν ἐφύλαξας. Ἐν τῇ Κοιμήσει τὸν κόσμον οὐ κατέλιπες Θεοτόκε, Μετέστης πρὸς τὴν ζωήν, μήτηρ ὑπάρχουσα τῆς ζωῆς, καὶ ταῖς πρεσβείαις ταῖς σαῖς λυτρουμένη, ἐκ θανάτου τὰς ψυχὰς ἡμῶν.
E segue com os demais versículos da Antífona:
Vers. 1: Como retribuirei ao Senhor todo bem que fez? (Sl 116:12)
Vers. 3: Erguerei o cálice da salvação invocando o nome do Senhor (Sl 116:13).
ἙΣτίχ. β’. Τί ἀνταποδώσω τῷ Κυρίῳ περὶ πάντων ὧν ἀνταπέδωκέ μοι;
Στίχ. γ’. Ποτήριον σωτηρίου λήψομαι, καὶ τὸ ὄνομα Κυρίου ἐπικαλέσομαι.
Kondákion da Festa (Modo 2º)
O túmulo e a morte não subjugaram a Mãe de Deus, a incansável Intercessora e a vigilante Protetora; mas, sendo ela a Mãe da Vida, fê-la passar para a vida Aquele que habitou em seu seio sempre virgem.
Τήν εν πρεσβείαις ακοίμητον Θεοτόκον, καί προστασίαις αμετάθετον ελπίδα, τάφος καί νέκρωσις ουκ εκράτησεν, ως γάρ ζωής Μητέρα, πρός τήν ζωήν μετέστησεν, ο μήτραν οικήσας αειπάρθενον.
Prokímenon (Modo 3º)
Refrão: Minha alma glorifica o Senhor e meu Espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador.
Vers.: Porque voltou os olhos para a humildade de sua serva.
Μεγαλύνει ἡ ψυχή μου τὸν Κύριον, καὶ ἠγαλλίασε τὸ πνεῦμά μου ἐπὶ τῷ Θεῷ τῷ Σωτῆρί μου.
Στίχ. Ὅτι ἐπέβλεψεν ἐπὶ τὴν ταπείνωσιν τῆς δούλης αὐτοῦ·
Epístola (Apóstolo)
Epístola do Apóstolo São Paulo aos FILIPENSES (2:5-11)
rmãos, 5tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus: 6Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. 7Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, 8humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! 9Por isso Deus o sobre-exaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, 10para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, 11e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor.
Aleluia (Modo Pl. 4º, Sl. 131)
Vers. 1: Levanta-te, Senhor, para vir ao teu repouso; Tu e a Arca de tua Majestade.
Vers. 2: Jurou o Senhor uma verdade a Davi e não deixará de cumpri-la: «Do fruto de tuas entranhas porei sobre o teu Trono».
Στίχ. αʹ. Ἀνάστηθι, Κύριε, εἰς τὴν ἀνάπαυσίν σου, σὺ καὶ ἡ κιβωτὸς τοῦ ἁγιάσματός σου.
Στίχ. βʹ. Ὤμοσε Κύριος τῷ Δαυῒδ ἀλήθειαν καὶ οὐ μὴ ἀθετήσει αὐτήν· Ἐκ καρποῦ τῆς κοιλίας σου θήσομαι ἐπὶ τοῦ θρόνου σου.
Evangelho
Santo Evangelho segundo o Evangelista São LUCAS [10:38-42, 11:27-28].
aquele tempo, 38estando em viagem, entrou num povoado, e certa mulher, chamada Marta, recebeu-o em sua casa. 39Sua irmã, chamada Maria, ficou sentada aos pés do Senhor, escutando-lhe a palavra. 40Marta estava ocupada pelo muito serviço. Parando, por fim, disse: «Senhor, a ti não importa que minha irmã me deixe assim sozinha a fazer o serviço? Dize-lhe, pois, que me ajude». 41O Senhor, porém, respondeu: «Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas; 42no entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo uma só. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada». 27Enquanto ele assim falava, certa mulher levantou a voz do meio da multidão e disse-lhe: «Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!» 28Ele, porém, respondeu: «Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam».
Hirmós (Modo 1º)
Todas as gerações te bendigam, ó única Mãe de Deus!
Em Ti, ó Virgem, os limites da natureza foram ultrapassados; porque o nascimento foi virginal e a morte um laço de vida. Mãe de Deus, virgem após o parto e viva após a morte, salva sempre a tua herança.
Αἱ γενεαὶ πᾶσαι, μακαρίζομέν σε, τὴν μόνην Θεοτόκον.
Νενίκηνται τῆς φύσεως οἱ ὅροι, ἐν σοὶ Παρθένε ἄχραντε, παρθενεύει γὰρ τόκος, καὶ ζωὴν προμνηστεύεται θάνατος. Ἡ μετὰ τόκον Παρθένος, καὶ μετὰ θάνατον ζῶσα, σῴζοις ἀεί, Θεοτόκε, τὴν κληρονομίαν σου.
Kinonikón
Erguerei o cálice da salvação invocando o nome do Senhor (Sl 116:13). Aleluia!
Ποτήριον σωτηρίου λήψομαι, καὶ τὸ ὄνομα Κυρίου ἐπικαλέσομαι. Ἀλληλούϊα.
última grande festa do ano litúrgico bizantino (que termina no dia 31 de agosto) é Mariana: «A Dormição da Santíssima Mãe de Deus», Kóimesis no grego e Uspénie no eslavo eclesiástico, palavras que aludem justamente ao ato de dormir. E a tradicional representação iconográfica de 15 de agosto mostra a Virgem estendida no leito de morte, rodeada para o último sono pelos apóstolos, vindos prodigiosamente dos lugares onde pregavam o evangelho, tendo ao centro Jesus Cristo que acolhe a sua alma, representada como uma menina envolta em faixas e por ele sustentada.
A partir do dia 1º de agosto, o Oriente bizantino prepara-se para a festa com um jejum (do qual também fala São Teodoro Estudita (+ 826) e, dado que, além da pré-festa do dia 14 de agosto, os textos litúrgicos falam do trânsito de Maria Santíssima ao céu até o dia 23 de agosto, pode-se afirmar que este é o mês mariano dos fiéis ortodoxos.
A celebração dessa solenidade, no dia 15 de agosto, foi fixada com um edito do imperador do Oriente, Maurício (582-602), confirmando uma tradição, sem dúvida, mais antiga. No Ocidente, a festa foi introduzida, juntamente com outras três festas marianas, pelo papa Sérgio I, coincidindo as datas de sua celebração. Quanto ao conteúdo o tropário principal assim sintetiza o mistério:
Em tua maternidade conservaste a virgindade
e em tua dormição não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus.
Foste levada para a vida sendo a Mãe da Vida,
e por tuas orações resgatas nossas almas da morte.
Tropário (Modo 1)
Logo, é posto em evidência o ministério de intercessão que a Mãe de Deus e nossa desempenha após sua entrada (também corpórea) no céu. O kondakion do dia, a segunda oração mais repetida, o confirma:
Nem o túmulo nem a morte prevaleceram sobre a Mãe de Deus,
que, sem cessar, reza por nós e permanece firme esperança de intercessão.
Com efeito, aquele que habitou um seio sempre virgem
assumiu para a vida aquela que é a Mãe da Vida.
Kondakion (Modo 2)
Embora os evangelhos não falem sobre o fim da vida de Maria, existe uma antiga tradição patrística, com informações provindas, outrossim, dos apócrifos, e que está na base do Ofício litúrgico bizantino do dia 15 de agosto.
[…] breve hino extraído da Ode sexta do Cânon da festa, ainda hoje recitado pelos cristãos de tradição constantinopolitana, cujo autor é São Cosme de Maiúma:
A ti, o Deus Rei do universo,
concedeu coisas que estão acima da natureza,
porque, como no parto te conservou virgem,
assim no sepulcro conservou incorrupto o teu corpo
e com a divina trasladação o glorificou.[…]
Vinde de todos os confins do universo,
cantemos a bem-aventurada trasladação da Mãe de Deus!
Nas mãos do Filho ela depositou a sua alma sem pecado;
com a sua santa Dormição o mundo é vivificado;
e é com salmos, hinos e cânticos espirituais,
em companhia dos anjos e dos apóstolos,
que ele a celebra na alegria.
Hino das Vésperas
(São Germano de Constantinopla)
Como nos demais textos litúrgicos bizantinos, da maioria dos hinos, que se repetem há mais de mil anos, se desconhece o nome do autor: Eis um exemplo tirado ainda do Ofício de Vésperas:
Oh, os teus mistérios, ó Pura!
Apareceste, ó Soberana, trono do Altíssimo
e nesse dia te transferiste da terra para o céu.
A tua glória brilha com o resplendor da graça.
Virgens, subi para o alto com a Mãe do Rei!
Ó cheia de graça, salve, o Senhor é contigo!
Ele que doa ao mundo, por teu intermédio, a grande misericórdia.
Entre os lugares santos venerados em Jerusalém que se relacionam ao mistério final da vida da Mãe de Deus, não existe somente a Basílica da Dormição cuidada pelos Beneditinos católicos, mas há também o Túmulo da Virgem, que está aos cuidados dos ortodoxos, próximo ao jardim do Getsêmani e onde recentes escavações confirmam que a sepultura remonta, de fato, à época em que viveu Maria Santíssima, e pode ter sido o lugar de seu breve sepultamento. A tradição bizantina, claramente expressa na oração, acredita na morte e no sepulcro da Virgem, mas também na sua antecipada glorificação ao céu com o corpo e a alma, à semelhança e em virtude de quanto aconteceu ao seu divino Filho. Assim começa o texto próprio das Grandes vésperas do dia 15 de agosto:
Ó maravilha inaudita!
A fonte da vida é posta no túmulo
e o sepulcro transforma-se em escada que leva ao céu.
Alegra-te, ó Getsêmani,
santuário sagrado da Mãe de Deus!…
A Tradição narra que o apóstolo Tomé, tendo chegado atrasado para o sepultamento da Virgem e querendo rever seu amado semblante, fez reabrir o túmulo, mas este foi achado vazio e a mesma Mãe de Deus anunciou, numa visão, que havia ressuscitado e subido ao céu junto do seu Filho divino.
Se nos textos litúrgicos da festa encontramos várias alusões à tristeza dos Apóstolos que não verão mais junto deles a Mãe de Jesus, predomina, porém, a alegria pelo triunfo da Theotokos.
Diz um hino de Laudes:
A tua gloriosa Dormição alegra os céus,
faz exultar a multidão dos anjos:
a terra toda exulta de alegria
elevando a ti um canto de adeus,
ó Mãe do Senhor de todas as coisas,
Virgem santíssima desconhecedora de núpcias,
que libertaste o gênero humano da antiga condenação.
A festa da Dormição da Santíssima Mãe de Deus – este nome, como também a representação iconográfica (visíveis inclusive nos mosaicos de Santa Maria Maior e Santa Maria em Trastevere, em Roma) permaneceu comum no Oriente e no Ocidente por mais de um milênio.
O termo Assunção, que provém da França, é bem mais tardio «comemora um fato e também atualiza a doutrina e projeta sobre a nossa vida transitória uma luz de eternidade. Esse fato, embora não relatado pela Escritura, tornou-se realidade na consciência da Igreja através da tradição. Maria que é mulher e que morre na terra como todo ser humano, alcança o seu Filho que é Deus e que está no céu. Ademais, esta mulher que podemos legitimamente chamar de representante da humanidade enquanto Nova Eva, mulher perfeita enquanto Pura Mãe de Deus, não perdeu nenhum de seus atributos naturais, não se abstraiu em alguma alegoria impalpável: ela permanece Maria. Mas o que ela é, no resplendor do seu ser real, as festas no-lo desvelam».
Com esta citação de um teólogo russo ortodoxo concluímos, retomando do Ofício de Vésperas bizantinas uma última invocação:
…Ó imaculada Mãe de Deus,
sempre vivente com o Rei da vida e Filho teu,
reza sem cessar para que seja conservada
e salva de toda insídia do adversário a multidão de teus filhos,
pois nós estamos debaixo da tua proteção
e te glorificamos por todos os séculos.
FONTE:
- DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ed Ave Maria, 1998.
Homilia sobre a Dormição da Santíssima Theotokos
São João Damasceno
stamos sofrendo, como sabeis, de penúria de alimentos. Assim, improviso a refeição; se não é suntuosa nem digna daquilo que no-la inspira, possa ao menos acalmar-nos a fome. Sim, não é Maria que precisa de elogios, nós é que precisamos de sua glória. Um ser glorificado, que glória pode receber ainda? A fonte da luz, como será iluminada ainda? É pois para nós mesmos que fazemos a coroa. “Vivo eu, diz o Senhor, e glorificarei os que me glorificam” . (2Sm 2, 30)
O vinho agrada sem dúvida, é deliciosa bebida, e o pão alimento nutritivo: um alegra, o outro fortifica o coração do homem (Sl 104, 15). Mas que existe de mais suave do que a Mãe de meu Deus? Ela cativou meu espírito, ela reina sobre minha palavra, dia e noite sua imagem me é presente. Mãe do Verbo, dá-me de que falar! Filha de mãe estéril, torna fecundas as almas estéreis! Eis aquela cuja festa celebramos hoje em sua santa e divina Assunção.
Acorrei, pois, e subamos a montanha mística. Ultrapassando as imagens da vida presente e da matéria, penetrando na treva divina e incompreensível, ingressando na luz de Deus, celebremos o seu infinito poder. Aquele que, de sua transcendência superessencial e imaterial, desceu ao seio virgíneo para ser concebido e se encarnar, sem deixar o seio do Pai; aquele que através da Paixão marchou voluntariamente para a morte, conquistando pela morte a imortalidade e voltando ao Pai; como não pôde ele atrair ao Pai sua Mãe segundo a carne? como não elevaria da terra ao céu aquela que fora um verdadeiro céu sobre a terra?
Hoje a escada espiritual e viva, pela qual o Altíssimo desceu, se fez visível e conversou entre os homens (Baruc 3, 38), ei-la que sobe, pelos degraus da morte, da terra ao céu.
Hoje a mesa terrestre que, sem núpcias, trouxera o pão celeste da vida e a brasa da divindade, foi levada da terra aos céus, e para a Porta oriental, para a Porta de Deus, se ergueram as portas do céu.
Hoje, da Jerusalém terrestre, a Cidade viva de Deus foi conduzida à Jerusalém do alto; aquela que concebera como seu primogênito e unigênito o Primogênito de toda criatura e o Unigênito do Pai, vem habitar na Igreja das primícias (Hb 12, 23); a arca do Senhor, viva e racional, é transportada ao repouso de seu Filho (Sl 132, 8).
As portas do paraíso se abrem para acolher a terra portadora de Deus, onde germinou a árvore da vida eterna, redentora da desobediência de Eva e da morte infligida a Adão. É o Cristo, causa da vida universal, quem recebe a gruta escondida, a montanha não trabalhada, donde se destacou, sem intervenção humana, a pedra que enche a terra.
Aquela que foi o leito nupcial onde se deu a divina encarnação do Verbo, veio repousar em túmulo glorioso, como em tálamo nupcial, para de lá se elevar até a câmara das núpcias celestes, onde reina em plena luz com seu Filho e seu Deus, deixando-nos também como lugar de núpcias seu túmulo sobre a terra. Lugar de núpcias, esse túmulo? Sim, e o mais esplendoroso de todos, a refulgir não por revérberos de ouro, de prata ou de gemas, porém pela divina luz, irradiação de Espírito Santo. Proporciona, não uma união conjugal aos esposes da terra, mas a vida santa às almas que se prendem pelos laços do Espírito, proporciona uma condição junto de Deus, melhor e mais suave que outra qualquer.
Seu túmulo é mais gracioso do que o Éden: neste, sem querermos repetir tudo o que lá se passou, houve a sedução do inimigo, sua mentira apresentada como conselho amigo, a fraqueza de Eva, sua credulidade, o engodo – doce e amargo – ao qual seu espírito se deixou prender e pelo qual em seguida aliciou o marido; a desobediência, a expulsão, a morte, mas – para não trazermos com tais lembranças assunto de tristeza à nossa festa – houve o túmulo que elevou ao céu o corpo de um mortal, ao contrário daquele primeiro jardim, que derrubou do céu nosso primeiro pai. Pois não foi ali que o homem, feito à imagem divina, ouviu a sentença: “tu és terra e em terra te hás de tornar”? (Gn 3, 19).
O túmulo de Maria, mais precioso que o antigo tabernáculo, encerrou o candelabro espiritual e vivo, brilhante de divina luz, a mesa portadora de vida, que recebeu, não os pães da proposição, mas o pão celeste, não o fogo material mas o fogo imaterial da divindade.
Esse túmulo é mais feliz que a arca mosaica, pois teve por partilha a verdade, já não as sombras e as figuras; acolheu a urna áurea do maná celeste, a mesa viva do Verbo encarnado por obra do Espírito Santo, dedo onipotente de Deus, Verbo subsistente; acolheu o altar dos perfumes, a brasa divina que aromatizou toda a Criação.
Fujam portanto os demônios, gemam os míseros nestorianos – como outrora os egípcios – com seu chefe, o novo faraó, o cruel flagelo, o tirano, pois foram engolidos pelo abismo da blasfêmia. Nós, porém, salvos, que atravessamos a pé enxuto o mar da impiedade, cantemos à Mãe de Deus o canto do Êxodo. Miriam, que é a Igreja, tome nas mãos o tamborim e entoe o hino de festa; saiam as jovens do Israel espiritual com tamborins e coros (Ex 15, 20), exultando de alegria! Que os reis da terra, os juízes e os príncipes, os jovens e as virgens, os velhos e as crianças, celebrem a Mãe de Deus! Que reuniões e discursos de toda espécie, raças e povos na diversidade de suas línguas, componham um cântico novo! Que o ar ressoe de flautas e trombetas espirituais, inaugurando com brilho de fogos o dia da salvação! Alegrai-vos, ó céus, e vós, nuvens, fazei chover a alegria! Saltai, novilhos do rebanho eleito, apóstolos divinos que, como montanhas altas e sublimes, aspirais às mais altas contemplações; e vós, também, ó cordeiros de Deus, povo santo, filhos da Igreja, que pelo desejo vos alçais como colinas até as altas montanhas!
Mas então? Morreu a fonte da vida, a Mãe de meu Senhor? Sim, era preciso que o ser formado da terra à terra voltasse, para dali subir ao céu, recebendo o dom da vida perfeita e pura a partir da terra, após ter-lhe entregue seu corpo. Era preciso que, como o ouro no crisol, a carne rejeitasse o peso da mortalidade e se tornasse, pela morte, incorruptível, pura, e assim ressuscitasse do túmulo.
Começa hoje para Maria uma segunda existência, recebida daquele que a fez nascer para a primeira, como também ela mesma dera uma segunda existência – a vida corpórea – àquele, cuja primeira existência, a eterna, não teve começo no tempo, embora principiada no Pai como em sua divina causa.
Alegra-te, Sião, montanha divina e santa, onde habitou a outra montanha divina, a montanha vivente, a nova Betel, ungida na pedra, a natureza humana ungida pela divindade. De ti, como de um jardim de oliveiras, e Filho se elevou às celestes alturas. Que uma nuvem se componha, universal e cósmica, e que as asas dos ventos tragam os apóstolos dos confins da terra até Sião! (1) Quem são aqueles que, como nuvens e águias, voam para o corpo – fonte de toda ressurreição, a fim de cultuar a Mãe de Deus? Quem é a que sobe, na flor de sua alvura, toda bela, brilhante como o sol? Que cantem as cítaras do Espírito, isto é, as línguas dos apóstolos! Que ressoem os címbalos, isto é, os arautos eminentes da palavra de Deus! Que esse vaso de eleição, Hieroteu (2), santificado pelo Espírito Santo e pela união divina capacitado a sofrer as realidades divinas, seja arrebatado do corpo, e em transportes de fervor entoe seus hinos! Que todas as nações aplaudam e celebrem a Mãe de Deus! Que os anjos prestem culto ao corpo mortal!
Filhas de Jerusalém, feitas cortejo da Rainha, e virgens suas companheiras, ide com ela até o Esposo, levai-a à direita do Senhor! Desce, ó Soberano, vem pagar à tua Mãe a dívida que ela merece por te haver nutrido! Abre tuas mãos divinas e acolhe a alma de tua mãe, tu que sobre a cruz entregaste o espírito às mãos do Pai! Dirige-lhe um suave apelo: vem, ó formosa, ó bem-amada, mais resplandecente pela virgindade do que o sol, tu me partilhaste teus bens, vem agora gozar junto de mim o que te pertence!
Aproxima-te, ó Mãe, de teu Filho, aproxima-te e participa do poder régio daquele que, nascido de ti, contigo viveu na pobreza! Ascende, ó Soberana, ascende! Já não vale a ordem dada a Moisés: “Sobe e morre…” (Dn 31, 48) Morre, sim, mas eleva-te pela própria morte!
Entrega tua alma às mãos de teu Filho e devolve à terra o que é da terra, pois mesmo isso será carregado por ti.
Erguei vossos olhos, Povo de Deus, alçai vosso olhar! Eis em Sião a arca do Senhor Deus dos exércitos, à qual vieram pessoalmente prestar assistência os apóstolos, tributando seu derradeiro culto ao corpo que foi princípio de vida e receptáculo de Deus. Imaterialmente e invisivelmente os anjos o cercam com respeito, como servidores da Mãe de seu Senhor. O próprio Senhor lá está, onipresente, ele que tudo enche e abraça, que na verdade não está em lugar algum porque nele tudo está como na causa que tudo criou e tudo encerra.
Eis a Virgem, filha de Adão e Mãe de Deus: por causa de Adão entrega seu corpo à terra, mas por causa de seu Filho eleva a alma aos tabernáculos celestes! Santificada seja a Cidade santa, que acolhe mais essa bênção eterna! Que os anjos precedam a passagem da divina morada e preparem seu túmulo, que o fulgor do Espírito a decore! Preparai aromas para embalsamar o corpo imaculado e repleto de delicioso perfume! Desça uma onda pura a fim de haurir a bênção da fonte imaculada da bênção! Alegre-se a terra de receber o corpo e exulte o espaço pela ascensão do espírito! Soprem as brisas, suaves como o orvalho e cheias de graça! Que toda a criação celebre a subida da Mãe de Deus: os grupos de jovens em sua alegria, a boca dos oradores em seus panegíricos, o coração dos sábios em suas dissertações sobre essa maravilha, os velhos de veneráveis clãs em suas contemplações. Que todas as criaturas se associem nessa homenagem, que ainda assim não seria suficiente. Todos, pois, deixemos em espírito este mundo com aquela que dele parte. Sim, todos, pelo fervor do coração, desçamos com a que desce à sepultura e ali nos coloquemos. Cantemos hinos sacros e nossas melodias se inspirem nas palavras: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo!” Permanece na alegria, tu que foste predestinada a ser Mãe de Deus. Permanece na alegria, tu que foste eleita antes dos séculos por um desígnio de Deus, germe divino da terra, habitação do fogo celeste, obra-prima do Espírito Santo, fonte de água viva, paraíso da árvore da vida, ramo vivo que portas o divino fruto, donde fluem o néctar e a ambrosia, rio de aromas do Espírito, terra produtora da divina espiga, rosa resplandecente da virgindade, donde emana o perfume da graça, lírio da veste real, ovelha que geras o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, instrumento de nossa salvação, superior às potências angélicas, serva e Mãe!
Vinde, enfileiremo-nos em torno ao túmulo imaculado para dali sorvermos a divina graça! Vinde, abracemos em espírito o corpo virginal. Entremos no sepulcro e morramos nele, rejeitando as paixões da carne, vivendo uma vida sem concupiscência e sem mácula. Escutemos os hinos divinos, cantados imaterialmente pelos anjos. Entremos para adorar, aprendamos a conhecer o mistério inaudito: como esse corpo foi elevado às alturas, arrebatado ao céu, como a Virgem foi posta junto de seu Filho acima dos coros angélicos, de sorte que nada se interpusesse entre Mãe e Filho.
Tal é, depois de outros dois, o terceiro discurso que compus acerca de tua partida, ó Mãe de Deus, em honra e amor da Trindade, cuja cooperadora foste, por benevolência do Pai e por virtude do Espírito, quando recebeste o Verbo sem princípio, a Sabedoria onipotente, a Força de Deus. Aceita, pois, minha boa vontade, maior do que minha capacidade, e dá-me a salvação, a libertação das paixões da alma, o alívio das doenças dos corpos, a salvação das dificuldades, a vida de paz, a luz do Espírito. Inflama nosso amor por teu Filho, regula nossa conduta sobre o que lhe apraz, a fim de que, na posse da bem-aventurança do alto, e vendo-te refulgir com a glória de teu Filho, façamos ressoar hinos sagrados, na eterna alegria, na assembléia dos que celebram, em festa digna do Espírito, aquele que por ti opera nossa salvação, o Cristo Filho de Deus e nosso Deus, a quem pertence a glória e o poder, com o Pai sem princípio e o Espírito Santo e vivificador, agora e sempre pelos séculos. Amém.
NOTAS:
1. O autor passa a aludir aqui a certa tradição, segundo a qual Nossa Senhora, ao morrer em Jerusalém, teve à sua volta os apóstolos.
2. O autor pensa em Hieroteu, apresentado como mestre de Dionísio em seu livro “Os Nomes Divinos”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém (Nona Edição Revista e Ampliada). São Paulo: Paulus, 2013.
- GOMES, Folch, Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Paulinas, 1979.