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Christos Yannaras

A FÉ VIVA DA IGREJA

Introdução à Teologia Ortodoxa

Tradução brasileira da versão francesa:
LUÍS ARTIGAS
Curitiba 1997

EDITION DU CERF
29, bd Latour-Maubourg 75007
Paris 1989

Capítulo 7: O Homem

7.1 A imagem

a Tradição da Igreja unida e na sua continuação histórica ortodoxa, é estudando a revelação da verdade sobre Deus que tomamos conhecimento da verdade sobre o homem. Pois uma antropologia descritiva (que as “ciências humanas” podem também, atualmente, nos fornecer) não pode ser suficiente para nós. Nós buscamos uma explicação para o fato da existência humana e o esclarecimento daquelas facetas do ser humano que permanecem irredutíveis a toda explicação objetiva.

Na tradição escrita das revelações divinas, na Sagrada Escritura da Igreja, Deus é afirmado como existência pessoal, e o homem como ser criado à imagem de Deus, também é uma existência pessoal, embora seja natureza criada. Esta relação inicial do homem com Deus, que estabelece a maneira mesma da existência humana, é figurada nas primeiras páginas do Antigo Testamento numa narração poética e simbólica da qual o pensamento cristão tirou sempre os princípios fundamentais da antropologia eclesial.

Assim, lemos no livro do Gênesis, que Deus modelou o mundo em seis dias. Tudo o que constituiu o mundo, Deus o criou pelo mandato da sua palavra (logoi). E no sexto dia, dia em que se completou a criação, quando Ele chamou à existência os animais selvagens, os animais domésticos e tudo o que rasteja sobre a terra, Deus, vendo a beleza de toda esta criação, a continuou modelando o homem. Na sua linguagem figurativa, o relato bíblico nos apresenta a criação do homem como um ato excepcional de Deus. Não se trata mais somente de um mandato criador, mas, antes de mais, da expressão de uma decisão divina, na qual a exegese cristã discerniu sempre a primeira revelação do caráter trinitário de Deus: “façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e domine sobre os peixes do mar, os pássaros do céu, os animais, todas as feras selvagens e todos os animais que rastejam sobre a terra” (Gn 1, 26).

Não se trata de uma mais entre as criaturas que compõem o mundo, mas de uma criatura que a vontade de Deus diferencia de todas as outras para que seja imagem de Deus no mundo, o que significa: manifestação, aparição e representação imediata de Deus [1]. Assim o homem reina na criação, não como um intendente bem-dotado ou como um dono imposto, mas como um guia pronto para conduzir a criação inteira ao seu último fim ou logos.

Este caráter bem especial da vontade e da decisão divinas, criadoras do homem, é completado, na imagem bíblica, com um ato divino excepcional: “Deus modelou o homem com a lama do chão. Insuflou em suas narinas um hálito de vida, e o homem se tornou uma alma viva” (Gn 2.7) [3]. Nenhuma outra criatura, no relato bíblico, é modelada por Deus. O material utilizado para modelar o homem é precisamente a lama do chão, e este fato de ter nascido da terra doará também seu nome ao primeiro homem: Adão (feito de terra). Mas a natureza humana feita da terra é modelada por uma ação divina particular, sendo modelada por Deus para receber em seguida o sopro do hálito de Deus, que promove assim o homem ao status de “alma viva”.

Desde sempre, para os hebreus (e para os semitas em geral) o ato de soprar sobre o rosto do outro revestia um profundo simbolismo. Este fato significava transmitir ao outro o próprio hálito, algo muito íntimo, a própria autoconsciência, o próprio espírito. A respiração, com efeito, é princípio de vida, faz de cada um, um ser ativo. Todos os sentimentos, como o medo, a cólera, a alegria, a auto segurança, influencia a respiração, que testemunha o laço existente entre este ato e o mais profundo de um ser, o seu foro interno. Assim, quando a Escritura nos diz que Deus soprou o seu próprio hálito sobre o rosto do homem feito de lama, temos aqui uma imagem que revela a transmissão ao homem de alguns sinais característicos da existência própria de Deus. Na linguagem bíblica, o resultado desta transmissão é que o homem se toma uma alma viva.

7.2 A alma

A palavra alma (psyché em grego) é uma das mais complexas que existem, tanto na Bíblia quanto na literatura cristã. Além disso, a esta dificuldade acrescentou-se uma confusão no nível do significado, pois os antigos gregos a utilizavam num sentido muito diferente. Hoje em dia, a maior parte das pessoas compreendem, de maneira quase evidente, a palavra alma no seu sentido helênico (sobretudo platônico), mais do que no seu sentido bíblico. Acreditam que, assim como no corpo humano encontramos o sangue, a linfa, a medula dos ossos, assim existe também um elemento imaterial, espiritual, essencialmente diferente dos nossos constitutivos materiais. Seria, precisamente, a alma - uma realidade sutil e indeterminada que, quando morremos, escapa junto com o último alento e vai “para algum lugar alhures”.

Mas este não é o significado bíblico da palavra. Os setenta tradutores do Antigo Testamento (os Setenta) traduziram com a palavra grega psyché o termo hebraico nefesh, que inclui vários significados. Chama-se “alma” tudo aquilo que vive, todo animal, sendo este termo aplicado na Escritura mais comumente ao homem. Ele expressa a maneira como a vida se manifesta nele. Não se refere somente a uma parte do ser humano - parte espiritual, em oposição à parte material - mas significa o homem inteiro como hipóstase única viva. A alma não apenas reside no corpo, mas é expressada pelo corpo, o qual também, como a carne ou o coração, corresponde ao nosso eu, à nossa maneira de realizar a vida. Uma alma é um homem, é alguém, porque constitui a marca da vida, tanto na sua manifestação exterior quanto na sua interioridade e subjetividade. Mas se a alma é sinal da vida, isto não quer dizer que seja a sua fonte ou a sua causa, como pensavam os antigos gregos. Ela é, melhor, o suporte da vida. Por isso ela se identifica, muito frequentemente, no Antigo Testamento, com a manifestação de somente a vida terrena (a alma morre, é entregue à morte, mas ela ressuscita quando a vida volta ao corpo morto). No Novo Testamento, pelo contrário, a alma se apresenta também como o suporte da vida eterna; por isso, a salvação da alma se identifica com a possibilidade para a vida de ignorar a corrupção e a morte.

Os Padres da Igreja cristã, interpretando a Escritura, respeitaram absolutamente o sentido múltiplo da palavra alma e não tentaram fixá-lo numa acepção única. Eles viram, tanto na alma quanto no corpo humano, duas maneiras diferenciadas, que amiúde se interpenetram, e que manifestam a imagem de Deus no homem. Mas, ao mesmo tempo, evitaram representar o conteúdo de “segundo à imagem” numa definição concreta; eles tentaram preservar do perigo das representações intelectuais o mistério da maneira da Existência de Deus e sua marca na existência humana.

Bem mais tarde, essencialmente a partir da Idade Média, e sobretudo no Ocidente, quando a teologia cristã começou a ceder à tentação das representações intelectuais, a expressão “segundo a imagem” foi interpretada com a ajuda de categorias “objetivas”, identificando-a com algumas qualidades que caracterizam a “natureza espiritual” do homem. A visão do homem que prevalecia no Ocidente tinha sofrido uma influência considerável do pensamento grego antigo, todavia com simplificações excessivas. A definição helênica do homem como “animal dotado de razão” (animal ratíonale, dizia-se no Ocidente) foi interpretada no sentido de uma separação-oposição entre alma e corpo, entre matéria e espírito. O homem era considerado como um ser antes de mais biológico, dotado, por cima, de uma alma, ou de uma alma e um espírito.

Dentro desta oposição, o “segundo a imagem” foi limitado a uma destas duas “partes” da natureza humana, isto é, a “parte” espiritual, ou seja, a alma, pois a “parte” corporal, sendo material, não podia, por definição, representar o Deus imaterial e espiritual. A alma do ser humano, alma individual, foi caracterizada com três qualidades que também caracterizam o próprio Deus, e que, consequentemente, imprimem a sua imagem no homem: trata-se da razão (logíkon), do livre arbítrio e da soberania.

7.3 Razão - livre arbítrio - soberania

Querendo poupar o leitor de longos desenvolvimentos, vamos colocar somente isto: estes três atributos também foram utilizados pelos Padres gregos na sua interpretação do “segundo a imagem”, mas sobretudo para precisar a maneira de existência do homem na sua integralidade, sem fragmentação nem divisão de sua natureza em “partes”. A razão, o livre arbítrio e a soberania não são simplesmente qualidades “espirituais” ou “psíquicas”, mas uma recapitulação sinótica da maneira segundo a qual o homem existe como alteridade pessoal, alteridade antes de mais diante da natureza: embora a sua natureza seja criada, o homem foi dotado com a capacidade de levar uma maneira de existência diferente do criado. Ele foi investido da possibilidade de viver a maneira de existência de Deus; e isto se manifesta no mais alto grau no dom da razão, do livre arbítrio e da soberania. Todavia, estes dons manifestam, sem esgotá-la, a imagem de Deus no homem; as perturbações no seu funcionamento, portanto, não podem suprimir a maneira da existência pessoal, com que a natureza do homem foi gratificada.

Esta formulação pode parecer teórica, mas o leitor perceberá a sua importância pensando por um instante na visão admitida pelos teólogos ocidentais. Se admitirmos que a razão, o livre arbítrio e a soberania esgotam aquele “segundo a imagem” e o limitam a um conjunto de qualidades determinadas da alma ou da “natureza espiritual” do homem, as consequências são literalmente desumanas: pois aí, no caso de uma doença mental ou de traumatismos cerebrais produzindo a perturbação ou a perda da razão, do livre arbítrio e da soberania, seria necessário rebaixar o homem do nível de imagem de Deus ao nível do simples animal. E não deveríamos considerar como ser humano aquele indivíduo que apresentasse esta deficiência desde o nascimento!

7.4 A pessoa

Poderíamos agora tentar resumir da seguinte maneira a interpretação eclesial ortodoxa de “segundo a imagem”: o homem foi gratificado por Deus com o Dom de ser uma pessoa, uma personalidade, isto é, de existir segundo a mesma maneira da existência de Deus. A divindade de Deus é constituída pela sua Existência pessoal, pela Trindade das Hipóstases pessoais que fazem com que o Ser divino, a Natureza ou a Essência divina, seja uma vida de amor livre de toda necessidade. Deus é Deus porque Ele é Pessoa, isto é, porque a sua Existência não depende de nada, nem sequer da sua Natureza ou Essência. Ele mesmo, como Pessoa, isto é, livremente, funda a sua Essência ou Natureza; e não é a sua Natureza (ou Essência) que torna obrigatória a sua Existência. Ele existe porque, livremente, Ele quer existir, e esta vontade realiza-se como amor, como comunhão trinitária. Eis por que Deus é amor (1Jo 4, 16) e por que o seu próprio Ser é amor.

Esta mesma possibilidade de existência pessoal foi impressa por Deus na natureza humana. A natureza humana é criada, doada; não é a liberdade pessoal do homem o que constitui o seu ser, o que funda a sua natureza ou essência. Porém, esta natureza criada existe somente como hipóstase pessoal de vida. Cada ser humano é uma existência pessoal que pode “hipostasiar” (fundar) a vida como amor, como liberdade diante das limitações da natureza criada e diante de toda necessidade, da mesma maneira que o Deus incriado.

Digamos ainda mais simplesmente: Deus é ao mesmo tempo uma Natureza e três Pessoas; homem é ao mesmo tempo uma natureza e uma multidão de pessoas. Deus é consubstancial e tri-hipostático; o homem é consubstancial e “multi-hipostático”. A distinção das naturezas, a diferença entre incriado e criado pode ser ultrapassado no plano da maneira de existência comum às duas: o modo da existência pessoal. Esta verdade nos é revelada pela Encarnação de Deus, pela Pessoa do Cristo Jesus. O homem é imagem de Deus. Isto significa que todo homem pode realizar a sua existência como o Cristo, na qualidade de pessoa, como as Pessoas da Divindade trinitária, para realizar a vida como amor, como liberdade, e não como necessidade natural. A vida torna-se, assim, eternidade e incorrupção, porque a vida divina de pericóresis e de comunhão trinitárias é, precisamente, eterna e incorruptível.

7.5 A linguagem científica

O leitor que se sentir incômodo diante desta terminologia - natureza, pessoa, hipóstase - poderia talvez exigir uma resposta a perguntas mais concretas: se o homem é imagem de Deus, então como esta imagem aparece no seu corpo, na sua alma ou no seu espírito? O que acontece com a imagem de Deus no homem quando seu corpo morre e se decompõe na terra, quando se apaga, no último olhar ou no último sorriso, todo sinal de atividade da sua alma ou do seu espírito?

Estas questões são decisivas. Se ficarem sem resposta, tudo se torna provisório e imaginário. Todavia, o leitor deverá admitir que a linguagem requerida para responder a estas perguntas não pode ser a linguagem da física ou da geometria, que é a linguagem dos pesos e medidas. A linguagem que se impõe deverá ser capaz de descrever experiências diferenciadas qualitativamente, experiências vividas de relação, e uma “sensibilidade” reveladora de um conhecimento não garantido pelos sentidos. A Igreja expressou isto utilizando uma linguagem deste tipo, emprestado inicialmente à luta dramática de séculos de filosofia helênica sobre o sentido da vida e da existência. Contudo, longe de permanecer intelectual e filosófica, a linguagem eclesial toma-se igualmente canto, hino, adoração, prática de comunhão e de festa. Nós estamos tratando aqui somente do invólucro filosófico desta linguagem, mas insistimos em que a plenitude da sua “semântica” pode ser encontrada na prática eclesial do culto, através da experiência de comunhão do corpo eclesial.

Portanto, a questão é a seguinte: o que acontece com a imagem de Deus no homem quando o corpo morre e cessam todas as expressões da alma? Temos que ver se existem palavras para, em primeiro lugar, dizer o que é o corpo e a alma ou o espírito, e sobre qual dos dois se fundamenta aquilo que nós chamamos a existência do homem, a sua identidade pessoal, o seu eu, a sua consciência reflexiva.

O homem racional da nossa época tende a identificar a existência humana - o eu, a identidade, a alma, a consciência reflexiva, o espírito -com o objeto concreto e tangível formado pelo organismo biológico e multifuncional do homem. Tudo dependeria do funcionamento dos “centros” cerebrais, cujo funcionamento seria totalmente predeterminado pela sua constituição bioquímica ou pelo princípio genético - também bioquímico - do indivíduo, isto é, os cromossomos, o DNA, que conteria o “código” do desenvolvimento da personalidade. Nisto não sobra margem nenhuma para a pressupor a existência de uma alma nem, portanto, para admitir a possibilidade de que “alguma coisa” do homem sobreviva depois da morte do seu organismo biológico.

Infelizmente, esta visão simplista - ainda que atualmente muito difundida, e ainda que as pessoas fiquem satisfeitas facilmente só com ela - deixa vazios imensos na compreensão humana, tantos, pelo menos, do que aquele platonismo vulgarizado da “imortalidade da alma”. Em princípio a bioquímica, como toda ciência verdadeira, somente constata e descreve, até nas suas determinações analíticas mais concretas. Sobretudo, ela indica que as possibilidades de desenvolvimento do organismo estão inscritas no “código” do cromossomo inicial, ela constata a presença de ligações orgânicas pelas quais acontece o funcionamento dos centros cerebrais etc.. Mas ela ultrapassa seus limites de ciência rigorosa quando chega a formular conclusões metafísicas não demonstradas. E também quando defende que a composição bioquímica dos cromossomos e o funcionamento dos centros orgânicos da estrutura fisiológica humana fazem algo mais do que realizar e revelar a maneira de alteridade hipostática da pessoa que, na sua opinião, seria estabelecida e constituída por eles.

Por quê, na minha opinião, deve ser excluído que aquilo que cada ser humano é como existência pessoal única, singular e insubstituível, seja obrigatoriamente devido à diferenciação da composição bioquímica dos seus cromossomos e, por extensão, ao funcionamento dos vários “centros” do seu cérebro? Por quê o papel da composição bioquímica e dos processos biológicos, na minha opinião, limita-se à realização e à simples manifestação da alteridade hipostática de cada ser humano, sem atingir à constituição e ao fundamento mesmo desta alteridade?

Pela simples razão de que semelhante extensão é excluída pela propria lógica da metodologia científica atual. Se admitíssemos como verdadeiro que a composição bioquímica dos cromossomos e o funcionamento dos “centros” cerebrais não somente realizam e revelam a alteridade hipostática de cada homem, mas também são a sua causa, estaríamos admitindo que esta alteridade hipostática do homem (a personalidade, o psiquismo, a identidade, o eu) é determinada muito rigorosamente pelo organismo biológico e suas funções. Estaríamos aceitando, por outras palavras, que os princípios e funcionamentos biológicos, que fundamentam e sustentam a corporalidade do homem, definem e esgotam, sozinhos, o fato total da existência, ou a hipóstase do sujeito humano. Consequentemente, estaríamos admitindo que nenhum fator “psicogênico” poderia limitar ou suspender a autonomia destas funções.

Ora, semelhante afirmação é desmentida por um exemplo bem simples, tirado de outra ciência “positiva”, a psicologia clínica contemporânea. O fato de que um bebê anoréxico se deixe morrer, prova bem que a sua “alma” é incomparavelmente mais determinante para a sua existência ou para a sua hipóstase do que o mecanismo regulador das suas funções biológicas. Até nas suas interpretações mais positivistas, a ciência psicológica atual demonstrou sem equívoco - com uma multidão de exemplos reveladores, tais como o do bebê anoréxico - que isso que nós chamamos “subjetividade” ou “eu”, precede e determina o funcionamento do corpo biológico. Se, apesar de tudo, nós continuássemos acreditando que a anorexia “psicogênica” do bebê é produzida por reações bioquímicas, deveríamos então explicar por que razões o fator biológico poderia, na ocorrência, se autodestruir, ir contra si mesmo. Uma lógica científica coerente não pode admitir razões que justifiquem semelhante contradição.

7.6 A linguagem eclesial

A antropologia bíblica e eclesial não se opõe nem às constatações nem à linguagem da biologia contemporânea, a qual, do seu lado, também não pode enfraquecer as afirmações da primeira. Somente ficam perturbados os adeptos de um platonismo vulgarizado que se revestiu amiúde com uma aparência cristã (sobretudo no Ocidente) e tentou se substituir à verdade que a Igreja revela a respeito do homem.

De fato, se admitíssemos que o corpo humano é uma entidade verdadeira, que a alma humana também o é, e que somente a alma fundamenta o homem e constitui a sua personalidade, o eu, a identidade do sujeito - sendo o corpo apenas o invólucro ou o instrumento da alma, influenciando-a só indiretamente - então toda a biologia moderna contradiria certamente os nossos pressupostos, e a sua linguagem seria incompatível com a nossa.

Mas, esta visão “platonizante” não tem apoio nenhum na tradição bíblica e patrística. À pergunta: o que é o corpo e o que é a alma do homem, segundo os critérios da tradição eclesial? Eu responderia: o corpo, tanto quanto a alma, são energias da natureza humana, isto é, as maneiras segundo as quais funciona concretamente a hipóstase (a personalidade, eu, a identidade do sujeito). O que cada ser humano é concretamente, a sua existência ou hipóstase real, aquele eu profundo que faz dele um fato existencial, não se identifica nem com o seu corpo nem com a sua alma. A alma e o corpo simplesmente revelam e realizam o que o homem é, constituem energias, manifestações, destaques, funções reveladoras da hipóstase humana.

Lembremos aqui a maneira como a teologia ortodoxa define as energias: são propriedades comuns à natureza humana, que, porém, realizam e expressam o caráter único, diferente e insubstituível de toda hipóstase humana concreta. Todos os homens possuem as mesmas funções corporais e psíquicas: respiração, digestão, metabolismo, entendimento, julgamento, imaginação. Todavia, é através destas funções comuns que cada ser humano se diferencia definitivamente. E isto, tanto pelos seus traços puramente corporais ou psíquicos que o caracterizam (por exemplo suas digitais ou seus sentimentos de inferioridade) quanto pela sua interpenetração/percorreis: o olhar, a fala, o rosto, os gestos, aquelas maneiras de se expressar que tomam bem difíceis de distinguir os limites entre o corpo e a alma.

Consequentemente, aquilo que o homem é, a sua hipóstase, não se identifica nem com o seu corpo nem com a sua alma, sendo somente realizado, expressado e manifestado pelas suas funções corporais e psíquicas. Eis por que nenhuma doença, nenhuma degradação ou malformação física, nenhuma doença mental, pode prejudicar a verdade de cada ser humano, o eu profundo que faz dele um fato existencial.

Aliás, de acordo com a nossa experiência imediata, isso que nós chamamos “corpo” não é um dado definitivo, uma entidade imutável, mas um fato que vai acontecendo dinamicamente, um conjunto de funções que agem continuamente. (Na realização e na descrição das reações bioquímicas, dos mecanismos, das evoluções biológicas que constituem estas funções, nós poderíamos adotar tranquilamente as conclusões da biologia contemporânea ou seus melhoramentos e ajustamentos futuros). Da mesma maneira, isso que nós chamamos “alma” é também um fato que vai acontecendo dinamicamente, um conjunto de funções que agem continuamente, e que revelam e expressam a existência viva do homem. Damos diversos nomes a estas funções: falamos de lógica, imaginação, julgamento, criatividade, potência amorosa etc., vem como: consciência, subconsciente e inconsciente. Também aqui, colocando e descrevendo estas funções, poderíamos, sem dificuldade, aceitar as conclusões e a linguagem da psicologia e da psicanálise, ou seus futuros melhoramentos, à condição, todavia e sempre, de que a ciência respeite seus limites, reconhecendo seu caráter verificativo e descritivo. Assim, qualquer que seja a língua utilizada, poderíamos concluir que a individualidade do homem, tanto biológico-corporal quanto psicológica, não é, mas acontece de maneira dinâmica. Ela acontece numa ascensão progressiva, uma parada e um declínio, até à “extinção” final, pela morte, das energias psicossomáticas. Pelo contrário, aquilo que o homem é permanece inacessível ao processo de amadurecimento, envelhecimento e morte.

Segundo a Igreja e a sua verdade, aquilo que o homem é como existência pessoal “diante” de Deus, isto é, aquilo que constitui a imagem de Deus no homem, não pode ser imobilizado em nenhum instante ou intervalo de tempo. O recém-nascido que “não compreende”, o homem maduro no ápice de suas faculdades físicas e psíquicas, e aquele que jaz na fraqueza da velhice ou que “perde a cabeça”..., é a mesma pessoa diante de Deus. Pois o que constitui o homem como hipóstase, aquilo que lhe confere um eu e uma identidade, não são as faculdades psicossomáticas, mas a sua relação com Deus, o fato de que Deus o ama com um amor único que chama o não-ser como se fosse (Rm 4, 17), que fundamenta e sustenta a alteridade pessoal do homem. O homem é pessoa, imagem de Deus, na medida em que ele existe como capacidade de resposta à chamada cheia de amor que Deus lhe dirige. Com as suas funções psicossomáticas, o homem “administra” esta possibilidade, responde positivamente ou negativamente à chamada de Deus, conduz a sua existência à vida, que é relação com Deus, ou à morte, que é separação de Deus.

A chamada de Deus, que funda a hipóstase pessoal do homem, não varia dependendo da confiabilidade das funções psicossomáticas, nem é afetada pelas interpretações científicas do progresso ou da evolução desta confiabilidade. A intervenção da chamada de Deus constitui o homem; é por isso que a Igreja não fica minimamente perturbada, nem a sua verdade é atingida pelo fato da ciência admitir “a evolução das espécies”, ou de que o homem provenha biologicamente do macaco. O que distingue o homem do macaco não se situa na diferenciação quantitativa da perfeição das funções psicossomáticas, mas na sua diferenciação qualitativa: no fato de que, pelas suas funções psicossomáticas, o homem “administra” - admitindo-o ou não - a sua resposta existencial à chamada à vida que Deus lhe dirige. A imagem bíblica da modelagem do homem por Deus e da insuflação na pessoa humana do hálito divino, manifesta, não a sua origem biológica, mas a origem da sua consciência, da sua identidade e liberdade pessoais; que esta origem coincida com a aparição biológica da espécie humana, ou que ela se inscreva num elo da corrente da evolução das espécies, em nada muda a verdade da antropologia bíblica.

7.7 A vida depois da morte

Do fundo de tudo isto emerge talvez na sua luz plena a fé da Igreja na imortalidade do homem, isto é, na “vida depois da morte”. Muitas religiões e filosofias proclamam “a imortalidade da alma”, mas a Igreja se diferencia completamente disto, porque ela compreende a imortalidade não como um inexplicável tipo de “sobrevivência” depois da morte, mas como uma superação da morte na relação com Deus. A morte, para a Igreja, é a separação de Deus, a recusa do relacionamento com Ele, a recusa da vida como amor e comunhão. O homem pode sobreviver eternamente por si mesmo, com suas capacidades existenciais criadas (isto é, que não contém nem a sua causa nem o seu fim)? Quando todas as faculdades psicossomáticas se extinguem com o último suspiro, a natureza criada do homem esgotou suas capacidades próprias de sobrevivência.

A fé da Igreja na eternidade do homem não é a convicção de que existe, em todo caso, um “estado” futuro onde sobrevive “alguma coisa” do homem, a sua “alma” ou o seu “espírito”. Ela consiste na certeza de que o fundamento da minha existência não é garantido somente pela minha natureza ou pelas minhas capacidades existenciais, mas pela minha relação com Deus, pelo seu amor por mim. A fé na eternidade é a certeza de que este amor não acabará, mas constituirá sempre a minha vida, funcionem ou não as minhas faculdades psicossomáticas.

A fé na vida eterna não é uma certeza ideológica, nem é sustentada por argumentos. Ela é um movimento de confiança, de colocar as nossas expectativas e a nossa sede de vida no amor de Deus. Aquele que nos faz a graça, aqui e agora, de uma tal profusão de vida, apesar das nossas resistências psicossomáticas à realização da vida (da verdadeira vida que é superação de si e comunhão no amor), também nos prometeu a plenitude da vida, a adoção imediata, a relação face a face com Ele, quando se extinguirem na terra as últimas resistências da nossa revolta.

Como é que esta nova relação com Ele será estabelecida, e pela mediação de quais faculdades, eu não sei, eu apenas confio. O que eu sei, pela revelação da verdade com que fomos gratificados, é que a minha relação será sempre pessoal, que diante d’Ele eu serei eu, tal como Deus me conhece e me ama. Eu serei com o meu nome, e terei a possibilidade de dialogar com Ele, como Moisés e Elias no monte Tabor. E nada mais diremos sobre isto.

7.8 A distinção dos sexos

No relato bíblico da criação do homem, a verdade concernente à imagem de Deus, impressa no homem é seguida ou completada pela frase que descreve a distinção dos sexos, a diferenciação homem-mulher. “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus Ele os criou, homem e mulher Ele os criou” (Gn 1, 27). A interpretação eclesial viu nesta frase a junção entre o “segundo a imagem” e a “potência amorosa” do homem, a potência que o leva a realizar a vida como uma comunhão com o outro sexo. Esta potência aparece igualmente como constitutiva da vida, ela é a maneira pela qual a vida humana forma novas hipóstases pessoais, de maneira que o homem cresce e se multiplica, enche a terra e a submete (Gn 1, 28).

Mas existe ainda uma segunda descrição da criação do homem, incluída no capítulo segundo do Gênesis (Gn 2, 4-25) e que os filólogos consideram como uma formulação escrita mais antiga. Neste relato, a criação do homem não está associada à diferenciação dos sexos já desde o início. Deus cria o primeiro homem, que possui um nome masculino: Adão, nome que indica, porém, a sua qualidade da criatura “feita de terra”, e não o seu sexo. É neste primeiro homem integral que Deus insufla o seu hálito, tornando-o uma “alma viva”. A diferenciação dos sexos, que vem a seguir tem por único fim responder à necessidade da comunhão: “Não é bom para o homem ficar sozinho. Tenho que fazer para ele uma ajuda adequada” (Gn 2, 18). A distinção dos sexos acontece então por meio de um ato criador especial de Deus, de uma segunda criação: Deus faz cair sobre o homem um “sono profundo”, toma uma das suas costelas e modela a mulher (Gn 2, 21-22).

Nesta segunda descrição, a tomada de consciência da realidade do sexo é também para o homem a primeira expressão de um autoconhecimento: olhando para a existência junto dele, tirada do seu lado, Adão se dá a si mesmo um nome que decorre da referência à sua companheira. Ele não é mais somente Adão, mas ísh (homem), e sua companheira é chamada ísha (mulher) (Gn 2, 23). Adotando os critérios da interpretação eclesial, devemos ver na imagem do primeiro homem integral a unidade indivisível da natureza humana. Mas a semelhança natural segundo a carne e os ossos (Gn 2, 23) não basta para garantir esta unidade da natureza, que faria do homem uma imagem da unidade divina trinitária. O modelo trinitário da vida é a unidade enquanto comunhão de amor, comunhão de hipóstases livres e diferentes, e não ponto de unidade apenas no plano natural. Assim somos levados à necessidade da distinção dos sexos, para que dentro dos limites do criado seja realizada a imagem-manifestação da vida do incriado.

Olhando a mulher diante dele, Adão profetiza: “Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e se juntará à sua mulher, e os dois serão urna só carne” (Gn 2, 24). A comunhão entre o homem e a mulher é destinada, no ponto de partida, a ser um acontecimento de liberdade realizado numa unidade natural. A ligação estabelecida naturalmente com os pais é rompida, para criar uma nova ligação, sinal de uma escolha e de um devotamento livres, que chega não simplesmente a uma vida comum, mas a uma unidade carnal, o que quer dizer: uma unidade de vida, literalmente, uma coexistência. Tal é a maneira segundo a qual se realiza, nos limites da natureza criada, o modelo trinitário da vida.

Na perspectiva bíblica, consequentemente, a distinção dos sexos, embora tenha a sua origem na natureza do homem - ela é uma sua manifestação -, não visa em primeiro lugar as necessidades e as finalidades da natureza, mas aquela unidade da natureza que é o resultado de uma liberdade diante da natureza, um fruto do amor pessoal. Por outras palavras, a distinção dos sexos não funciona no homem como funciona entre os animais, onde está exclusivamente sujeita à necessidade natural da reprodução. Na profecia de Adão, que explica a razão-finalidade da distinção dos sexos, a finalidade natural da reprodução não aparece absolutamente, e a única finalidade definida é a unidade natural “numa só carne”, onde desemboca o “apego” livre à pessoa do outro sexo. Mas na própria descrição da criação do homem, oferecida pelo primeiro capítulo do Gênesis (Gn 1, 26-29), a perspectiva do crescimento e da multiplicação dos homens é apresentada como o efeito de uma benção particular de parte de Deus (Gn 1, 28), isto é, como um dom específico feito ao homem, e não como uma necessidade natural, análoga à dos animais. Somente o pecado, o fracasso do homem na realização da vida segundo o seu modelo trinitário, estragará esta ordem e fará passar a finalidade da diferenciação sexual, da representação de Deus à necessidade inexorável da perpetuação natural.

7.9 O poder de amar

Se a distinção dos sexos encontra a sua origem na natureza, ela não se identifica à natureza, bem como, nem a hipóstase do homem. Ela é uma das energias da natureza de que falamos anteriormente, uma das maneiras segundo as quais é atualizada a realidade existencial da natureza, o caráter único, diferente e insubstituível de cada hipóstase humana concreta. A ciência da psicologia testemunha hoje que o desejo erótico não aparece no homem somente na idade em que resulta necessário para servir à reprodução da espécie. De fato, desde o primeiro momento do nascimento, o elã erótico que leva a criança para a sua mãe constitui a primeira possibilidade de relação vital, uma possibilidade que forma a própria personalidade do homem e que se encontra na origem da sua introdução no mundo dos homens, no espaço da vida considerada como comunhão.

Sem a distinção dos sexos e o elã erótico que o acompanha, o fato da relação, da comunhão, do amor, do desejo, talvez ficaria restrito ao nível do comportamento, da frequentação, da ligação simplesmente psicológica. Graças à distinção dos sexos, o desejo é um elã e uma prévia da vida, uma prévia fundamental para a realização e a manifestação da hipóstase pessoal da vida. A hipóstase pessoal do homem, mesmo na sua origem biológica, é o fruto do desejo de dois outros seres humanos. Mas, mesmo a formação e a manifestação da personalidade do sujeito resultam da possibilidade da relação, da comunhão, da referência erótica. A relação do bebê com a sua mãe é erótica, não certamente por visar a perpetuação da espécie, mas por ser uma relação constitutiva da vida. A mãe transmite ao bebê a vida, não de maneira metafórica ou simbólica, mas literal e real. Ela lhe dá o alimento, semente de vida, e ao mesmo tempo a ternura, a afeição; dela recebe as primeiras palavras que ouve, isto é, a primeira possibilidade de relação, a sensação de uma presença pessoal sem a qual o bebê nunca poderia entrar no mundo dos homens, no mundo da linguagem e dos símbolos, da identidade existencial e dos nomes.

A ligação existente entre a distinção dos sexos e a criação do homem “à imagem de Deus”, portanto, não é nem fortuita nem simplesmente metafórica, nem analógica. O homem representa Deus pelo fato de ser uma pessoa, uma existência pessoal. Mas a pessoa difere do indivíduo biológico precisamente porque a sua existência mesma não é dada de maneira natural; ela se realiza, com efeito, como um acontecimento de relação e de comunhão eróticas. A distinção dos sexos permite então ao homem fornecer uma hipóstase natural (hipóstase de natureza) à sua existência pessoal para realizar a referência pessoal que é um acontecimento constitutivo da hipóstase e unificador para a natureza do homem.

É por isso que também não é fortuito que a relação entre Deus e o homem (relação por excelência constitutiva da vida como hipóstase pessoal) tenha sempre sido figurada pela relação erótica do homem e da mulher. Quando Israel é infiel a Deus e adora os ídolos, os profetas o chamam adultério (Jr 13, 27): Israel desonra a unicidade da relação pela qual Deus o promoveu ao status de “bem-amada” (Os 2, 23; Rm 9, 25). A relação que Deus mantém com o seu povo, com cada membro do seu povo, é um mistério nupcial, erótico: é a única razão, para a interpretação eclesial pelo menos, que explica que um puro cântico de amor, o Cântico dos Cânticos, tenha encontrado um lugar entre os livros do Antigo Testamento.

Mas a relação erótica que Deus mantém com Israel é somente uma imagem e uma prefiguração da união que Deus realizou com a humanidade na Pessoa de Cristo e através do seu corpo que é a Igreja. Este é o “grande mistério” que descreve o Apóstolo Paulo na carta aos filipenses (Ef 5, 23-33) e que as parábolas dos Evangelhos explicam com a ajuda de cenas tiradas das refeições e banquetes nupciais. No Novo Testamento, o Cristo é o esposo da Igreja e o esposo de cada uma das nossas almas, Deus está loucamente apaixonado por cada pessoa humana. No Evangelho de João, particularmente, a vida eterna que o Cristo vem nos oferecer é definida pelo verbo conhecer. Na língua bíblica, ele corresponde à palavra hebraica que indica a relação erótica do homem e da mulher: “A vida eterna é que eles te conheçam, a ti, único Deus verdadeiro, e ao teu enviado, Jesus Cristo” (Jo 17, 3).

Na tradição patrística, o próprio Deus, considerado na sua vida trinitária íntima, será indicado como “a totalidade do eros”, a plenitude da unidade erótica indissolúvel: “O amor é o próprio eros, e está escrito que Deus é amor” [3]. Este eros é extático, “capaz de acordar em Deus um elã erótico” que funda e constitui os seres “fora dele”: “Ele, o autor de todas as coisas..., por excesso de bondade amorosa, sai dele mesmo..., e assim Ele ama e é seduzido pelo desejo. E Ele desce do lugar além de todas as coisas para aquilo que está em todos” [4]. A única maneira como o homem pode descrever a experiência da adesão deste eros e da relação que se estabelece com ele, é, ainda, a relação entre o homem e a mulher: “O teu amor caiu sobre mim como o amor das mulheres” [5]. Na literatura ascética, modelo do amor de Deus pelo homem e do amor do homem por Deus, será buscado também nas formas do eros humano, inclusive do eros corporal, e não nas imagens idealistas geradas pela nostalgia platônica: “Que o eros dos corpos se tome para ti um modelo do desejo de Deus” [6]. “Deus, tal como um amante completamente louco de amor deseja a sua bem-amada, não se debruça sobre a alma que deseja se arrepender?” [7]. “Bem-aventurado aquele que adquiriu um desejo de Deus tão forte quanto aquele que um amante louco de amor experimenta pela sua bem-amada” [8].

Se o eros, tal como o conhecemos comumente, expressa mais um impulso cego e instintivo de auto sensualidade, e não a libertação da pessoa das necessidades e exigências da natureza, para que a vida consiga ser um intercâmbio mútuo de amor entre duas pessoas, é porque nós somente conhecemos o eros decaído; somente o conhecemos como pecado, isto é, como fracasso existencial, privado do seu fim e da sua finalidade. Contudo, mesmo na condição da queda e do pecado, o eros torna possível a união física de duas hipóstases diferentes e a criação de novas hipóstases pessoais. É porque conserva alguma coisa da potência amorosa que, como imagem de Deus, marcou a nossa natureza. Esta potência pode tornar possível, não somente a união de hipóstases diferentes, mas também a união de naturezas diferentes, para tornar o homem “participante da natureza divina”, “percorrendo todas as coisas totalmente em Deus e tornando-se semelhante a Deus em tudo, sem todavia adquirir a identidade segundo a essência” [9]. O autor dos escritos areopagíticos vê inclusive uma “expressão obscura” desta potência amorosa no intemperante “que se deixa levar à vida mais baixa, governada pelo desejo irracional” [10]. Finalmente, São Máximo o Confessor reconhece até na atração genital dos animais privados de razão, e na força de atração que forma a “coerência mútua” do conjunto da criação, um elã erótico único, um movimento de retomo à uniformidade da vida divina” [11].

Tudo isto significa que, para a antropologia eclesial, a distinção dos sexos não serve somente para a finalidade natural da perpetuação da espécie, nem somente para uma diferenciação de classes sociais, diferenciação que permitia a formação da família, “célula” da vida social. Em primeiro lugar e antes de mais, a distinção dos sexos no homem e atração erótica entre existências de sexos opostos, conduzem ao seu fim “natural” e à sua finalidade o elã erótico universal colocado na natureza: eles visam representar na natureza a maneira trinitária de viver - o intercâmbio mútuo pessoal da vida no quadro da natureza criada -, eles têm finalmente por finalidade a união deificante do homem com Deus.

Se o homem rejeita esta finalidade e este fim, o eros degenera numa paixão irremediável da natureza: a natureza suporta o eros, suporta-o como um desejo de plenitude existencial, torturador e sempre incompleto, e como a inexorável finalidade da perpetuação da espécie. O pecado é precisamente o fracasso do eros na realização da finalidade a que tende, isto é, a união do homem com Deus. O eros move-se então numa reprise perpétua da tragédia das Danaides, num elã insaciável de autossatisfação da natureza, de prazer e de desfrute dos sentidos individuais. Ele não é mais um acontecimento de comunhão e de relação amorosa, inaugurando a submissão do outro a uma necessidade e a uma exigência subjetivas de prazer.

Quando o eros que se orienta para a pessoa do outro sexo conduz, no amor, à superação de si, da individualidade natural (o que significa, para o homem, superar a sua individualidade, os seus desejos, as suas necessidades e exigências individuais, deixar de visar a sobrevivência individual e começar a viver para o outro, por amor do outro), somente aí se abre o caminho que leva o homem a responder à chamada erótica que Deus lhe dirige. O eros torna-se então um caminho de vida e um dom de vida. É por isso que o modelo do eros conjugal é o eros crucificado do Cristo pela Igreja (Ef 5, 32-33), e a morte voluntária da individualidade natural para que a vida se realize somente como amor e oferta de si. O Cristo é o primeiro a encarnar o exemplo do verdadeiro eros dando-nos a possibilidade de conduzir o nosso próprio eros à sua Pessoa: “Ele é que nos amou primeiro”, diz São Fócio o Grande, “nós que éramos opostos e hostis a ele. Ora, longe de se limitar a nos amar, ele se deixou desonrar por nós, foi esbofeteado, crucificado, contado entre os mortos; e através disto tudo ele mostrou seu amor (eros) por nós” [12].

Na Igreja, que é o lugar do Reino de Deus, o lugar onde se realiza a maneira trinitária da “vida verdadeira”, “não há nem homem nem mulher” (Gl 3, 28).

Na Igreja, existimos da maneira como existiremos depois da morte da nossa individualidade natural: não em virtude das forças e faculdades da nossa natureza, nem das suas energias psicossomáticas, mas graças ao amor de Deus “que chama o não-ser como se fosse” (Rm 4, 17), graças à chamada que Deus nos dirige por amor e que faz da nossa vida um acontecimento de comunhão com Ele.

Isto não significa que a nossa natureza seja aniquilada no espaço do Reino, mas que a maneira segundo a qual a nossa natureza é hipostasiada (torna-se hipóstase), se transforma. A natureza não se torna mais uma hipóstase (uma existência viva e concreta) graças às suas próprias funções e energias, mas graças à chamada a ela dirigida pelo amor de Deus. É por isso que, doravante, não temos mais necessidade de passar pela possibilidade natural como hipóstase de vida, isto é, como hipóstase de amor e de comunhão.

Esta realidade é visada propositalmente pela palavra evangélica, quando certifica que no lugar da “vida verdadeira” a sexualidade é suprimida, bem como a distinção dos sexos:

“Os filhos deste mundo tomam mulher ou marido; mas os que serão julgados dignos de participar no outro mundo e na ressurreição dos mortos, não tomam nem mulher nem marido; nem podem morrer, pois são como anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição” (Lc 20, 34-36).

A ressurreição que suprime a relação conjugal, como a morte, é uma ressurreição “dos mortos”. Pressupõe a morte da maneira natural autônoma da formação da nossa hipóstase, morte voluntária ou não do indivíduo que tira sua hipóstase das forças e energias da sua natureza. É preciso que uma morte intervenha para que “o mortal seja absorvido pela vida” (2Cor 5, 4). É a esta morte que se arriscam voluntariamente os monges da Igreja. Renunciam ao matrimônio, maneira natural de auto superação da individualidade no eros, e se esforçam para hipostasiar o eros e o corpo na maneira do Reino para existir somente através da obediência e a ascese, da renúncia à natureza, para tirar a existência e a vida somente da chamada de amor que Deus dirige ao homem.

Neste sentido, os monges da Igreja aparecem como os pioneiros e as primícias dos frutos do Reino, deste Reino que está em gestação secreta no seio da Igreja. Quanto a nós, os mais numerosos, temos necessidade de uma “ajuda” do outro sexo (Gn 2, 18) para atingir, a exemplo da Cruz de Cristo, a morte e a ressurreição a que os monges chegam através de uma transição brusca. Estes dois caminhos: monaquismo e matrimônio, são igualmente respeitados e reconhecidos na Igreja, pois tendem a um fim comum: a vida livre a respeito do espaço, do tempo, da corrupção e da morte.

7.10 A queda

A consciência de uma queda que teria feito descer o homem num plano de existência diferente daquele a que se sente criado, não é uma exclusividade da tradição judeu-cristã. Este sentimento humano universal se expressa em mitos e símbolos, em quase todas as religiões; ele inspirou, em diversos sistemas filosóficos, problemáticas que incluem desafios importantes.

Todavia, é verdade que, para a tradição cristã, a referência à queda do homem não representa simplesmente um aspecto parcial de suas concepções antropológicas, mas o eixo de referência ou a “chave” necessária para a compreensão do homem, do mundo e da história. Por uma parte a verdade da queda, e por outra, a verdade da deificação do homem delimitam o acontecimento mesmo da Igreja e dão sentido à sua existência e à sua missão histórica.

No referente ao tema da queda, a Igreja tira seu ensinamento principalmente da interpretação dos textos do Antigo Testamento. O relato da criação do homem, nas primeiras páginas do livro do Gênesis, é completado pela referência ao acontecimento da queda, por meio de um conjunto de imagens pela sua riqueza semântica e de simbolismos arquetípicos insubstituíveis.

Lemos no livro do Gênesis que Deus, depois de ter criado o homem, fez-lhe o favor de “plantar um paraíso”, isto é, um jardim magnífico, o Éden, no qual o instalou. A imagem do jardim funciona em todas as religiões do Médio Oriente como o símbolo da felicidade ideal, talvez em oposição à aridez e à nudez dos desertos que abundam nestes lugares. A sequidão do deserto é, certamente um símbolo de morte, enquanto que os rios que regam Éden e a vegetação luxuriante que o enfeita oferecem a imagem de uma plenitude de vida.

É neste “paraíso de delícias”, como a Escritura o qualifica, que Deus coloca o primeiro homem, “para cultivá-lo e guardá-lo” (Gn 2, 15). Nesta primeira etapa da vida humana, o '”cultivo” não é um “trabalho” - uma servidão necessária para a sobrevivência natural -, mas a continuação e a prolongação orgânicas da obra criadora de Deus, a expansão da criatividade que caracteriza o homem como imagem de Deus, isto é, como pessoa.

Ao mesmo tempo, Deus oferece ao homem como “alimento” (Gn 2, 29) todos os frutos das árvores do país. A vida paradisíaca do homem não representa um estado “espiritualizado” nem uma “elevação” idealista, como amiúde imaginam os moralistas. Desde o primeiro momento, a vida do homem acontece através da alimentação, através da captação imediata da matéria do mundo. O homem vive e existe somente através de uma relação direta e orgânica com o mundo, com a matéria do mundo. Não se trata de uma relação intelectual e especulativa: o homem não é simplesmente espectador, observador, ou intérprete do mundo, mas aquele que o capta diretamente como um alimento, que ele assimila e transforma no seu próprio corpo. É somente por esta comunhão orgânica com o mundo que se realiza a vida humana.

O elemento específico da condição paradisíaca do homem é o fato de que esta alimentação, que garante a vida do homem, não constitui apenas uma relação real e uma comunhão com o mundo, mas também uma relação real e vital com Deus. É Deus quem fornece alimento ao homem, como prelúdio da vida, Ele quem oferece todos os frutos e todas as sementes “como alimento”. Cada alimentação é um Dom de Deus, uma “benção” de Deus, isto é, a realização de uma relação com Ele, realização da vida como relação. Esta relação paradisíaca do homem com Deus não é uma relação moral e religiosa, o que quer dizer que ela não se realiza imediatamente pela observação de uma lei ou por oferendas de orações ou sacrifícios. O que acontece como comunhão e relação com Deus é a própria vida do homem, a realização imediata da vida, isto é, a alimentação, a comida e a bebida.

Encontramos novamente esta mesma verdade das primeiras páginas do Gênesis no ato eclesial da Eucaristia, onde a relação do homem com Deus - restabelecida como relação de vida “na carne” de Cristo - realiza-se novamente de maneira integral, no fato de comer e beber. O homem toma seu alimento - nas suas espécies fundamentais, o pão e o vinho - num acontecimento de comunhão, desta vez hipostática e divino-humana: ele toma o Corpo e o Sangue de Cristo. A divina Comunhão, a comunhão do homem com Deus é novamente uma relação de vida que se instaura por meio do alimento. O homem não tira a vida do alimento em si, mas do alimento enquanto estabelece uma relação e uma comunhão com Deus. Ele toma a vida e a existência do acontecimento da comunhão com Deus, e não da capacidade da sua natureza de sobreviver de maneira efêmera graças à nutrição. Todavia, esta mudança da maneira de existência passa, afinal, pelo ato de comer e beber. A participação na maneira própria do Reino não é a passagem para “outra” vida, mas a obtenção da incorrupção através desta mesma vida que se realiza como comunhão através do alimento. É por isso que a imagem do Reino de Deus no Novo Testamento é amiúde a de uma refeição durante o qual os homens “comem e bebem na mesa” preparada por Deus (Lc 22, 30).

Deus ofereceu aos primeiros homens a possibilidade da vida, da “vida verdadeira”, da incorrupção e da imortalidade, dando-lhes o mundo, o alimento, como acontecimento de comunhão com Ele. Mas a realização de vida como acontecimento de comunhão e de relação é, em todo caso, um resultado da liberdade, pois não existe comunhão ou relação de amor obrigatória ou imposta. Isto significa que a vida paradisíaca dos primeiros homens comportava também a possibilidade de usar de maneira diferente a sua liberdade: a possibilidade de fazer com que a existência humana, longe de se realizar como um acontecimento de comunhão e relação com Deus, se realizasse a partir somente dela mesma, por ela mesma, tirando suas forças existenciais do seu foro interno, exclusivamente da sua natureza criada.

Esta possibilidade é descrita de maneira expressiva no relato bíblico que utiliza o símbolo da árvore “do conhecimento do bem e do mal” (Gn 2, 9 e 17). É também uma árvore do paraíso, mas não faz parte da “benção” que Deus dirigiu ao homem; alimentar-se dos seus frutos não estabelece comunhão nem relação com Deus. Representa precisamente a possibilidade para o homem de assimilar o seu alimento - de realizar a sua vida - não em comunhão com Deus, mas independentemente e ã margem de Deus, de se alimentar exclusivamente para a sua conservação, para a sobrevivência da sua individualidade natural: de maneira que o homem existe não tanto como pessoa que consegue uma hipóstase de vida na comunhão do amor, mas como indivíduo natural, como mônade existencial que tira a sobrevivência da sua hipóstase de suas próprias forças, das suas energias e funções criadas.

Deus pede aos primeiros homens que não comam os frutos da árvore “do conhecimento do bem e do mal”. Será que Ele queria poupar-lhes o conhecimento dos dilemas éticos, conservá-los num caminho moral unidimensional? Devemos precisar que aqui os termos “bem” e “mal” não têm o conteúdo convencional que lhes damos atualmente. Não se trata de categorias que visam o comportamento moral; não expressam a concepção jurídica do “socialmente útil” e ao “socialmente prejudicial”. Aqui, como em toda a Sagrada Escritura, os termos “bem” e “mal” designam a possibilidade da vida e a alienação da vida, isto é, a eventualidade da morte. Deus assim o explica aos primeiros homens, avisando: “O dia em que comerdes dele, morrereis certamente” (Gn 2, 17).

Nestas palavras de Deus não há ameaça de castigo, mas uma previsão e um aviso. Se os primeiros homens comem do fruto desta árvore, não apenas se afastarão do reto caminho, não apenas transgredirão uma ordem que deviam observar porque foi dado “do alto”. O fato de comer do fruto desta árvore abolirá as condições anteriores da vida, e conduzirá os homens à morte. Tentarão realizar a vida não segundo a maneira que a constitui (a maneira trinitária do amor e da comunhão), mas de maneira absolutamente contrária: tentando tirar vida das capacidades criadas e, portanto, efêmeras, da sua individualidade natural, para existir como se cada individualidade fosse causa e fim dela mesma. O “bem” e o “mal” não constituem aqui uma oposição simplesmente conceptual; o “mal” não é e negação aberta do “bem”, mas a sua deformação e alteração. Há uma maneira “boa” e uma maneira “má” de realizar a vida: este é o dilema que se apresenta aos primeiros homens. A maneira “má” convida a atingir facilmente a possibilidade de uma vida autônoma, a possibilidade para a criatura de conter nela mesma a sua causa e o seu fim, isto é, de chegar por ela mesma ao status de Deus e a autodeificação. Mas isto é uma mentira, uma ambição enganosa, que considera como vida a negação da vida, e que conduz inevitavelmente à morte. Na imagem bíblica, Deus quer, precisamente, desviar o homem do conhecimento da morte pois a morte introduz num conhecimento irrevogável, e uma vez adquirido este conhecimento, já é tarde demais para limitar suas consequências trágicas.

Todavia, os primeiros homens escolheram finalmente a maneira do “mal”, a maneira da morte. A advertência que Deus lhes dirigiu sublinha no relato bíblico o fato de que eles fazem a sua escolha em pleno conhecimento de causa das suas consequências. Contudo, há uma circunstância atenuante: eles foram arrastados à sua decisão pela serpente, símbolo arquetípico do mal. Para a hermenêutica eclesial, a serpente expressa aqui a intervenção do diabo ou satã, que constitui uma existência pessoal, espiritual, semelhante à dos anjos de Deus - espíritos destinados a servir, criados por Deus antes do mundo -, mas uma existência revoltada, afastada da vida, condenada a perpetuar a morte que ela foi a primeira em escolher livremente.

A serpente provoca em primeiro lugar a mulher. Também aqui, o simbolismo não é fortuito. Na linguagem dos arquétipos de vida utilizados pela Escritura (linguagem das imagens arquetípicas, bem mais “significativas” que os conceitos), a mulher é a imagem da natureza, em oposição ao homem que é o símbolo do verbo (logos). Este confronto da natureza e do verbo, do feminino e do masculino, não representa uma distinção axiológica, mas a experiência que o homem faz da maneira como a vida natural se realiza: a natureza possui uma disponibilidade “feminina” para encarnar o acontecimento da vida, mas ela precisa da semente do verbo, para que esta encarnação aconteça. Sem a união do masculino e do feminino, a vida não pode existir. Sem a intervenção do verbo, a natureza é apenas uma potencialidade, não um acontecimento existencial; e sem a sua encarnação na natureza, o verbo nada mais é do que um conceito abstrato, sem realidade hipostática.

Assim, a tentação de desviar a realização da vida, pelo próprio fato de ser não apenas um desafio especulativo, mas uma possibilidade natural é, em primeiro lugar, aceita pela mulher. As palavras que lhe dirige a serpente revelam a “lógica” da alteração do “bem”, revelam um verbo que pretende enganar a natureza, falsear as possibilidades da vida: “Então, Deus disse: vocês não comerão de nenhuma das árvores do jardim?” A mulher responde: “Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse para não comer, a fim de não morrer”. A serpente não persiste na sua calúnia grosseira, mas renuncia imediatamente a ela e passa a uma segunda astúcia: “Vocês não morrerão, diz. Deus sabe que, no dia em que comerem desta árvore, seus olhos se abrirão e vocês serão como deuses, conhecendo o bem e o mal”. A imagem bíblica não vai mais longe. É a esta segunda tentação, atingir o status de Deus e se auto deificar, que a mulher sucumbe - a natureza aceita tentar viver de maneira autônoma. As primeiras criaturas saboreiam o fruto da autonomia e da autossuficiência existencial.

7.11 Consequências da queda: a nudez

Assim acontece a queda do homem. Falamos de queda para designar não um puro rebaixamento axiológico, mas uma mudança na maneira de existência, uma decadência da vida. O relato bíblico pinta igualmente esta mudança existencial, as consequências da queda, com símbolos insubstituíveis.

A primeira consequência é a sensação de nudez: “Então os olhos dos dois se abriram e se deram conta de que estavam nus; costuraram folhas de figueira e se fizeram uns aventais” (Gn 3, 7). Até a hora da queda, “os dois estavam nus, o homem e sua mulher, e não sentiam vergonha um diante do outro” (Gn 2, 25). O que é, então, a sensação de nudez, a vergonha da nudez, que acompanha a queda? É a consciência de que o olhar do outro que cai sobre mim não é o olhar do ser amado, do ser que me ama e em quem confio. É o olhar de um estranho; ele não me olha com amor, antes me vê como objeto do seu desejo e do seu prazer. O olhar do outro me objetiva, faz de mim um indivíduo neutro, e sinto que tira de mim a subjetividade, minha identidade única mais profunda. O fato de me sentir nu significa a ruptura da relação, a negação do amor, a necessidade de me defender diante da ameaça que o outro constitui aos meus olhos daqui para frente. E eu me defendo pela vergonha. Visto-me para preservar a minha subjetividade, para me proteger do olhar do outro e para não me tornar um objeto ao serviço do seu prazer e da sua autossuficiência individuais.

Antes da queda, o corpo era, todo inteiro, expressão e manifestação da unicidade pessoal, da chamada ao Dom de si no amor. A sensação de nudez e a vergonha da nudez nascem no momento em que a vida deixa de tender ao amor e se assinala como finalidade a autossuficiência da individualidade - a necessidade individual, o prazer individual. É por isso que, mesmo depois da queda, somente o eros verdadeiro permite à nudez deixar de ser uma vergonha e expressar um movimento de confiança e de dom de si últimos. “No eros verdadeiro, a alma cobre o corpo”, dizia Nietzsche, cujo ateísmo pertinaz nunca eliminou o sentimento da verdade. E por outro lado, Santo Isaac, o Sírio completa a frase: “O amor não conhece a vergonha... O amor desconhece naturalmente a vergonha e esquece sua própria medida” [13].

A sensação de nudez e a vergonha da nudez são a manifestação mais clara da alteração sofrida pela natureza humana por causa da queda. A imagem de Deus inscrita na natureza do homem foi aviltada e corrompida (não, porém, destruída). Esta imagem é a maneira de existência pessoal, a maneira da Trindade, do amor das pessoas, do amor que é o único capaz de unificar a vida, a vontade e a energia da natureza. A liberdade pessoal submete-se (ainda que nunca de maneira integral) à necessidade individual de existência autônoma natural, tornando-se assim instinto, impulso, paixão inexorável. Assim a natureza fica parcelada em individualidades que vivem cada uma somente para si, individualidades mutuamente pérfidas, e opostas entre si na reivindicação da vida.

7.12 A culpabilidade

A Segunda imagem expressiva das consequências da queda, que encontramos no relato bíblico é o aparecimento da culpabilidade e a tentativa de se auto justificar. Os primeiros homens ouvem os passos de Deus que passeia no jardim no pôr-do-sol, e são dominados pelo medo, um medo tal que se apressam para se esconder “da face do Senhor” entre as árvores do paraíso. Então Deus chama Adão e lhe pergunta de que tem medo, e Adão alega a sua nudez para explicá-lo. Mesmo diante de Deus, Adão atualmente se sente nu, ressente até o olhar de Deus como um despir, como um atentado à sua individualidade. Deus não é mais o íntimo, o bem-amado, e a relação com Ele não é mais uma ligação de amor e uma fonte de vida. O próprio Deus toma-se “outro”, uma segunda existência que, já pela sua presença, ameaça aniquilar a autonomia da individualidade.

“Então, você comeu da árvore que eu te proibi comer!”, diz Deus. E Adão se apressa a rejeitar a sua responsabilidade: “Foi a mulher que você colocou junto de mim, ele diz, que me deu da árvore, e eu comi!”. E quando Deus pergunta à mulher: “O que você fez?”, a resposta dela é também uma escapatória: “a serpente me seduziu e eu comi!” (Gn 3, 8-13). A queda se manifesta aqui como autodefesa da individualidade, transferência de responsabilidade, tentativa de justificação individual.

Se a sensação de nudez e a vergonha manifestam a perda do caráter pessoal da existência, parece que a tentativa de transferir a responsabilidade e de auto justificação individual, o sentimento de culpa e o medo são sinais da angústia resultante da perda da vida verdadeira, isto é, da vida eterna. Trata-se da angústia diante da morte. Chegamos à esta conclusão com a ajuda dos critérios da interpretação eclesial das imagens da Bíblia. Antes de mais, questionemo-nos: de fato, o que Adão teme, quando se esconde diante de Deus? De que ele quer se proteger quando transfere a responsabilidade sobre a mulher? Teme uma ameaça exterior? Sente um perigo objetivo? Mas ele não tem nenhuma experiência anterior de ameaça nem de perigo; normalmente, ele deveria ter tão pouco medo quanto um bebê que estende a mão para pegar o fogo.

A resposta fácil dos moralistas é, ordinariamente, a seguinte: Adão tem medo porque transgrediu o mandamento de Deus e espera um castigo. Mas a noção de transgressão e de castigo é também uma imagem emprestada das experiências posteriores do mundo e da queda. Se fizermos dela um absoluto e a considerarmos como a explicação última do medo de Adão, deixamos ou provocamos perguntas sem resposta: como Adão pode ter medo de Deus, que conhece somente como “apaixonado loucamente” pelo homem, e doador de vida? Se o amor de um ser humano verdadeiramente apaixonado está sempre pronto, mesmo depois da queda, a perdoar e a esquecer qualquer falha da pessoa amada, será que amor de Deus ficaria abaixo da medida humana do amor? O amor de Deus seria menor do que o amor humano do amante verdadeiro, do pai afetuoso, da mãe infinitamente indulgente? Será que Deus não conseguiria fazer nem sequer o que Ele mesmo nos pede: “perdoar os nossos devedores” sempre que nos fazem mal, “até setenta vezes sete vezes”?

Aí os moralistas respondem: sim, mas Deus também é justo; Ele deve fazer justiça, castigar pela transgressão cometida. Mas de onde eles tiram esse “Ele deve” a que submetem o próprio Deus? Será, então, que existe uma necessidade que limita o amor de Deus, isto é, a sua liberdade? Em caso afirmativo, então Deus não é Deus ou, em todo caso, não é o Deus que a Igreja conhece. Um Deus justo, um policial celeste que controla a observância das leis de uma justiça obrigatória inclusive para Ele próprio, nada mais é do que um produto da imaginação do homem depois da queda, a projeção da sua necessidade de encontrar urna garantia individual sobrenatural no meio dos conflitos da vida coletiva... Quaisquer que sejam os artifícios sofisticados que os moralistas tenham podido imaginar para ajustar logicamente o amor e a justiça de Deus, os edifícios elaborados pelos seus silogismos ameaçam ruína. “Assim como um grão de areia não pesa tanto como muito ouro, assim a necessidade do justo julgamento de Deus não pesa tanto quanto a sua compaixão”, diz São Isaac o Sírio. O Deus da revelação bíblica e da experiência eclesial não é justo: “Não digas que Deus é justo, pois a sua justiça não aparece nos teus atos... Onde está, então, a justiça de Deus? Pois é dito que Deus é bom para os maus e os ímpios [14].

7.13 A tragédia da criação

Esta verdade fundamental, vivida e garantida pela Igreja, parece contradita por muitos textos da Escritura que evocam os castigos impostos ou prometidos por Deus: o dilúvio que cai sobre todos os seres vivos na terra, exceto os da Arca de Noé; o fogo e o enxofre que destroem Sodoma e Gomorra; as pragas do faraó; Davi punido pelo seu pecado com a morte de Absalão; no Novo Testamento, igualmente, a imagem dominante do julgamento futuro e da retribuição final, a separação entre justos e iníquos, a ameaça do inferno onde haverá “pranto e ranger de dentes”. A estes exemplos bíblicos, os homens acrescentam todos os males naturais vendo-os corno “calamidades” e punições reveladoras da justiça de Deus: terremotos, inundações, epidemias etc.

Todavia, a Igreja distingue estas imagens da verdade que expressam. A queda do homem é uma verdade, e esta queda não tem um conteúdo somente jurídico, mas, como tentamos explicar aqui, ela é uma perversão da vida, onde a liberdade do homem arrasta consigo a criação toda, pois somente pela liberdade humana pode se realizar ou não a finalidade a que é destinada a existência de cada criatura. Ora, a perversão da vida significa uma deformação e uma corrupção das leis e das maneiras do funcionamento da vida. A Igreja vê em todos os exemplos bíblicos de punições impostas ao homem, e em todas as calamidades, as consequências de um funcionamento alterado das leis e das maneiras que governam a vida, as consequências do distanciamento do criado da “vida verdadeira”, o abismo aberto entre o criado e o incriado por causa da revolta do homem. Estas consequências são interpretadas pela linguagem pedagógica da Escritura, sobretudo a do Antigo Testamento, que se dirige a um povo de “cabeça dura”, com a ajuda de uma imagem bem acessível ao homem caído: a imagem de um Deus zangado que castiga por causa da transgressão.

Porém, Deus não é um justiceiro que castiga. Ele apenas respeita absolutamente a liberdade do homem e as suas consequências. Ele não intervém para destruir os frutos amargos da livre escolha feita pelo homem, pois assim Ele destruiria a verdade mesma da pessoa humana e as dimensões cósmicas realmente impressionantes desta verdade. O amor de Deus intervém apenas para transformar a livre autopunição do homem em pedagogia salvadora. O ponto culminante desta intervenção é a própria encarnação de Deus, a aceitação, na carne divino-humana do Cristo, de todas as consequências da revolta do homem “até à morte numa cruz”, e, finalmente, a transformação destas consequências em relação e comunhão com o Pai, isto é, em vida eterna.

A partir daí, sem negar as consequências da queda de maneira destrutiva para a liberdade humana, é devolvida ao homem a possibilidade paradisíaca de escolher entre a vida e a morte: é a escolha entre a transformação da morte em vida, a exemplo do Segundo Adão, Cristo, e a persistência na morte, no inferno, que é “a tortura de não amar”.

Para a Igreja, a queda de Adão, considerada nas suas dimensões cósmicas e “diacrônicas”, incríveis para o espírito humano, é uma imensa tragédia reveladora do caráter ilimitado da liberdade pessoal, das dimensões universais da verdade da pessoa - reveladora, afinal, da “glória” de Deus, da grandeza infinita da imagem de Si mesmo que Deus imprimiu na natureza humana. A Igreja percebe esta revelação através da tragédia da queda, revelação que confere significado à existência da criação universal. “Pois a criação, em expectativa, aguarda a revelação dos filhos de Deus... Sabemos, com efeito, que a criação inteira geme até o presente dia nas dores de parto” (Rm 8, 19-22). A aventura universal começada no jardim do Éden não é um fracasso da obra de Deus: este mundo marcado pelas catástrofes naturais, as guerras, as epidemias, a injustiça, os massacres, este mundo de onde se levantam os gemidos das vítimas inocentes e os clamores das crianças torturadas, realmente irrigado de sangue e lágrimas, este mundo não é, certamente, um lugar triunfal para a justiça, mas aos olhos do crente é um lugar onde triunfa a liberdade que, passo a passo, pé a pé, vai percorrendo pelo amor de Deus o caminho para a deificação. “Penso, com efeito, que os sofrimentos do tempo presente não admitem comparação com a glória que vai se manifestar em nós..., pois também esta criação será libertada da servidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8, 18-21). Uma deificação do homem e do mundo que não fosse um acontecimento de liberdade, este sim seria o fracasso da obra de Deus, pois uma deificação sem liberdade seria tão contraditória como a noção de um Deus sem liberdade: um absurdo, a vida desprovida de razão e de significado.

7.14 A angústia diante da morte

Retomando agora o medo que leva Adão a se esconder diante de Deus depois da queda, podemos dizer que este medo não é o efeito de uma culpabilidade jurídica, ou a espera de uma punição. É a perda da “segurança diante de Deus” de que fala a Escritura (1Jo 3, 21); a ruptura da relação com Ele, o conhecimento da responsabilidade que cabe ao homem na realização de uma vida separada de Deus, a primeira experiência da solidão existencial que inclui também o primeiro contato com a mortalidade. O medo de Adão é a sua angústia diante da morte.

Por caminhos diferentes, a experiência psicanalítica contemporânea formula a opinião segundo a qual a primeira experiência de culpabilidade e de angústia acontece no homem no seu nascimento, quando é separado do corpo materno. Se este ponto de vista é exato, então não é muito diferente da imagem bíblica daquele primeiro medo de Adão. A primeira sensação, mesmo inconsciente, de “existir individualmente” é também a primeira sensação de mortalidade, a primeira experiência de uma solidão muito profunda, isto é, a experiência da impossibilidade do indivíduo para tirar a vida de qualquer lugar que não seja ele mesmo. Pareceria que, na natureza mesma do homem, há um instinto capaz de distinguir a maneira da vida e a maneira da morte, isto é, um instinto capaz de distinguir o desenvolvimento da “vida verdadeira”, que é “comunicada” e “participada”, da desindividualização mortal da existência. Se assim for, o medo primitivo de Adão não seria apenas uma imagem ou um símbolo, mas uma realidade que marca o homem no mais fundo da sua alma desde o primeiro instante da sua vinda ao mundo.

O diálogo entre Deus e os primeiros homens, acontecido no Éden, acaba com o anúncio e a descrição profética, feitos por Deus, das consequências secundárias da queda. São as seguintes:

Acontece uma hostilidade irredutível entre a mulher e a serpente, entre a natureza humana e o diabo. Hostilidade que culminará na pessoa de um descendente da mulher, que quebrará a cabeça da serpente, o poder do diabo, enquanto que a serpente conseguirá apenas morder o seu “calcanhar”. Este descendente de Eva, para a Igreja, é o Cristo, e este primeiro anúncio da sua vitória sobre o diabo é chamado o protoevangelho da Escritura, a primeira mensagem anunciadora da salvação do homem.

As aflições e gemidos da mulher multiplicam-se, seu corpo torna-se sensível e inclinado à dor. A mulher não deixa de ser o vetor da vida, mas a vida, atualmente, é a perpetuação da natureza e não da pessoa. Aí, então, a mulher dá à luz seus filhos com muito trabalho, pois cada nascimento é mais uma fragmentação imposta ao seu corpo, uma fragmentação da natureza, um acréscimo de individualidades autônomas e mortais. Sua relação com seu esposo, o amor revelador do Modelo trinitário da vida, torna-se uma ruptura com ele: “teu desejo te levará ao teu marido, e ele te dominará” (Gn 3, 16).

Aliás, o acesso do homem à vida, sua relação com a terra, a natureza, seu alimento-vida, também se torna ocasião de trabalhos e dores contínuas. A relação do homem com a natureza material do mundo não consegue ser uma relação pessoal, uma relação com a palavra do amor de Deus que constitui o mundo. O mundo torna-se um objeto neutro que resiste ao esforço empreendido pelo homem para submetê-lo à sua necessidade e ao seu desejo de sobrevivência individual. A terra “produz espinhos e cardos, e o homem ganha seu pão “com o suor da sua face”, até retornar também à neutralidade impessoal da terra objetivada, até que o seu corpo se decomponha na terra:  ...”pois tu és lama, e à lama voltarás” (Gn 3, 19).

7.15 As “túnicas de pele”

O relato da queda do homem que encontramos na Sagrada Escritura, acaba com a expulsão do homem do jardim de delícias, quando lhe é proibido o acesso à “árvore da vida”, à possibilidade da imortalidade. Contudo, este desfecho trágico é marcado também por uma imagem que revela o amor de Deus, amor que tenta desfazer o caráter irrevogável da queda, limitar o mal por ela provocado, relativizar o irremediável. É a imagem das túnicas de pele, que chamou especialmente a atenção dos exegetas cristãos: “E o Senhor Deus fez para o homem e sua mulher umas túnicas de pele, revestindo-os com elas” (Gn 3, 21).

Na interpretação eclesial, as túnicas de pele com que Deus veste os primeiros homens simbolizam a hipóstases biológica que cobre a alteridade pessoal do homem. Antes da queda, cada energia da natureza biológica e terrena do homem existia (era realizada e manifestada) exclusivamente como revelação da imagem divina. Constituía a alteridade pessoal, a vida como comunhão e relação de amor. Depois da queda, a hipóstase do sujeito humano é biológica, e as energias da natureza (energias psicossomáticas) estão ao serviço de uma vida reduzida à sobrevivência individual. O homem não deixa de ser uma pessoa, uma imagem de Deus, mas esta imagem está atualmente revestida da “túnica de pele” da irracionalidade, da corrupção e da mortalidade.

Este revestimento de corrupção e de morte testemunha, todavia do amor imenso de Deus pelo homem e do caráter providencial desse amor. Revestindo a pessoa humana com urna hipóstase biológica, Deus assume os efeitos da queda. As energias naturais (psicossomáticas) não hipostasiam a alteridade pessoal da vida considerada como amor, mas a individualidade mortal e sua vida efêmera. Permitindo, todavia, a morte, como consequência deste revestimento, Deus limita precisamente o seu alcance à individualidade biológica, colocando um limite e uma fronteira ao pecado-fracasso da vida e à corrupção, “a fim de que o mal não seja imortal”.

Assim, a morte não destrói o homem como tal, mas a corrupção que o envolve. Ela não atinge a pessoa humana que Deus chamou ao ser, ela nega e destrói a falsa hipóstase de vida, a individualidade biológica com que o homem foi revestido por causa da queda. A morte, resultante do pecado, volta-se contra o triunfo aparente do pecado - que se manifesta na individualidade biológica tornada autônoma - e o destrói. A morte acaba com envoltório da corrupção, liberando as possibilidades existenciais da pessoa humana.

Portanto, o caminho permanece aberto depois da queda, para que a pessoa humana se tome novamente uma hipóstase de vida, não mais biológica, corruptível e efêmera, mas incorruptível e imortal. Esta nova possibilidade existencial será inaugurada pelo próprio Deus que, na sua encarnação, oferecerá na sua pessoa as primícias da salvação e da renovação do gênero humano.


Notas

[1] Com a palavra imagem (eikona em grego), os LXX tradutores do Antigo Testamento transcreveram em grego o termo hebraico tselem, que significa exatamente aparição, representação, equivalência, substituição.

[2] Alma viva” tem aqui o sentido de “ser vivo”.

[3] MÁXIMO O CONFESSOR, Comentários sobre os nomes divinos, 4, 17: PG 4, 268-269.

[6] Escritos Areopagíticos, Sobre os nomes divinos, IV: PG 3, 712AB.

[7] ID., supra, 709 C. Cf. também 2Rs 1, 26, segundo os Setenta.

[8] JOÃO DO SINAL Éscala, Discurso XXVI, § 31.

[9] NILO O ASCETA, Cartas: PG 79, 464.

[10] JOÃO, Escala, Discurso XXX, § 5.

[11] MÁXIMO O CONFESSOR, Ambígua: PG 91, 1308 BC.

[12] Sobre os nomes divinos, IV: PG 3, 720 BC.

[13] Comentário sobre os nomes divinos: PG 4, 268 CD - 269 A

14]A citação é tirada do Manuel Consultatif de São NICODEMOS O HAGRIÓGRAFO, 193, nota l (em grego).

[15] SANTO ISAAC, O SÍRIO, Obras espirituais. Discurso ascético 58.

[16] SANTO ISAAC O SÍRIO, Obras espirituais, Discursos ascéticos 58 e 60.

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