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«O Rio de Fogo»

Dr. Alexander Kalomiros
© 1980 St. Nectarios Press – Seattle, WA - EUA
Tradução: Fabio Lins © 2007
Capa: Eric Lins
Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Uma resposta às perguntas: — Será que Deus é realmente bom? — Será que foi Deus quem criou o inferno?

Conteúdo:

1. Uma era fria e sem amor

2. A grande calúnia: Deus ofendido e raivoso

3. O Juiz vingativo, Deus do Ocidente

4. A justiça de Deus é o amor

5. Deus é bom com todos

6. A Influência do paganismo no Ocidente

7. A Diferença entre Israel e Atenas

8. O paradoxo do Deus-escravo

9. A incompreensão da Graça

10. O dom irrecusável da gloriosa liberdade

11. O perigo vem de nós, não de Deus

12. Deus não é a origem do mal

13. As punições de Deus

14. O julgamento de Deus é a revelação de nossa verdadeira face

15. Nem ações, nem crença, nem fé: importa quem você é

16. Deus quer ser amado de livre e espontânea vontade

17. O rio de fogo banha tanto os bons quanto os maus

18. Deus será tudo para todos

 

1. Uma era fria e sem amor

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.

Não há dúvida de que vivemos na era de apostasia predita para os últimos dias. Na prática, a maioria das pessoas é ateísta, embora muitos deles teoricamente ainda acreditem. A indiferença e o espírito deste mundo prevalecem por toda parte.

Qual o motivo de tal estado de coisas?

O motivo é o esfriamento do amor. O amor por Deus não mais arde nos corações humanos e, em conseqüência, o amor entre nós também morre.

E qual é a causa do amor dos homens por Deus ter mingüado assim? A resposta, com certeza, é o pecado.

O pecado é a nuvem escura que não permite que a luz de Deus alcance nossos olhos.

Mas o pecado sempre existiu. Então como chegamos no ponto de não apenas ignorar Deus, mas de, na prática, odiá-lo? A atitude do homem quanto a Deus hoje em dia já não é de ignorância ou mesmo de indiferença. Se você examinar bem, notará que a ignorância e a indiferença estão maculadas por um profundo ódio. Só que ninguém odeia o que não existe.

Eu suspeito que o homem de hoje crê em Deus mais do que em qualquer outro tempo da História. O homem conhece o Evangelho, o ensinamento da Igreja e a criação de Deus melhor do que em qualquer outra época. Possuímos uma profunda consciência da existência Dele. O ateísmo deles não é uma descrença de verdade. É, ao invés, uma aversão contra alguém que conhecemos muito bem, mas a quem odiamos com todo o nosso coração, exatamente como os demônios fazem.

Odiamos Deus e é por isso que O ignoramos, passando direto por Ele como se não o víssemos e fingindo sermos ateístas. Na realidade, nós O consideramos nosso inimigo por excelência. Nossa negação é nossa vingança, nosso ateísmo é nossa vingança.

Mas por que o homem odeia Deus? Eles O odeiam não apenas porque suas ações são tenebrosas enquanto Deus é luz, mas também porque consideram-No uma ameaça, como um perigo iminente e eterno, um adversário no tribunal, um oponente na lei, como um procurador público e um perseguidor eterno. Para eles, Deus já não é o Terapeuta Todo-Poderoso que veio nos salvar da doença e da morte, mas sim um juiz cruel e um inquisidor vingativo.

Percebam, o demônio conseguiu levar o homem a crer que Deus não nos ama realmente, que Ele ama apenas a Si mesmo, e que Ele nos aceita apenas se nos comportarmos como Ele quer que nos comportemos; Que Ele nos odeia se não nos comportarmos como Ele mandou e que Ele se ofende com nossa insubordinação com tal intensidade que devemos pagar por ela com torturas eternas, criadas por Ele com tal propósito.

Quem poderia amar um torturador? Mesmo aqueles que tentam fortemente salvar-se da ira de Deus não podem realmente amá-Lo. Eles amam apenas a si mesmos, tentando escapar da vingança de Deus e atingir deleites eternos através de agrados a este temível e extremamente perigoso Criador.

Percebe a calúnia demoníaca de nosso Deus absolutamente bom, todo-amor, todo-ternura? É por isso que em grego o demônio recebe o nome de "diabolos" que significa "caluniador".

2. A grande calúnia: Deus ofendido e raivoso

Mas qual foi o instrumento da calúnia do demônio sobre Deus? Que meios ele utilizou para convencer a humanidade, para perverter o pensamento humano?

Ele utilizou "teologia". Primeiramente ele introduziu uma pequena alteração na teologia, a qual, uma vez aceita, ele aumentou mais e mais até o ponto em que o Cristianismo se tornasse completamente irreconhecível. É isto que chamamos de "teologia ocidental".

Você já tentou pontuar qual é a principal característica da teologia ocidental? Bem, sua principal característica é que ela considera que Deus é a causa real de todo mal.

O que é o mal? Não é o distanciamento de Deus, o qual é vida? (1) Não é a morte? E o que a teologia ocidental ensina sobre a morte? Todos os católico-romanos e a maioria dos protestantes consideram a morte como uma punição de Deus. Deus considerou todos os homens culpados do pecado de Adão e os puniu com a morte, isto é, separando-os de Si mesmo; privando-os de sua energia vivificante, e assim matando-os primeiro espiritualmente e depois fisicamente, por um tipo de inanição espiritual. Agostinho interpreta a passagem do Gênesis "Se comerdes do fruto desta árvore, certamente morrereis" como "Se comerdes do fruto desta árvore, Eu vos matarei".

Alguns protestantes não consideram a morte como uma punição, mas como algo natural. Mas não é Deus o Criador de todas as coisas naturais? Então em ambos os casos Deus é - para eles - a verdadeira causa da morte.

E isto não é verdade apenas para a morte do corpo. É igualmente verdade para a morte da alma. Não é verdade que os teólogos ocidentais consideram o inferno, a morte espiritual eterna do homem, como uma punição de Deus? E não consideram que o demônio ministra a punição eterna do homem para Deus?

O "Deus" do Ocidente é um Deus ofendido e raivoso, cheio de ira pela desobediência do homem, que deseja em sua paixão destrutiva atormentar toda a humanidade pela eternidade por causa de seus pecados, a não ser que receba uma satisfação infinita por seu orgulho ofendido.

Qual é o dogma ocidental da salvação? Não é que Deus matou Deus para satisfazer seu orgulho ofendido, o que os ocidentais eufemisticamente chamam de justiça? E não é por esta satisfação infinita que ele se digna conceder a salvação para alguns de nós?

O que é a salvação para a teologia ocidental? Não é salvar-se da ira de Deus? (2)

Você vê, então, que a teologia ocidental nos ensina que nosso verdadeiro inimigo e o verdadeiro perigo que nos ameaça é nosso Criador e Deus? A salvação, para os ocidentais, é ser salvo das mãos de Deus!

Como alguém poderia amar um Deus assim? Como podemos por nossa fé em alguém que detestamos? A fé, em sua mais profunda essência, é um produto do amor e, portanto, seria nosso desejo que alguém que nos ameaça sequer existisse, especialmente quando esta ameaça é eterna.

Mesmo que exista um meio de escapar da ira eterna deste onipotente mas pervertido Ser (a morte do filho Dele em nosso lugar), ainda seria bem melhor que tal Ser não existisse. Esta é a conclusão mais lógica tanto na mente quanto no coração dos povos ocidentais, porque mesmo o Paraíso eterno seria detestável com um Deus tão cruel. Assim, pois, nasceu o ateísmo, e o porquê o Ocidente foi seu berço. O ateísmo era desconhecido no Cristianismo Oriental até que a teologia ocidental foi ali introduzida. O ateísmo é a conseqüência da teologia ocidental. (3) O ateísmo é a negação, a negação de um Deus maligno. Os homens se tornam ateístas para poderem se salvar de Deus, escondendo a cabeça e fechando os olhos como se fossem conchas. O ateísmo, meus irmãos, é a negação do Deus protestante e romano-católico. O ateísmo não é nosso inimigo real. O inimigo real é o Cristianismo falso e distorcido.

3. O Juiz vingativo, Deus do Ocidente

Os ocidentais freqüentemente utilizam a expressão "Bom Deus" (por exemplo, na França, "Le Bon Dieu" é quase sempre utilizado quando falando de Deus). A Europa ocidental e a América, porém, nunca se convenceram que um tal Bom Deus existe. Ao contrário, chamavam Deus de bom pelo mesmo motivo que os gregos chamavam as doenças de boas, para assim exorcizá-las e encantá-las para longe. Pelo mesmo motivo, o Mar Negro foi chamado de Euxeinos Pontos - o mar hospitaleiro - embora fosse, na verdade, um mar traiçoeiro e terrível. Nas profundezas da alma ocidental, se sentia que Deus era um juiz perverso, que nunca esquece mesmo a menor ofensa cometida contra Ele em nossas transgressões das leis Dele.

Essa concepção jurídica de Deus, essa interpretação completamente distorcida da justiça de Deus, não era senão a projeção das paixões humanas na teologia. Era um retorno ao processo pagão de humanização de Deus e deificação do homem. Os homens se sentem envergonhados e com raiva quando não são levados a sério e consideram tal fato uma humilhação que apenas a vingança pode remover, seja por crime ou duelo. Tal era concepção passional e mundana de justiça que prevalecia nas mentes de uma sociedade assim chamada de "cristã".

Os cristãos ocidentais pensavam sobre a justiça de Deus da mesma forma: Deus, o Ser Infinito, estava infinitamente insultado pela desobediência de Adão. Ele decidiu que a culpa pela desobediência de Adão se estendia igualmente a todos os descendentes dele e que todos seriam sentenciados à morte pelo pecado de Adão, que eles não cometeram. A justiça de Deus para os ocidentais operava como uma vendeta. Não apenas o homem que te ofendeu deve morrer, mas toda a família dele também. E o que era trágico para todo ser humano, a ponto do desespero, é que nenhum homem e nem mesmo toda a humanidade, poderiam apazigüar a dignidade insultada deste Deus. Então, para salvar tanto a dignidade ofendida de Deus quanto a humanidade, não havia outra solução que não a Encarnação do Filho Dele, para que um homem de dignidade divina pudesse ser sacrificado para salvar a honra de Deus.

4. A justiça de Deus é o amor

A concepção pagã da justiça do Deus que exige sacrifícios infinitos para ser satisfeito claramente faz de Deus nosso verdadeiro inimigo e a causa de todas as nossas desgraças. Além disso, não é justiça de forma alguma já que pune e toma satisfação de pessoas que não são de modo algum responsáveis pelos pecados de seus ancestrais. (4) Por outras palavras, o que os ocidentais chamam de justiça deveria antes ser chamado de ressentimento e vingança do pior tipo. Mesmo o amor e o sacrifício de Cristo perdem seu significado e lógica com esta noção esquizóide de um Deus que mata Deus para satisfazer uma assim chamada justiça de Deus.

Teria esta concepção de justiça algo a ver com a justiça que Deus nos revelou? Será que a expressão "justiça de Deus" tem algum significado nos Antigo e Novo Testamentos?

Talvez o início da interpretação errônea da palavra justiça nas Santas Escrituras seja sua tradução para o grego como “dikaiosyne”. Não que seja uma tradução errada, mas que esta palavra, sendo uma palavra da civilização grega pagã e humanista, estava carregada de noções que facilmente levariam a mal-entendidos.

Antes de mais nada, a palavra “dikaiosyne” traz à mente o conceito de distribuição igualitária. É por isso que é representada por uma balança. Os bons são recompensados e os maus são punidos pela sociedade humana de modo justo. Esta é a justiça humana, a que acontece nos tribunais.

Entretanto, será este o significado da justiça Divina?

A palavra “dikaiosyne”, justiça, é uma tradução da palavra hebraica “tsedakav”. Esta palavra significa "a energia divina que realiza a salvação do homem". É um paralelo e quase sinônimo de outra palavra hebraica, “hese'd”, que significa "misericórdia", "compaixão", "amor" e da palavra “eméth” que significa "fidelidade", "verdade". Isto, como podemos ver, dá uma dimensão completamente diferente do que usualmente concebemos como justiça. (5) É assim que a Igreja entendia a justiça de Deus. Era isto que os Pais da Igreja ensinavam sobre o conceito.

Escreve Santo Isaac, o Sírio:

"Como você pode chamar Deus de justo quando você lê a passagem sobre o salário dos trabalhadores? 'Amigo, não estou errado contigo; Eu pagarei a este último o mesmo que paguei ao que trabalhou comigo desde a primeira hora. Seu olho será mau por eu ser bom?' Como pode alguém chamar Deus de justo quando encontra a passagem do filho pródigo, que desperdiçou sua fortuna em uma vida de esbórnia, e com uma mera contrição por ele demonstrada, o pai correu e o abraçou e lhe deu autoridade sobre toda a sua fortuna? Ninguém menos que Seu próprio Filho nos disse tais coisas acerca de Deus, caso duvidem, e assim Ele é testemunha Dele. Onde pois está a justiça de Deus pois enquanto somos nós pecadores, Cristo morreu por nós!" (6)

Então veja que Deus não é justo no sentido humano da palavra, mas vemos que Sua justiça significa Sua bondade e amor, que nos são dadas de forma injusta, isto é, Deus sempre doa sem pedir nada em troca e Ele doa para pessoas como nós que não somos merecedoras de receber. É por isto que Santo Isaac nos ensina: "Não chamem Deus de justo, pois a justiça Dele não é manifesta nas coisas que concernem a vocês. E se Davi o chamou justo e correto, Seu Filho nos revelou que Ele é bom e terno.‘Ele é bom', diz Ele, 'com o mau e com o ímpio'." (7)

Deus é bom, amoroso e terno para com os que O desconsideram, desobedecem e O ignoram. (8) Ele nunca paga o mal com o mal, Ele nunca se vinga. (9) Suas punições são para correção, por amor, naquilo que pode ser corrigido e curado nesta vida. (10) Elas nunca se estendem pela Eternidade. Ele criou tudo bom. (11) Os animais selvagens reconhecem como seu mestre o cristão que através da humildade recuperou a semelhança de Deus. Aproximam-se dele, não com medo, mas com júbilo, em grata e amorosa submissão; eles estendem suas cabeças e lambem-lhe a mão e o servem com gratidão. Os animais irracionais sabem que seu Mestre e Deus não são maus, nem perversos, nem vingativos, mas antes cheios de amor. (Veja também St. Isaac of Syria, Ozomena Asketika [Atenas, 1871], pp. 95-96). Ele nos protegeu e salvou quando caímos. O mal eterno nada tem a ver com Deus. Ele provém, na verdade, da vontade de suas criaturas livres e lógicas, e tal vontade Ele respeita. (12)

A morte não nos foi infligida por Deus. (13) Nós caímos nela por nossa revolta. Deus é a Vida e a Vida é Deus. Nós nos revoltamos contra Deus, fechamos nossos portões para sua Graça vivificante. (14) Escreveu São Basílio:

"Pois o tanto que ele se afastou da vida foi o tanto que ele se aproximou da morte. Pois Deus é Vida, e privação da Vida é morte.(15) Deus não criou a morte mas nós mesmos fizemos isto conosco. De modo algum, porém, Ele impediu a dissolução... para que Ele não fizesse nossa fraqueza imortal em nós". (16)

Como Santo Irineus coloca: "O afastamento de Deus é morte, afastamento da luz é escuridão... e não é a luz que nos pune com a cegueira". (17) "A morte", diz São Máximo, o confessor, "é principalmente a separação de Deus, da qual segue-se necessariamente a morte do corpo. A vida é principalmente Aquele que disse 'Eu sou A Vida'". (18)

E por que a morte sobreveio a toda a humanidade? Por que aqueles que não pecaram com Adão morrem como Adão morreu? Eis a resposta de Santo Atanásio, o Sinaíta:

"Nos tornamos herdeiros da maldição de Adão. Não fomos punidos como se tivéssemos desobedecido ao mandamento divino com Adão; mas porque Adão se tornou mortal, transmitiu o pecado para sua posteridade. Nos tornamos mortais porque nascemos de mortais". (19)

E São Gregório Palamás traz o seguinte ponto:

"[Deus] não disse à Adão: 'retorne para onde tu viestes'; mas Ele disse: 'És terra e à terra irás retornar' ... Ele não disse: 'No dia em que comerdes, morra!' mas Ele disse: 'No dia em que comerdes, certamente morrerás'. Nem disse Ele depois: 'retornai agora à terra', mas Ele disse, 'irás retornar', deste modo avisando, dando justa permissão sem obstruir o que estava por se passar". (20)

Vemos que a morte não veio pela vontade de Deus, mas como conseqüência de Adão ter cortado suas relações com a fonte da Vida, por sua desobediência; e Deus, em sua ternura, simplesmente o avisou disso. Diz Teófilo de Antioquia:

"A própria árvore da vida era boa, e seus frutos bons. Pois não era a árvore, como alguns pensam, que possuía morte nela, mas a desobediência é que possuía morte; pois nada havia no fruto que não fosse apenas conhecimento, e o conhecimento é bom quando utilizado apropriadamente". (21)

Os Pais nos ensinam que as proibições de comer da árvore do conhecimento não eram absolutas mas temporárias. Adão era uma criança espiritual e nem todas as comidas são boas para crianças. Muitas comidas podem até mesmo matá-las mesmo que os adultos as achem nutritivas. A árvore do conhecimento fora plantada por Deus para o homem. Era boa e nutritiva. Mas era comida sólida, enquanto Adão era capaz de digerir apenas leite.

5. Deus é bom com todos

Então, na linguagem das Santas Escrituras, "justo" significa "bom e amoroso". Falamos do homem justo do Antigo Testamento. Isto não significa que eles eram bons juízes, mas que eram pessoas ternas e amavam a Deus. Quando dizemos que Deus é justo, não queremos dizer que Ele é um bom juiz que sabe como julgar os homens igualitariamente de acordo com a gravidade de seus crimes, mas, ao contrário, queremos dizer que ele é doce e amoroso, perdoando todas as transgressões e desobediências, e que Ele quer nos salvar por todos os modos e nunca retribui o mal com o mal. (22) No primeiro volume da Filocalia existe um texto magnífico de Santo Antônio que eu devo ler para vocês aqui:

Deus é bom, sem compulsões (NT.1) e imutável. Agora, alguém que ache razoável e verdadeiro afirmar que Deus não muda, pode bem perguntar como, neste caso, é possível falar de um Deus alegrando-se daqueles que são bons e demonstrando misericórdia dos que o honram e, ao mesmo tempo, afastando-se dos perversos e ficando com raiva dos pecadores. A isto deve ser respondido que Deus nem se alegra, nem fica com raiva, pois se alegrar e ser ofendido são compulsões; nem é Ele comprado com os presentes dos que O honram, pois isto significaria que Ele se deixa levar pelo prazer. Não é correto que a Divindade sinta prazer ou desprazer das condições humanas.

Ele é bom e Ele concede apenas bênçãos e nunca causa dano, permanecendo sempre o mesmo. Nós homens, por outro lado, se permanecemos bons através da semelhança com Ele, nos unimos com Ele; mas se nos tornamos maus através da dessemelhança com Deus, nos separamos Dele. Vivendo em santidade nós grudamos Nele; mas sendo perversos, fazemos Dele nosso inimigo. Não que Ele fique com raiva de nós de um modo arbitrário, mas é nosso próprio pecado que impede Deus de brilhar dentro de nós e nos expõe aos demônios que nos torturam. E se através da oração, e de atos de compaixão, nos libertamos do nosso pecado, isto não significa que conquistamos Deus e O fizemos mudar, mas que através de nossas ações e por voltar-nos para a Divindade, nós curamos nossa maldade e mais uma vez temos o deleite da bondade de Deus. Assim, dizer que Deus se afasta dos perversos é como dizer que o sol se esconde dos cegos (23) [Cap. 150]

6. A Influência do paganismo no Ocidente

Você percebe agora, eu espero, como Deus foi caluniado pela teologia ocidental. Agostinho, Anselmo, Tomás de Aquino e todos os seus pupilos contribuíram para esta calúnia "teológica". E eles são as fundações da teologia ocidental, seja papista ou protestante. Certamente, estes teólogos não dizem direta e claramente que Deus é um ser perverso e compulsivo. Eles antes consideram que Deus está acorrentado por uma força superior, por uma obscura e implacável Necessidade como a que governava os deuses pagãos. Esta necessidade O obriga a retribuir o mal com o mal e não O permite perdoar e esquecer o mal feito contra Sua vontade, a não ser que uma satisfação infinita seja dada a ele.

Abrimos, assim, a grande questão da influência greco-pagã no Cristianismo.

A mentalidade pagã é o fundamento de todas as heresias. Era muito forte no Oriente, porque lá ocorria o cruzamento de todas as correntes filosóficas e religiosas. Mas, como lemos no Novo Testamento, "onde havia abundância de pecado, havia muito maior abundância da Graça". Então, onde as heresias cresciam, crescia também a Ortodoxia, e embora tenha sido perseguida pelo poder deste mundo, ela sempre sobreviveu vitoriosa.

No Ocidente, ao contrário, a mentalidade pagã grega entrou sem obstruções, e sem tomar a aparência de heresia. Entrou através de inúmeros textos latinos ditados por Agostinho, Bispo de Hipona. São João Cassiano, que então vivia no Ocidente, compreendeu o veneno que havia nos textos de Agostinho e lutou contra eles. Mas o fato de que os livros de Agostinho foram escritos em latim e de que eram muito volumosos não permitiu que fossem estudados pelos outros Pais da Igreja, e, assim, nunca foram condenados como os trabalhos de Orígenes no Oriente. Foi isso que permitiu que exercessem uma grande influência mais tarde no pensamento e na teologia ocidentais. No Ocidente, pouco a pouco se perdia o conhecimento da língua grega, e os textos de Agostinho eram os únicos livros disponíveis datados dos tempos antigos em um língua que fosse compreendida. Assim, o Ocidente recebeu como cristão um ensinamento que era, em muitos dos seus aspectos, pagão. Eventos cesaropapistas em Roma não permitiram nenhuma reação saudável a tal estado de coisas. Assim, o Ocidente afogou-se em pensamento humanista pagão, o que prevalece até hoje. (24)

Então, temos o Oriente de um lado que, falando e escrevendo em grego, permaneceu essencialmente a Nova Israel, com pensamento israelita e uma tradição sagrada, e o Ocidente do outro lado que, tendo esquecido a língua grega e tendo sido cortado do estado oriental, herdou o pensamento grego pagão e sua mentalidade, e com ele formou um ensinamento cristão adulterado.

Na realidade, a oposição entre a Ortodoxia e o Cristianismo ocidental não é outra senão a continuidade da oposição entre Israel e Hellas.

Nunca devemos esquecer que os Pais da Igreja se consideravam os verdadeiros filhos espirituais de Abraão, que a Igreja se considerava a Nova Israel, e que os povos ortodoxos, fossem gregos, russos, búlgaros, sérvios, romenos etc., eram cônscios de serem como Natanael, verdadeiros israelitas, o Povo de Deus. E embora esta fosse a consciência real da Cristandade oriental, o Ocidente se tornou mais e mais um filho da Grécia e de Roma, humanistas e pagãos.

7. A Diferença entre Israel e Atenas

Quais eram as principais características desta diferença de pensamento entre Israel e o paganismo? Chamo a atenção de vocês para esta questão muito importante. Israel crê em Deus. O paganismo crê na criação. Isto é, no paganismo a criação é deificada. Para os pagãos, Deus e a criação são uma e a mesma coisa. Deus é impessoal, mas personificado em uma multidão de deuses.

Israel (e quando falamos de Israel queremos dizer a verdadeira Israel, os filhos espirituais de Abraão, aqueles cuja fé lhes foi dada por Deus para seu povo escolhido, e não os que abandonaram esta fé. Os verdadeiros filhos de Abraão são a Igreja de Cristo e não aqueles descendentes carnais, a raça judia. (NT.2), Israel sabe que Deus e a criação são dois tipos de existência radicalmente diferentes. Deus é auto-existente, pessoal, eterno, imortal, Vida e Fonte da Vida, Existência e Fonte da Existência; Deus é a única existência real: O-W-N, o Existente, o Único Existente; tal é o significado do artigo "O". (25)

A criação, ao contrário, não possui auto-existência. É totalmente dependente da vontade de Deus. Ela existe apenas enquanto Deus o quiser. Não é eterna. Ela não possuía existência, era vazia, completamente nada. Foi criada do nada. (26) Por si só não possui força de existência; é mantida em existência pelas Energias de Deus. Se esta amorosa energia de Deus parasse, a criação e todos os seres criados, inteligentes ou não, racionais ou irracionais iriam desvanecer-se para a não-existência. Sabemos que o Amor de Deus por Sua criação é eterno. Sabemos, através Dele mesmo que Ee nunca nos deixará cair no nada, do qual Ele nos criou. Tal é a nossa esperança e Deus é sincero em suas promessas. Nós, seres criados, anjos e homens, viveremos eternamente, não porque possuímos em nós o poder da eternidade, mas porque esta é a vontade de Deus, que nos ama. De nós mesmos não somos nada; não possuímos sequer a menor energia de vida e de existência em nossa natureza; o que temos vêm inteiramente de Deus. Nada é nosso. Somos pó da terra, e quando esquecemos disso, Deus, em sua misericórdia permite que retornemos ao que somos, de forma que permaneçamos humildes e tenhamos a medida exata de nosso nada. (27) "Deus", diz São João Damasceno em outro trecho, "pode fazer tudo que deseja, embora Ele não deseje fazer tudo que Ele pode - pois ele pode destruir a criação, mas Ele não deseja fazê-lo". (Ibidem. 1, 14) (28)

No Grande Euchologion, um livro litúrgico fundamental da Igreja, nós lemos:

"Ó Deus, grande e altíssimo, apenas Tu possuis a imortalidade!" (7ª. oração de Vésperas)

"Apenas Tu és Vivificante por natureza, ó único imortal!" (Ode 5, Cânom funerário para o leigo)

"Tu és o único imortal!"
"O único que é imortal por causa de Sua natureza divina". (Ode 1, cânon funerário para o leigo)

Tal é a fé de Israel.

E qual é o ensinamento do paganismo? O paganismo é a conseqüência da perda de contato com Deus. A multidão dos pecados da humanidade deixou o homem incapaz de receber a luz divina e de unir-se com o Deus Vivo. A conseqüência foi considerar como divina a criação que víamos diante de nós todos os dias.

O paganismo considera a criação como sendo algo auto-existente e imortal, algo que sempre existiu e irá sempre existir. No paganismo os deuses são parte da criação. Eles não a criam do nada, eles apenas dão forma à matéria já existente. A matéria pode tomar diferentes formas e formas podem vir a existir ou desaparecer, mas a matéria é eterna. Anjos, demônios e as almas dos homens são os verdadeiros deuses. Eternos por natureza, assim como a matéria, eles são, no entanto, um tipo mais alto de matéria. Podem até tomar diferentes formas materiais em uma seqüência de existências materiais, mas permanecem essencialmente espirituais.

Então, no paganismo vemos duas características fundamentais:

1) A atribuição de divindade ao todo da criação, que é eterno, imortal e auto-existente;

2) Uma distinção entre o espiritual e o material e um antagonismo entre os dois como entre algo superior e algo inferior.

Paganismo e humanismo são uma só e a mesma coisa. No paganismo, o homem é deus porque é eterno por natureza. É por isso que o paganismo é sempre soberbo; é narcisismo, auto-idolatria. Na Grécia, os deuses tinham características humanas. A religião grega era a adoração pagã do homem. A alma do homem era considerada seu ser real, e era imortal por natureza.

Vemos assim que no paganismo o demônio teve sucesso em criar uma crença universal de que os homens sãos deuses e não precisavam de Deus. Este é a razão pela qual orgulho foi de tão alta conta na Grécia e a humildade inconcebível. Em seu trabalho, “Ética a Nicômaco”, Aristóteles escreve as seguintes palavras: "Não se ressentir de ofensas é a marca do homem escravo e primário". O homem que é convencido pelo demônio a acreditar que sua alma é eterna por natureza, nunca poderá ser humilde ou realmente acreditar em Deus, pois ele não precisa de Deus, sendo, segundo sua crença, ele mesmo deus.

É por isto que, de início, os Pais da Igreja, compreendendo o perigo deste erro estúpido, avisaram aos cristãos do fato de que, como coloca São Irineu, "O ensinamento de que a alma humana é naturalmente imortal é do demônio" (Prova do Ensino Apostólico, 111, 20. 1). Encontramos o mesmo alerta em São Justino (Diálogo com Trypho 6. 1-2), em Teófilo de Antioquia (A Autolicos 2. 97), em Tatiano (Aos Gregos 13) etc.

São Justino explica o ateísmo fundamental que existe na crença da eternidade da natureza e da imortalidade da alma humana. Ele escreve: "Existem uns outros que, tendo suposto que a alma é imortal e imaterial, crêem que embora tenham cometido o mal não irão sofrer punição (pois o que é imaterial é também insensível), e que a alma, como conseqüência de sua imortalidade, não precisa de nada de Deus" (Diálogo com Trypho 1).

Paganismo é a ignorância do verdadeiro Deus, uma crença errônea de que Sua criação é divina e um verdadeiro deus. Este deus, no entanto, o qual é a Natureza, é impessoal, uma força cega, acima até dos deuses pessoais, e que é chamado de Necessidade (Ananke). Na realidade, esta Necessidade é a projeção da razão humana, uma necessidade matemática governando o mundo. É uma projeção do racionalismo sobre a natureza. Esta Necessidade racionalística é o verdadeiro deus dos pagãos, cego e supremo. Os deuses são parte do mundo e são imortais porque a imortalidade da natureza é sua essência. Nesta mentalidade pagã, o homem é imortal em si mesmo, já que ele é parte da essência do universo, a qual é considerada imortal e auto-existente. Então o homem é deus e uma medida de todas as coisas.

Mas os deuses não são livres. Eles são governados pela Necessidade que é impessoal.

8. O paradoxo do Deus-escravo

Foi este pensamento pagão que foi misturado ao ensino cristão pelas diversas heresias. Foi isto que aconteceu no Ocidente também. Eles começaram a distinguir não entre Deus e a criação, mas entre espírito e matéria. (30). Eles começaram a pensar na alma do homem como algo eterno em si mesmo, e começaram a considerar a condição do homem depois da morte não como dormição nas mãos de Deus, mas como a verdadeira vida do homem (31), a qual a ressurreição dos mortos nada tinha a acrescentar e mesmo a necessidade da ressurreição era duvidosa. A festa da Ressurreição do Nosso Senhor, que é o ápice de todas as festas na Ortodoxia, começou a ficar em segundo plano, porque sua necessidade era tão incompreensível para os cristãos ocidentais como fora para os atenienses que escutaram o sermão do Apóstolo Paulo.

Mas o que é mais importante para nosso assunto, eles começaram a sentir que Deus estava sujeito à Necessidade, a esta Necessidade racionalística que não era outra senão a lógica humana. Eles O declararam incapaz de entrar em contato com seres inferiores como o homem, porque suas concepções filosóficas, racionalísticas não o permitiam, e esta crença é que foi a base das disputas hesicastas; já havia começado com Agostinho que ensinara que não havia sido Deus quem falara com Moisés mas um anjo.

É neste contexto da Necessidade, à qual os próprios deuses obedecem, que devemos compreender a concepção ocidental jurídica da justiça de Deus. Era necessário para Deus punir o homem por sua desobediência. Era impossível para Ele perdoá-lo; uma Necessidade superior exigia vingança. Mesmo que Deus fosse verdadeiramente bom e amoroso, Ele não podia agir amorosamente. Ele estava obrigado a agir ao contrário deste amor; a única coisa que Ele podia fazer, para salvar a humanidade, era punir Seu Filho no lugar do homem, e, deste modo, a Necessidade seria satisfeita.

9. A incompreensão da Graça

Tal é o triunfo do pensamento helenista no Cristianismo. Como um helenista, Orígenes havia chegado às mesmas conclusões. Deus era um juiz por necessidade. Ele era obrigado a punir, a vingar, a mandar pessoas para o inferno. O inferno era criação de Deus. Era uma punição exigida pela justiça. Esta exigência de justiça era uma necessidade. Deus tinha que se submeter a ela. Ele não tinha permissão para perdoar. Existia uma força superior, uma Necessidade que não permitia que Deus amasse incondicionalmente.

Entretanto, Orígenes era também um cristão e sabia que Deus era cheio de amor. Como é possível conciliar um Deus amoroso e que mantém as pessoas no tormento eterno? Se Deus é a causa do inferno, por necessidade então deve haver um fim para o tormento, ou não podemos reconhecer que Deus é bom e amoroso. Esta concepção jurídica de Deus como o instrumento de uma deidade ou força superior e impessoal chamada Necessidade, leva logicamente à “apocastasis” - a restauração de todas as coisas e a destruição do inferno - ou teremos que admitir que Deus é cruel.

A mentalidade greco-pagã não conseguia compreender que a causa do inferno não era Deus mas suas criaturas lógicas. Se Deus não era realmente livre, já que governando pela Necessidade, como poderiam suas criaturas serem livres? Deus não poderia conceder algo que Ele mesmo não possuía. Além disso, a mentalidade greco-pagã não conseguia conceber um amor desinteressado. A liberdade, porém, é o mais alto dom que poderia dar às suas criaturas, porque a liberdade torna as criaturas racionais semelhantes a Deus. Este era um dom inconcebível para os gregos pagãos. Eles não conseguiam imaginar uma criatura que pudesse dizer "não" ao Deus Todo-Poderoso. Se Deus era todo-poderoso, as criaturas não poderiam dizer "não" para Ele. Então, se Deus dava sua Graça ao homem, ele não poderia rejeitá-la, ou Deus não seria todo-poderoso. Se admitirmos Sua onipotência, então Sua Graça deveria ser irresistível e o homem não poderia escapar dela. Assim, a perda da Graça de Deus, que é a morte eterna e espiritual, em outras palavras, o inferno, é na realidade um ato totalmente dependente de Deus. É o próprio Deus quem está punindo estas pessoas, privando-as de Sua graça, não permitindo que ela brilhe sobre eles.

Então Deus é a causa da morte espiritual eterna dos condenados. A danação é um ato de Deus, um ato da justiça divina, um ato por necessidade ou crueldade. Como conseqüência, Orígenes pensou que se quisermos continuar cristãos, se vamos continuar a acreditar que Deus é realmente bom, devemos acreditar que o inferno não é eterno, mas terá um fim, a despeito de tudo que está escrito nas Santas Escrituras e do que a Igreja crê. Tal é a conclusão perfeitamente lógica e fatal. Se Deus é a causa do inferno, o inferno deve ter um fim, ou então Deus é um Deus maligno.

10. O dom irrecusável da gloriosa liberdade

Orígenes, e todos os racionalistas que são como ele, não era capaz de compreender que a aceitação ou rejeição da Graça de Deus depende inteiramente das criaturas racionais; que Deus, como o sol, nunca para de brilhar igualmente sobre bons e maus; que as criaturas racionais são, ainda assim, inteiramente capazes de livremente aceitar ou rejeitar esta Graça e este Amor; e que Deus em seu amor genuíno não força as criaturas à aceitá-lo, mas respeita em absoluto nossa livre decisão. (32) Ele nunca retira Sua Graça e Seu amor, mas a atitude de suas criaturas racionais em relação a estas graça e amor incessantes é que é a diferença entre o paraíso e o inferno. Aqueles que amam Deus são felizes com Ele, aqueles que o odeiam se sentem extremamente miseráveis de serem obrigados a viver na presença Dele, e não existe nenhum lugar onde alguém possa escapar de Sua amorosa onipresença.

Paraíso e inferno dependem de como aceitamos o amor de Deus. Iremos retribuir Seu amor com amor ou iremos dar-Lhe em troca ódio? Esta é que é a diferença crítica. E esta diferença depende totalmente de nós, de nossa liberdade, de nossa escolha livre mais interna, de uma atitude interior perfeitamente livre e que não seja influenciada por condições externas ou fatores internos de nossa natureza psicológica e material, pois não é um ato exterior, mas uma atitude interior, vindo do mais fundo do nosso coração, condicionando não nossos pecados, mas o modo como pensamos sobre eles, como é claramente visto no caso do Publicano e do Fariseu, e no caso dos dois ladrões crucificados com Cristo. Esta liberdade, esta escolha, esta atitude interior em relação ao Criador é o mais interno núcleo de nossa personalidade eterna, é a mais profunda de nossas características, é que nos faz sermos o que somos, é o nosso rosto eterno - luminoso ou obscuro, cheio de amor ou ódio.

Não, meus irmãos, infelizmente para nós, o paraíso e o inferno não dependem de Deus. Se dependessem de Deus, não teríamos nada a temer. Nada temos a temer do Amor. Mas não depende de Deus. Depende apenas de nós mesmos, e esta é que é a tragédia. Deus quer que sejamos Sua imagem, eternamente livres. Ele nos respeita absolutamente. Isto é Amor. Sem respeito, não podemos falar de amor. Somos humanos porque somos livres. Se não fôssemos livres, seríamos apenas animais espertos, não humanos. Deus nunca irá retirar este dom da liberdade que nos faz ser o que somos. Isto significa que seremos sempre o que quisermos ser, amigos ou inimigos de Deus, e isto não mudará, é nosso eu mais profundo. Nesta vida, existem mudanças profundas e superficiais, nas nossas vidas, em nosso caráter, em nossas crenças, mas todas estas mudanças são expressões no tempo do nosso Eu eterno mais profundo. Este eu profundo é eterno em todo o sentido da palavra. É por isto que o paraíso e o inferno são também eternos. Não existe mudança no que realmente somos. Nossas características temporais e nossa história de vida dependem de muitas coisas superficiais que se acabam com a morte, mas nossa personalidade real não é superficial e não depende de coisas que mudam e se acabam. É o nosso eu real. Ele permanece conosco mesmo quando dormimos na tumba, e será a nossa verdadeira face na ressurreição. Ela é eterna.

11. O perigo vem de nós, não de Deus

São João da Escada diz em algum ponto do seu trabalho que "antes de nossa queda, os demônios nos diziam que Deus é um amigo dos homens; mas depois que caímos, eles dizem que Ele é inflexível”. Esta é a mentira malandra do demônio: nos convencer que qualquer mal em nossa vida é da vontade de Deus; que é Deus quem irá nos perdoar ou punir. Desejando nos atirar no pecado e então fazer-nos perder toda esperança de nos libertar deles, os demônios nos apresentam Deus ora perdoando todos os pecados, e às vezes como inflexível. Muitos cristãos, mesmo Ortodoxos, já caíram nesta armadilha. Eles consideram Deus responsável por nós sermos perdoados ou punidos. Isto, meus irmãos, é uma terrível falsidade que faz a maior parte dos homens perderem a vida eterna, principalmente porque ao pensar sobre o amor de Deus, eles se convencem de que Deus, em Seu amor, irá perdoá-los no futuro. Deus sempre ama, sempre perdoa, sempre é amigo dos homens. Entretanto, aquele que nunca perdoa, que nunca é amigo do homem, é o pecado, e nunca pensamos nele como deveríamos. O pecado destrói nossa alma independentemente do amor de Deus, porque o pecado é precisamente a estrada que nos leva para longe de Deus, pois levanta uma parede que nos separa de Deus, destruindo nossos olhos espirituais e nos deixando incapazes de vermos a luz de Deus. Os demônios sempre querem que pensemos que a morte é uma questão da vontade de Deus. Não meus irmãos, devemos acordar para que não nos percamos.

Nossa salvação ou nossa morte eterna não é uma decisão de Deus mas nossa. É decisão de nosso livre arbítrio, o qual Deus respeita absolutamente. Não utilizemos mal a confiança no amor de Deus. O perigo não vem de Deus; vem de nós mesmos.

12. Deus não é a origem do mal

Muitos irão dizer "Mas as próprias Escrituras não falam da fúria de Deus? Não é o próprio Deus que diz que irá punir e perdoar? Não está escrito que ‘Ele é um recompensador dos que o buscam diligentemente’ ?(Hb. 11:6) (33) Ele não disse que a vingança era Dele e que Ele irá pagar o mal feito a nós? Não está escrito que é temível cair nas mãos do Deus vivente?” (34)

No seu discurso intitulado "De Que Deus não é a Causa do Mal", São Basílio, o Grande, escreve o seguinte:

"Mas pode-se dizer, que se Deus não é responsável pelas coisas más, porque está escrito no livro de Isaías, 'Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.' (45:7)". E em outra parte, "porque desceu do Senhor o mal até à porta de Jerusalém". (Mq. 1:12). E, "Sucederá algum mal na cidade, sem que o Senhor o tenha feito?" (Amós 3:6) e na grande ode de Moisés, "Vede agora que Eu, Eu Sou, e mais nenhum deus há além de Mim; Eu mato, e Eu faço viver; Eu firo, e Eu saro, e ninguém há que escape da minha mão." (Dt. 32:39). Mas nenhuma dessas citações, para quem entende o sentido mais profundo das Santas Escrituras, joga qualquer acusação sobre Deus, como se Ele fosse a causa dos males e seu criador, pois Aquele que disse "Eu formo a luz, e crio as trevas", mostra-Se como o Criador do universo, não como o criador de qualquer mal... "Ele cria os males", significa "Eles os remodela e os traz a um melhoramento, de modo que abandonem sua maldade, e tomem a natureza do bem". (35)

Como Santo Isaac, o Sírio, escreve, "é comum que muitas coisas sejam ditas pelas Santas Escrituras e muitos nomes não são utilizados em seu sentido literal... os que possuírem a mente, compreendam" (Homilia 83, p. 317).

São Basílio, no mesmo discurso (36) nos dá a explicação destas expressões das Santas Escrituras: "É por que o medo", diz ele, "edifica os mais simples" e isto não é verdade apenas dos mais simples mas de todos nós. Depois de nossa queda, nós precisamos do medo para podermos fazer qualquer coisa aproveitável e qualquer bem para nós mesmos e para o próximo. Para entendermos as Santas Escrituras, dizem os Pais, devemos manter em mente que o propósito delas é nos salvar e nos levar pouco a pouco à compreensão de Deus, nosso Criador, e de nossa condição terrível.

Mas as mesmas Santas Escrituras explicam em outros lugares de modo mais preciso a verdadeira causa dos nossos males. Em Jeremias 2:17,19, nós lemos:

"Porventura tu não fizestes isto a ti mesmo, esquecendo o Senhor teu Deus, no tempo em que ele te guiava pelo caminho? Agora, pois, que te importa a ti o caminho do Egito, para beberes as águas de Sior? E que te importa a ti o caminho da Assíria, para beberes as águas do rio? A tua malícia te castigará, e as tuas apostasias te repreenderão; sabe, pois, e vê, que mal e quão amargo é deixares ao Senhor teu Deus, e não teres em ti o meu temor, diz o Senhor Deus dos Exércitos."

As Santas Escrituras falam a nossa língua, a língua que entendemos em nosso estado decaído. Como São Gregório, o Teólogo, diz "Pois de acordo com nossa própria compreensão, demos os nomes de nossos próprios atributos aos de Deus". (37) E São João Damasceno explica mais profundamente que o que nas Santas Escrituras "é dito de Deus como se Ele tivesse um corpo, é dito simbolicamente... [há ali] algum sentido oculto, que através de correspondências com a nossa natureza, nos ensinam coisas que ultrapassam a nossa natureza". (38)

13. As punições de Deus

Porém, existem punições que nos são impostas por Deus, ou, melhor dizendo, males feitos a nós pelos demônios e permitidos por Deus. Mas tais punições são o que chamamos de punições pedagógicas. Seu objetivo é que corrijamos nossa vida, ou pelo menos a correção dos outros que podem aprender do nosso exemplo e se corrigir por medo. Existem também punições que não têm o propósito de corrigir ninguém, mas de simplesmente por um fim ao mal dando um fim aos que o estão propagando, de modo que todos na terra sejam salvos da corrupção perpétua e da destruição total; tal foi o caso do Dilúvio nos tempos de Noé e da destruição de Sodoma (39).

Todas estas punições operam e encontram seu propósito no presente estado corrompido de coisas; elas não se estendem além desta vida. Seu propósito é corrigir o que pode ser corrigido, e mudar o que for possível para uma condição melhor, enquanto as coisas ainda podem mudar neste mundo em mutação. Depois da Ressurreição Geral, não haverão mais mudanças. A eternidade e a incorruptibilidade são o estado natural das coisas imutáveis; nenhuma alteração acontece, apenas desenvolvimentos dentro do estado escolhido pelas personalidades livres; desenvolvimentos eternos e infinitos, mas nenhuma mudança, nenhuma alteração de direção, nenhum retorno. O mundo em mutação que vemos a nossa volta está mudando porque é corruptível. O Novo Céu e a Nova Terra que Deus irá criar em Sua Segunda Vinda são incorruptíveis, isto é, sem mudanças. Então, neste Novo Mundo não pode haver correções de forma alguma, e assim as punições pedagógicas não são necessárias. Qualquer punição de Deus neste Novo Mundo da Ressurreição seria claramente um ato vingativo, inapropriado e motivado pelo ódio, sem nenhuma boa intenção ou propósito.

Se considerarmos o inferno como uma punição de Deus, devemos admitir que é uma punição sem sentido, a não ser que admitamos que Deus é um ser infinitamente perverso.

Como diz Santo Isaac:

"Aquele que aplica punições pedagógicas com o fim de dar saúde, está punindo com amor, mas quem está buscando vingança, está sem amor. Deus pune com amor, não Se defendendo - longe disso - mas Ele deseja curar Sua imagem, e Ele não mantém Sua ira por muito tempo. Este caminho do amor é o caminho da retidão, e não muda com uma compulsão por auto-defesa. Um homem que é justo e sábio é como Deus porque ele nunca castiga um homem em vingança por sua perversão, mas apenas para corrigi-lo, ou para que outros tenham medo" (Homilia 73).

Então vemos que Deus pune enquanto houver esperança de correção. Depois da Ressurreição Geral, já não há que se falar de punição de Deus. O inferno não é uma punição de Deus, mas uma auto-condenação. Como São Basílio, o Grande, diz, "os males do inferno, não têm em Deus sua causa, mas em nós mesmos". (40)

14. O julgamento de Deus é a revelação de nossa verdadeira face

Diriam também alguns que as Sagradas Escrituras e os Pais sempre falam de Deus como um Grande Juiz que irá recompensar os que Lhe forem obedientes e punir os que forem desobedientes, no dia do Grande Julgamento (II Tm 4, 6-8). Como devemos compreender este julgamento se formos compreender as palavras divinas não de um modo humano mas divino? Qual é o julgamento de Deus?

Deus é Verdade e Luz. O julgamento de Deus não é outra coisa senão o entrarmos em contato com a verdade e a luz. No dia do Grande Julgamento, todos os homens estarão desnudos perante a luz reveladora da verdade. Os "livros" serão abertos. O que são estes "livros"? São nossos corações. Nossos corações serão abertos por esta luz reveladora de Deus, e o que estiver neles será conhecido. Se lá existir amor por Deus, estes corações irão alegrar-se de ver a luz de Deus. Se, ao contrário, lá houver raiva contra Deus, tais pessoas irão sofrer por estarem recebendo em seus corações abertos esta penetrante luz da verdade que foi por eles sempre detestada.

Assim, o que irá diferenciar entre uma pessoa e outra não será a decisão de Deus, uma recompensa ou punição, mas o que estiver no coração de cada um; o que esteve lá por toda a nossa vida será revelado no Dia do Juízo. Se existe alguma punição ou recompensa nesta revelação - e realmente há - ela não vem de Deus, mas do amor ou do ódio que reina em nossos corações. O amor possui felicidade em si, o ódio possui desespero, amargura, rancor, aflição, perversão, agitação, confusão, escuridão e todas aquelas condições interiores que compõem o inferno (ICor. 4, 6).

A luz da Verdade, a Energia de Deus, a Graça de Deus que descerá sobre a humanidade sem obstáculos da nossa condição corrupta no Dia do Julgamento, será a mesma para todos os homens. Não haverá qualquer tipo de distinção. Todas as diferenças estarão naqueles que a receberem, não Naquele que as dá. O sol brilha sobre os sãos e os doentes igualmente, sem diferenças. Olhos saudáveis deleitam-se com a luz por causa dela podem ver claramente a beleza que os cerca. Olhos doentios sentem dor, ardem, sofrem e querem se esconder desta mesma luz que traz uma tão grande alegria para os que possuem olhos saudáveis.

Mas eis que não há mais possibilidade de escapar da luz de Deus. Durante esta vida há. Na Nova Criação da Ressurreição, Deus estará em todo lugar e em tudo. Sua luz e Seu amor irão irradiar em tudo. Não haverá lugar para se esconder de Deus, como é o caso agora, durante nossa vida corrupta no reino do príncipe deste mundo. (41) O reino do demônio será destruído pela Ressurreição Geral e Deus irá tomar posse novamente de Sua Criação. (42) O amor irá cobrir tudo com seu fogo sagrado que irá fluir como um rio do trono de Deus e irá irrigar o paraíso. Mas este mesmo rio de amor, para os que possuem ódio em seus corações - irá sufocar e queimar.

"Pois o nosso Deus é um fogo que consome" (Hb. 12, 29). O mesmo fogo que purifica o ouro, também consome a madeira. Metais preciosos brilham no fogo como o sol, mas o lixo queima em meio a fumaças negras. Todos estão no mesmo fogo de Amor. Alguns brilham e outros se tornam negros e escuros. Na mesma fornalha o aço brilha como o sol, e o barro escurece e fica duro como pedra. (NT.3)

A diferença está no homem, não em Deus. A diferença é condicionada pela livre escolha do ser humano, que Deus respeita em absoluto. O julgamento de Deus é a revelação da realidade de cada ser humano.

15. Nem ações, nem crença, nem fé: importa quem você é

Considerando o que foi dito é que São Makarios escreve:

"E assim como o reino da escuridão e do pecado estão escondidos na alma até o Dia da Ressurreição, quando os corpos dos pecadores estiverem também cobertos com a escuridão que por enquanto está escondida na alma, então também o fará o Reino da Luz, e a Imagem Celestial, Jesus Cristo, por enquanto misticamente iluminando a alma, e reinando nas almas dos santos, mas escondida dos olhos dos homens... até o Dia da Ressurreição; mas então também o corpo será coberto e glorificado com a Luz do Senhor, que por hora está na alma dos homens [nesta vida terrestre], para que o corpo também reine com a alma que desde já recebe o Reino de Cristo e descansa e é iluminada pela luz eterna" (Homilia 2).

São Simeão, o Novo Teólogo, diz que não é o que o homem faz que conta para sua vida eterna, mas quem ele é, ou seja, se ele é semelhante a Jesus Cristo Nosso Senhor, ou se é diferente Dele. Ele diz: "Na vida futura, não será examinado se o cristão renunciou ao mundo pelo amor de Cristo, ou se ele distribuiu suas riquezas aos pobres, ou se jejuou ou manteve vigílias ou rezou, ou se chorou e lamentou por seus pecados, ou se fez algum bem nesta vida, mas será examinado com atenção se ele possui alguma semelhança com o Cristo, como um filho deve parecer com seu pai".

16. Deus quer ser amado de livre e espontânea vontade

São Pedro Damasceno escreve:

"Todos nós recebemos as bênçãos de Deus igualmente. Mas alguns de nós, recebendo o fogo de Deus, quer dizer, Sua palavra, nos tornamos macios como cera de abelha, enquanto outros semelhantes ao barro, se tornam duros como pedra. E se não O desejamos, Ele não força nenhum de nós, mas como o sol, Ele manda Seus raios e ilumina o mundo inteiro, e quem quiser vê-lo, vê, enquanto quem não quiser, não será forçado. E ninguém é responsável por esta privação da luz exceto o próprio que não deseja ver a Deus.

Deus criou o sol e o olho. O homem é livre para receber a luz do sol ou não. O mesmo é verdade aqui. Deus envia sua luz do conhecimento como raios para todos, mas Ele também nos dá a fé como um olho. Aquele que quiser receber o conhecimento através da fé, a mantém por suas obras, e então Deus lhe concede ainda maior vontade, conhecimento e poder" (Filocalia, Vol. 3, p.8).

17. O rio de fogo banha tanto os bons quanto os maus

Atingimos agora, creio, o ponto para compreender corretamente o que o paraíso e o inferno eternos realmente são, e quem é responsável pela diferença.

No ícone do Julgamento Final, vemos Nosso Senhor Jesus Cristo sentado em um trono. À Sua direita vemos Seus amigos, os homens e mulheres abençoados que viveram por Seu amor. À sua esquerda vemos Seus inimigos, todos que passaram suas vidas odiando-O, mesmo que parecessem ser pios e reverentes. E ali, por entre ambos, saindo do trono de Cristo, vemos um rio de fogo, vindo em nossa direção. O que é este rio de fogo? Seria um instrumento de tortura? Seria uma energia de vingança vinda de Deus para aniquilar Seus inimigos?

Não, nada disso. Este rio de fogo é o rio que "vinha do Éden para irrigar o paraíso" de antigamente (Gn 2, 10). É o rio da Graça de Deus que têm irrigado os santos de Deus desde o início. Em uma palavra, é um derramar do amor de Deus sobre as criaturas. O amor é o fogo. Quem quer que ame sabe disso. Deus é amor, logo, Deus é fogo. E o fogo consome todos os que não são fogo como ele mesmo. E deixa iluminados e brilhantes todos os que estão no fogo (Hb 12, 29).

Muitas vezes Deus mostrou-se como fogo: para Abraão, para Moisés na sarça ardente, para o povo de Israel mostrando-lhes o caminho no deserto como uma coluna de fogo à noite e como uma nuvem brilhante durante o dia quando Ele cobriu o tabernáculo com Sua Glória (Ez. 40, 28,32), e quando Ele fez chover fogo sobre o cume do Monte Sinai. Deus foi revelado como fogo no monte da Transfiguração, e Ele disse que veio "para pôr fogo sobre a terra" (Lc 12,49), quer dizer, amor, porque como São João da Escada disse, "o Amor é fonte de fogo" (Degrau 30, 18).

O escritor grego, Fotis Kontoglou, disse:

"A Fé é fogo que dá calor ao coração. O Espírito Santo desceu sobre a cabeça dos apóstolos na forma de línguas de fogo. Os dois discípulos, quando o Senhor se revelou a eles, disseram ‘Não ardia nosso coração dentro de nós, enquanto Ele falava conosco no caminho?’ Cristo compara a fé a uma ‘vela ardendo’. São João, o Precursor, disse em seus sermões que Cristo iria batizar os homens ‘no Espírito Santo e no fogo’. E verdadeiramente o Senhor disse 'Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está aceso?' Bem, a característica mais tangível da fé é o calor; é por isso que se fala de ‘fé ardente’ ou da ‘fé que aquece’. E assim como a marca peculiar da fé é a quentura, a marca peculiar de descrença é a frieza.

Queres saber como distinguir se um homem tem fé ou descrença? Se sentirdes um certo calor vindo dele - de seus olhos, de suas palavras, de seus modos - esteja certo de que ele possui fé em seu coração. Se porém sentirdes frio vindo de todo o seu ser, isto significa que ele não possui fé, independente do que ele diga. Ele pode se ajoelhar, inclinar sua cabeça humildemente, pronunciar todo tipo de ensinamento moral com uma voz humilde, mas tudo isso irá apenas dar origem a um sopro arrepiante que te deixará tonto de frio". (43)

Santo Isaac, o Sírio, diz que "O Paraíso é o amor de Deus, no qual a felicidade de todas as beatitudes está contida", e que "a árvore da vida é o amor de Deus" (Homilia 72).

Diz São Simeão, o Novo Teólogo:

"Não se engane, Deus é fogo e quando Ele veio ao mundo e tornou-se homem, Ele incendiou a terra, como Ele mesmo diz; este fogo sai procurando pelo que queimar - um plano e uma intenção que são bons - e pelo que acender; e naqueles em quem este fogo se inicia, tornam-se uma grande chama, que alcança o Céu... esta chama primeiro nos purifica das poluições das compulsões e então se torna em nós comida e bebida e luz e júbilo e nos transforma em luz porque nos tornamos participantes da Sua luz" (Discurso 78).

Deus é um fogo amoroso e é um fogo que ama a todos: bons e maus. Existe, entretanto, uma grande diferença nos modos pelos quais as pessoas recebem este fogo amoroso de Deus. São Basílio diz que "a espada de fogo foi colocada nos portões do paraíso para vigiar a aproximação da árvore da vida; ela é terrível e queima os infiéis, mas gentilmente dá acesso aos fiéis, trazendo para eles a luz do dia". (44) O mesmo fogo amoroso traz o dia para aqueles que respondem ao amor com amor, e queima os que retribuem o amor com ódio.

O Paraíso e o Inferno são um só e o mesmo rio de Deus, um fogo amoroso que abraça e cobre tudo com a mesma vontade benevolente, sem qualquer diferença ou discriminação. A mesma água vivificante é vida eterna para o fiel e morte eterna para o infiel; para o primeiro é o próprio elemento da vida, para o segundo é o instrumento de seu eterno sufocar; o paraíso para um é o inferno para o outro. Não ache que isso é estranho. O filho que ama seu pai irá se sentir feliz nos braços de seu pai, mas se não o ama, o abraço de seu pai será um tormento para ele. O mesmo ocorre quando amamos uma pessoa que nos odeia, é como verter carvão aceso e brasas quentes sobre sua cabeça.

Escreve Santo Isaac, o Sírio:

"Eu afirmo que aqueles que sofrem no Inferno, estão sofrendo ao serem açoitados pelo amor... É completamente falso pensar que os pecadores no inferno estão privados do amor de Deus. O amor é um filho do conhecimento da verdade, e é inquestionavelmente dado por completo e igualmente para todos. Mas o poder do amor age de duas formas: atormenta os pecadores, enquanto, ao mesmo tempo, deleita os que viveram de acordo com ele" (Homilia 84).

Deus é amor. Se realmente acreditamos nesta verdade, então sabemos que Deus nunca odeia, nunca pune, nunca se vinga.

Como o Pai Ammonas diz:

"O Amor nunca odeia ninguém, nunca reprova ninguém, nunca condena ninguém, nunca se ressente de ninguém, nunca abomina ninguém, seja fiel ou infiel ou estrangeiro, pecador, promíscuo ou impuro, mas, ao invés disso, é precisamente aos pecadores, e aos fracos e negligentes que ama mais, e se dói por eles e lamenta e condói-se; ele tem compreensão pelos perversos e os pecadores, mais do que pelos bons, imitando a Cristo que chamou pecadores e comeu e bebeu com eles. Por esta razão, mostrando o que o Verdadeiro amor é, Ele ensinou dizendo ‘Sejam bons e misericordiosos como vosso Pai no céu’, e assim como Ele faz chover sobre os maus e os bons e faz o sol nascer para os justos e para os injustos, também o faz Aquele que possui o Verdadeiro Amor e Compaixão e ora por todos". (45)

18. Deus será tudo para todos

Se alguém estiver perplexo e não compreende como é possível que o amor de Deus deixe alguém horrivelmente miserável e torto, e até queimando como se estivesse em fogo, que consideremos o filho mais velho da parábola do Filho Pródigo.

Não estava ele na propriedade de seu pai? Não era dele também tudo que estava ali? Ele não tinha o amor do seu pai? Não foi o seu pai pessoalmente chamá-lo para participar do feliz banquete? O que é que o fazia sentir-se miserável e o queimava com um amargor e ódio internos? Quem negou a ele o que quer que fosse? Por que ele não estava feliz pelo retorno do seu irmão? Por que ele não sentia amor fosse por seu pai ou pelo seu irmão? Não era por causa de seu caráter interno perverso? Não estava ele no inferno por causa disso? E o que era este inferno? Algum lugar separado? Tinha ali algum instrumento de tortura? Não continuava ele a viver na casa de seu pai? O que o separava de todas as pessoas felizes na casa não era seu próprio ódio e sua própria amargura? Por acaso seu pai, ou mesmo seu irmão, deixaram de amá-lo? Não era precisamente esse amor que endurecia seu coração ainda mais? Não era a alegria da casa que o entristecia? Não era ódio que queimava em seu coração, ódio pelo seu pai e pelo seu irmão, ódio do amor do pai pelo seu irmão e ódio do amor do irmão pelo pai?

Isto é o inferno: a negação do amor; amargura ao ver a felicidade inocente; estar cercado de amor e ter apenas ódio no coração. Esta é a condição eterna dos condenados. Eles são todos profundamente amados. São todos convidados para o feliz banquete. Todos eles vivem no Reino de Deus, na Nova Terra e no Novo Céu. Ninguém os expulsa. Mesmo que quisessem ir embora, eles não teriam como fugir da Nova Criação de Deus, nem se esconder da terna onipresença de Deus. A única alternativa deles seria, talvez, afastar-se de seus irmãos em busca de um amargo isolamento, mas nem assim conseguiriam se afastar de Deus e de Seu Amor. E o que é mais terrível é que nesta vida eterna, nesta Nova Criação, Deus é tudo para Suas criaturas.

Como São Gregório de Nissa diz:

"Na vida atual, as coisas com as quais nos relacionamos são numerosas. Por exemplo, tempo, ar, espaço, comida e bebida, roupas, luz do sol, luz dos candeeiros e outras necessidades da vida. Nenhuma delas, por maior que seja seu número, é Deus; o estado abençoado pelo qual almejamos não necessita de nenhuma dessas coisas, mas o Ser Divino se tornará tudo, e tomando a função de tudo para nós, doará a Si mesmo proporcionalmente para cada necessidade daquela existência. É evidente também, das Santas Escrituras, que Deus Se torna, para aqueles que o merecem, localidade e lar e vestimenta e comida e bebida e luz e riqueza e reino e tudo que puder ser pensado e nomeado que contribua para fazer nossa vida feliz" (Da Alma e Da Ressurreição). (46)

Na nova vida eterna, Deus será tudo para suas criaturas, não apenas para os bons, mas também para os perversos, não apenas para os que O amam, mas igualmente para os que O odeiam. Mas como poderão os que O odeiam suportar receber tudo das mãos de quem detestam? Oh, mas que tormento eterno isto será, que fogo eterno, que ranger de dentes!

“Afastem-se de Mim, ó malditos, para o eterno fogo interior do ódio” (47), disse o Senhor, “porque Eu tive sede do seu amor e vocês não o deram para Mim, Eu tive fome de sua alegria e vocês não a ofereceram, para Mim; Eu estive aprisionado na Minha natureza humana e vocês não vieram Me visitar na Minha igreja; vocês são livres para irem aonde seus desejos perversos quiserem, para longe de Mim, no ódio torturante dos seus corações o que é estranho para o Meu coração amoroso, que não conhece o ódio por ninguém. Afastem-se livremente do amor para a tortura eterna do ódio, desconhecido de Mim e dos que estão Comigo, mas preparados pela liberdade para o demônio, desde os dias em que criei minhas criaturas racionais e livres. Mas onde quer que vocês vão na escuridão de seus corações cheios de ódios, Meu amor irá segui-los como um rio de fogo, porque não importa o que seus corações tenham escolhido, vocês são e continuarão eternamente sendo, Meus filhos”. Amém.

Notas do Tradutor (NT)

1. Os Pais utilizavam sistematicamente as expressões "paixão" e "desapaixonado", respectivamente com conotações negativas e positivas. Elas não possuíam, naquela época, os mesmos significados de hoje. Hoje, o termo "paixão" significa, entre outras coisas, um sentimento muito intenso e, mais especificamente, um amor muito intenso.

Neste sentido, Deus é eternamente apaixonado, pois nenhum amor é maior do que o Dele. Porém, a origem da palavra "paixão" (e lembremos que os pais escreviam em grego e latim) é a mesma de "passivo" (e daí o adjetivo "passional"), isto é, algo ou alguém que, sem autonomia própria se reduz a sofrer as ações do meio, do seu subconsciente e dos demônios. Quem sente muita paixão é movido, seja por prazeres ou dores; ou seja, não é agente da sua própria vida.

Por isso os Pais tinham a "paixão" como algo negativo. Alguém "passional" ou cheio de paixão era alguém que podia ser jogado para lá e para cá pelo meio, pelas emoções e pelas pessoas, pelas dores e pelos prazeres, alguém que meramente reage. Ele vê comida e come, vê alguém do sexo oposto e imediatamente é afetado por isso, enfim, é alguém que não é senhor ou senhora de si mesmo. Por isso a meta era tornar-se "impassivo", não no sentido de reprimir sentimentos como se utiliza o termo hoje em dia, mas no que, hoje, chamaríamos de ter "vontade própria", sendo que os Pais reconhecem que a nossa "vontade própria" tem sempre limite para sua força e por isso sempre haverá algo mais forte para afetá-la contra nós mesmos. Por isso devemos deixar que a Vontade Infinita de Deus seja a nossa vontade, pois nada pode superá-la. Eu, como tradutor, busco sistematicamente traduzir "paixões" como "compulsões", o termo moderno mais próximo do que os pais queriam dizer, isto é, uma torrente de sentimentos, emoções e pensamentos que nos toma e segue rumo próprio sem que tenhamos controle. Gula, luxúria, ira, medo, desejo e demais sentimentos pecaminosos são compulsões que nos tornam mero joguete do meio, de traumas, do nosso passado, dos demônios e, não raro e talvez pior, de outros seres humanos.

A fonte deste texto, uma tradução em inglês de um original em grego, utiliza o termo "dispassionate" ou "desapaixonado" em português. Repare que "desapaixonado", em português, possui uma certa conotação de apatia e indiferença que certamente não é o que o autor, ou os Pais, queriam dizer. Vale inclusive lembrar que a apatia era considerada pecado sob o nome de “acídia” e que têm sido recorrentemente traduzida como mera preguiça. Prefiro assim traduzir pela construção "sem compulsões" separando em duas palavras os dois conceitos que, no original, são expressos por um prefixo e um radical, atendendo ao que penso ser uma maior clareza e fidelidade ao sentido patrístico. Como se vê, o que a disciplina do auto-controle cristão recomenda não é um ser apático e indiferente ao mundo. De fato, é o próprio Cristo que diz "Seja seu falar sim, sim; não, não. Seja frio ou seja quente, mas se fordes morno eu vos vomitarei de mim." Nenhuma dessas palavras se enquadra com o ser uma máquina indiferente. O autocontrole cristão, expressado da forma explicada pelos Pais, está resumido no dizer do Cristo "Estais no mundo, mas não pertenceis a ele". Devemos ser uma imagem de Cristo e não do mundo, isto é, não devemos permitir que o mundo nos molde, mas apenas Deus.

2. Infelizmente muitos dos povos ortodoxos mantêm o anti-semitismo como parte integrante da sua cultura. Tal sentimento, porém, não traduz o ensinamento da Igreja sobre a relação com os judeus. Já houveram patriarcas, bispos e mesmo santos que defenderam os judeus até da sanha de violência de cristãos que se deixaram levar por esse sentimento hediondo. Ao mesmo tempo, a Igreja, de fato, se vê como a continuidade da Israel do Antigo Testamento. O importante é que como cristãos, abracemos o ensinamento do texto de que devemos ser semelhantes a Deus e amemos sempre e sempre.

A Igreja e a cultura cristã se sobrepõem às vezes, mas não são a mesma coisa. A Igreja já existia muito antes de existir uma sociedade e uma cultura cristã. Ela existia antes, inclusive, de haver uma doutrina cristã. Culturas e sociedades cristãs existiram e existirão, mais ou menos contaminadas pelas virtudes e vícios de cada época, seja o anti-semitismo ou o abuso das liberdades civis. É assim que hoje vemos à nossa volta a dissolução da cultura e da sociedade cristã ocidentais, formadas ao longo do segundo milênio, havendo mesmo menções a já estarmos vivendo uma era pós-cristã no Ocidente.

Muitos se desesperam por isso e penso que é mesmo lamentável que estejamos em um processo de perda das conquistas da liberdade no Ocidente. Ainda assim, uma cultura cristã pode passar, mas a Igreja não passará, pois ela é o próprio Corpo teantrópico de Cristo e Ele disse que permanecerá conosco até o fim dos tempos. O fato místico da encarnação do Cristo não depende de uma organização, cultura, império, país, nação ou instituição social. Não depende sequer de uma sociedade. Uma sociedade e uma cultura se tornam cristãs pelo simples fato de tomarem a Igreja como referência e aceitarem o evento histórico da Encarnação, Morte e Ressurreição de Deus como Filho, segundo da Trindade bem como os princípios fundamentais do Credo, que sumarizam a essência da fé. Uma vez que estas coisas são aceitas como concretas, objetivas e reais, então as atitudes, as morais, os hábitos, as leis e as instituições vão aos poucos sendo “batizadas”, isto é, recebem em si o influxo da Graça remodeladora que as recria de forma orgânica. É assim que podem existir sociedades e culturas cristãs cujos ordenamentos sociais sejam diferentes entre si. O que possuem em comum é a fé em Deus e na Igreja, e o fato de que, de qualquer que tenha sido o ponto de partida delas, todas, uma vez batizadas, agora apontam e se aproximam – sem jamais alcançar neste mundo – de uma sociedade cristã ideal. A cultura cristã pode passar, países, nações, povos e sociedades cristãs podem passar; mas a Igreja é Eterna.

3. É meditando sobre o que foi dito neste parágrafo que podemos finalmente compreender as passagens do Êxodo nas quais se diz que "O senhor endureceu o coração do Faraó" (Ex. 9:12; 10:20,27; 11:10; 14:8). Não é que o Senhor tenha cometido dois pecados, como se alega, o primeiro ao violar o livre-arbítrio do faraó e o segundo, fazê-lo para cometer o mal contra os hebreus. O amor de Deus descia também sobre o Faraó. As pragas eram avisos, começando da mais inócua até a mais grave. Este amor de Deus, descendo sobre o coração do Faraó, cheio de ódio, deixava o líder do Egito apenas mais furioso.
Basta imaginar como reage uma criança que sofre sucessivas reprimendas bem-intencionadas sem se deixar corrigir, para, subindo na escala da analogia, compreender como reagia este homem possuído pelo orgulho de ser ditador do maior império de sua época, senhor de escravos, quando alguém ousava sentir piedade e misericórdia dele. Consumido por sua hybris, endurecia seu coração para não cometer a "indignidade" de receber o amor e a piedade de Deus. O amor de Deus endurecia seu coração.

Notas do autor

Capítulo 2:

1. “Isto é o mal: afastamento de Deus.”, S. Basílio, O Grande. De que Deus Não é a Causa dos Males, Ellenes Pateres tes Ekklesias (EPE - Pais Gregos da Igreja) 7,12. “Já que muitos... ao se afastarem de Deus em suas vontades, Ele traz a eles separação de Si mesmo; e separação de Deus é morte”. St. Ireneu. Contra as Heresias 5.27.2 “Os homens, ao rejeitarem as coisas eternas e, pelos conselhos do demônio, voltando-se para as coisas da corrupção, se tornam causa de sua própria corrupção na morte”. St. Atanásio,o Grande. Da Encarnação 5 5 (Migne, PG 25.104-105) “Pois o tanto que ele se afasta da vida é o tanto que se aproxima da morte. Pois a vida é Deus e privar-se da vida é morte. De modo que Adão foi o autor da própria morte através do afastamento de Deus”. S. Basílio,o Grande(PG 31. 345).

2. “O sacrifício redentor...foi realizado com o objetivo de restabelecer a relação anteriormente harmoniosa entre o céu e a terra que havia sido revirada pelo pecado, para expiar por uma moral desprezível, para satisfazer a justiça afrontada de Deus”.Encíclica Pascal de 1980 do Patriarca Ecumênico Demétrius, Episkepsis (em grego), no. 229, 15 de abril de 1980.

3. “Realmente tolo e desprovido de cérebro e de todo entendimento, portanto, é aquele que diz que Deus não existe. Junto deste, e não menos louco, está aquele que diz que Deus é a causa dos males. Considero que os pecados de ambos são de igual gravidade porque cada um renega o Bom de modo semelhante; o primeiro nega que Ele exista de todo, enquanto o último O define como não sendo bom, pois se ele é a causa do mal, então Ele claramente não é bom; então de ambos os lados existe uma negação de Deus.” S. Basílio, O Grande. op.cit., 7,90

Capítulo 4:

4. “Mas alguns dirão, realmente Adão caiu, e, por desconsiderar o mandamento divino, ele foi condenado à corrupção e à morte. Mas como se tornaram pecadoras as multidões por conta disto? O que tem as transgressões dele a ver conosco? Como pode ser que nós, que nem tínhamos nascido, tenhamos sido condenados junto com ele, já que Deus diz ‘Os pais não sofrerão pena de morte por causa de seus filhos e os filhos não sofrerão pena de morte pelos pais; cada um irá morrer por causa de seu próprio pecado”? (Deut. 24:18). É certo, portanto, que a alma que peca irá morrer, mas nos tornamos pecadores através da desobediência de Adão deste modo: Adão foi criado para incorrupção e para a vida, e sua vida de deleites no Paraíso era santa, sua mente inteira estava continuamente envolta em visões divinas, e seu corpo era tranqüilo e sereno, já que todos os prazeres vergonhosos estavam aquietados, pois não havia distúrbio ou emoções destemperadas nele. Entretanto, desde que caiu sob o pecado e afundou na corrupção, tais prazeres e poluições penetraram na natureza da carne, e então foi inscrita em nossos membros uma lei selvagem. A natureza se tornou doente de pecado através da desobediência de um, Adão, e assim a multidão também se tornou pecadora, não como se tivessem pecado com Adão – pois sequer existiam – mas como sendo da mesma natureza dele, que havia caído na lei do pecado...por causa da desobediência, a natureza humana em Adão se tornou instável pela corrupção, e assim as compulsões foram introduzidas nela...” St.Cirilo de Alexandria. Interpretação da Epístola aos Romanos (p. 74. 788-789).

“E além disso, se os que foram nascidos de Adão se tornaram pecadores por causa do pecado dele, muito justamente, não podem ser responsabilizados, pois eles não se tornaram pecadores por si mesmos; assim, o termo “pecador” é usado no lugar de “mortal” porque a morte é penalidade do pecado. Já que no primeiro homem feito a natureza se tornou mortal, todos os que compartilham da natureza do ancestral, conseqüentemente, compartilham da mortalidade. Euthymios Zigabernos, Interpretação da Epístola aos Romanos, 5:19.

5. Significa algo completamente diferente do que costumamos chamar pelo termo “justiça”. Tal ignorância fez com que considerássemos como paradigmas da Ortodoxia algumas teorias bem estranhas, mas particularmente a concepção jurídica da salvação que é baseada em uma justiça que se assemelha à Necessidade (Ananke) dos antigos, e oprime não apenas o homem mas também a Deus, e confere um aspecto sombrio ao Cristianismo. Veja o relevante estudo de S. Lynonnett "La Soteriologie Paulienne," Introduction a la Bible 11, (Bélgica: Desclées & Bower), p. 840.

6. (6) “Se um homem pronta e alegremente aceita uma perda por amor a Deus, ele é interiormente puro. E se ele não despreza outros por causa de seus próprios defeitos, ele é verdadeiramente livre. Se um homem não se sente lisonjeado quando alguém o honra, nem desagradado quando o desonram, então ele está morto para este mundo e para esta vida. A atenção do discernimento é superior a toda disciplina humana desenvolvida por qualquer modo e em qualquer nível.

“Não odeie o pecador. Pois estamos todos carregados de culpa. Se fordes movido pelo amor de Deus a opô-lo, verta lágrimas por ele. Por que você o odeia? Odeie os pecados dele e ore por ele, para que assim imite o Cristo que não sentia ira pelos pecadores, mas intercedia por eles. Você não vê como Ele vertia lágrimas por Jerusalém? O demônio zomba de nós tantas vezes, então porque deveríamos odiar o homem que é zombado por aquele que zomba de nós também? Por que, ó Homem, odeias o pecador? Seria porque ele não é tão correto quanto você? Mas onde está a sua correção se não tens amor? Por que não derramas lágrimas por ele, mas o persegue? Por ignorância, alguns são motivados pela raiva, achando que eles mesmos sabem discernir as ações dos pecadores.

"Seja um anunciador da bondade de Deus, pois Deus te governa, por mais imerecedor que sejas; pois embora tua dívida para com Ele seja enorme, ainda assim Ele não exige o pagamento de ti. E pelas pequenas obras que tu realizas, Ele concede enormes recompensas para ti. Não chames Deus de justo, pois a justiça Dele não é manifesta nas coisas que te concernem. E se Davi O chama de justo e correto (cf. Salmos 24:8, 144:17), Seu Filho revelou-nos que Ele é bom e gentil. 'Ele é bom', diz Ele, 'para o mal e o infiel' (cf. Lc. 6:35). Como podes chamar Deus de justo quando encontras passagens Escriturais sobre o salário pago aos trabalhadores? 'Amigo, não cometo injustiça convosco. Eu vou pagar ao último o mesmo que a ti. Se tornará vosso olho perverso por eu ser bom?' (Mt. 20:12-15).
Como pode um homem chamar Deus de justo quando se depara com uma passagem com a do filho pródigo que desperdiçou sua riqueza com uma vida de esbórnia, e, por seu mero arrependimento, o pai corre até ele e o abraça pelo pescoço e lhe dá autoridade sobre toda a sua riqueza? (Lc. 15:11). Nenhum outro senão Seu próprio Filho disse tais coisas a respeito Dele, caso haja dúvida. E assim Ele é testemunha Dele. Onde, então, está a justiça de Deus, se somos os pecadores e Deus morreu por nós? (Rom. 5:8). Mas se Ele é misericordioso, podemos crer que Ele não irá mudar [p.ex. no que concerne ao estado após a morte, o qual St. Isaac menciona pouco abaixo].

Que jamais nos ocorra uma tal iniqüidade como pensar que Deus pode se tornar impiedoso! Pois a propriedade da Divindade não muda como ocorre com os mortais. Deus não adqüire algo que não tem, nem perde o que tem, nem suplementa o que já tem, como fazem os seres criados. Mas o que Deus tem desde o início, Ele terá e tem até o (infindável) fim. Como o abençoado Cirilo escreveu em seu comentário sobre o Gênesis. Tema a Deus, ele diz, por amor a Ele, e não pela seriedade do nome que Ele recebeu. Ame-O como você deve amá-Lo; não pelo que Ele lhe dará no futuro, mas pelo que recebemos, e por este mundo que seja, que Ele criou para nós. Qual é o homem que poderia pagá-Lo? Como poderia uma recompensa a Ele ser encontrada em nossos trabalhos? Quem O persuadiu, no início, a nos trazer para a existência? Quem intercede por nós perante Ele, quando não possuirmos a [faculdade da] memória, como se nunca tivéssemos existido? Quem irá despertar este nosso corpo [Siríaco: nossa corrupção] para aquela vida? E ainda, como descende a noção de conhecimento para pó? Ó, a maravilhosa misericórdia de Deus! Ó, o estupor na recompensa de nosso Deus e Criador! O poder para O qual tudo é possível! Ó, a bondade imensurável que, mesmo sendo pecadores, nos leva de volta para sua Regeneração e descanso! Que é suficiente para glorificá-lo? Ele eleva o transgressor e o blasfemador, ele renova o pó desprovido de razão, tornando-o racional e capaz de compreender. E o pó espalhado e insensível e os sentidos em desarranjo,Ele faz uma natureza racional digna de pensar. O pecador está incapacitado para compreender a graça de Sua Ressurreição. Onde está o Gehena que pode nos afligir? Onde está a perdição, que nos aterroriza de muitos modos e ofusca o júbilo do Seu amor? E o que é o Gehena quando comparado à Graça de Sua ressurreição quando ele nos levantará do Hades e irá fazer que nossa natureza corruptível seja abrigada na incorruptibilidade, e elevará em Glória os que tiveram caído no Hades?

"Vinde, homens de discernimento, e sejam tomados de maravilhamento! Quem tem o espírito suficientemente sábio e maravilhoso para se deslumbrar adeqüadamente com a recompensa de nosso Criador? Sua recompensa para os pecadores é, que ao invés da paga justa, Ele os recompensa com a ressurreição, e ao invés dos corpos com os quais eles pisotearam Suas leis, Ele os veste com a perfeita glória da incorrupção [St. Isaac fala aqui dos que se arrependeram, o que é evidente considerando-se outras passagens similares em seu livro].Aquela graça pela qual somos ressurrectos depois de termos pecado é maior do que a que nos é dada se nunca pecamos. Glória à Tua imensurável Graça, Ó Senhor! Contemplai, Senhor, as ondas de Tua Graça fecharem minha boca com silêncio, e não resta um só pensamento em mim perante a Tua face em ação de graças. Que boca pode confessar Teu louvor, ó Bondoso Rei, Ó Tu que amas nossa vida? Gloria a Ti pelos dois mundos que Tu criastes para nosso crescimento e deleite, guiando-nos por todas as coisas que moldastes para o conhecimento da Tua glória, hoje e pelas eras. Amém." St. Isaac, o Sírio, Homília 60

7. Ibidem

8. " 'Pois Deus amou o mundo de tal maneira que entregou seu Filho unigênito à morte por ele.' Não que Ele não pudesse ter nos redimido por outros meios, mas Ele desejou manifestar para nós Seu amor sem amarras, e nos aproximar Dele através da morte de Seu Filho unigênito. De fato, se Ele possuísse algo ainda mais precioso que Seu Filho, Ele o teria entregue por amor a nós, de modo que através desta coisa mais valiosa nos encontrássemos próximos dele. Por Seu abundante amor, Ele não Se agrada de violentar nossa liberdade, embora fosse possível a Ele fazê-lo; mas Ele permite que seja assim para que nos aproximemos Dele por nossa própria vontade e amor." St. ISaac, o Sírio, Homília 81.

9. "Em tempos de despondência, nunca deixe de manter em mente o mandamento do Senhor para Pedro, de perdoar setenta vezes sete uma pessoa que tenha pecado. Pois Aquele que deu tal mandamento para outro irá Ele mesmo perdoar muito mais" S. João Clímaco, Escada da Ascensão Divina, Degrau 26, (Boston: Mosteiro da Santa Transfiguração, 1978), p. 147.

10. "Um homem que é justo e sábio é como Deus porque ele nunca condena outro homem em vingança de sua perversão, mas apenas para corrigi-lo, ou para que outros tenham medo." St. Isaac, o Sírio, Homilia 73."Deus concedeu-nos este grande benefício: que Ele não permitirá o pecado eternamente." Teófilo de Antioquia para Autolycus 2.26

11. "E Deus viu todas as coisas que havia feito e, contemplem, elas eram muito boas." Gênesis 1:31 " [Deus] criou tudo que tem boas qualidades, mas o despudor dos demônios utilizou estas produções da natureza para propósitos malignos, e a aparência do mal de que se revestem é deles e não do Deus perfeito." Tatiano aos Gregos 17.

"A construção do mundo é boa, mas a vida do homem nele é má." Ibid. 19. "Pois nada foi feito primeiramente mau por Deus, mas bom, sim, muito bom." Teófilo de Antioquia para Autolicos 2.17. "Pour l’hebreau, le sensible n’est pas mauvais, ni fautif. Le mal ne vient pas de la matiere. Le monde est tres bon [Para o hebreu, as coisas perceptíveis não são más, nem são elas erradas. O mal não advém da matéria. O mundo é "muito bom". C. Tresmontant, Essai sur la Pensee Hebraique Paris 1953). "Não há nada que exista que não participe do belo e do bom." S. Dionísio, o Aeropagita, Dos Nomes Divinos (pg 3. 704). "Pois mesmo que os motivos pelos quais certas coisas acontecem nos escapem, que este dogma seja certo em seu coração: que nada mal é feito pelo bem". S. Basílio, o Grande, ElIE 7, 112."Pois não é da parte de Deus incitar-nos a coisas contra a natureza... Mas Deus, sendo perfeitamente bom, está eternamente fazendo o bem." Atenágoras, Embaixada, 26. "Posto que Deus é bom, o que quer que Ele faça, é feito por amor do ser humano. Mas o que quer que o ser humano faça, o faz por seu próprio bem , seja bom ou mal". Filocalia, vol. 1. capítulo 121, St. Antônio, o Grande.

12. "O demônio é mau de um tal modo que é maligno na disposição, mas não que sua natureza esteja em oposição ao bem". S. Basílio, o Grande, EPE, 7, 112. "Já que Deus é bom, o que quer que Ele faça, Ele faz por amor pelos seres humanos. Mas o que quer que o ser humano faça, o faz por si mesmo, faça o bem ou faça o mal." Filocalia, vol. 1, cap. 121, St. Antônio, o Grande.

13. "Pois Deus não fez a morte, nem sente Ele prazer na destruição dos vivos, pois Ele criou todas as coisas de modo que cada um possa ter seu ser, e as gerações do mundo eram saudáveis, e não há veneno da destruição nelas, nem Reino de Hades sobre a terra." Sabedoria de Salomão 1:13-14 "Pois Deus criou o homem para ser imortal e o fez como imagem da sua própria eternidade. Ainda assim, através da inveja do demônio, veio a morte para o mundo." Sabedoria de Salomão 2:23-24.

14. "E então aquele que foi feito à semelhança de Deus, porque o mais poderoso Espírito [o Espírito Santo] está separado dele, torna-se mortal." Tatiano ao Gregos 7.

15. "Pois o tanto que afastou-se da vida, foi o tanto que aproximou-se da morte. Pois Deus é vida; privação da vida é morte. De modo que Adão foi o autor da sua própria morte através de seu afastamento de Deus, de acordo com a Escritura que diz 'Pois contemplai, aqueles que se retiram de Ti perecem." Salmo 72:27.

16. "Portanto Deus não criou a morte, mas nós a trouxemos sobre nós mesmos por causa de uma inclinação maligna. E mesmo assim, Ele não impediu nossa dissolução provocada pelas mencionadas causas, para que Ele não tornasse imortal em nós nossa fraqueza." S. Basílio, o Grande (pg. 31. 345).

17. "Mas, posto que muitos afastam-se de Deus por sua própria escolha, Ele inflinge esta separação Dele mesmo, a qual eles escolheram por si mesmos. Mas a separação de Deus é morte, como separação da luz é trevas.... Não é o
caso, entretanto, de que a luz inflija sobre eles a pena da escuridão." St. Irineu Contra as Heresias 5. 27:2. "Mas outros recusam a luz e se separam de Deus..." Ibid., 5. 28:1

18. Filocalia, vol. 2, p. 27 (edição grega), S. Máximus, o Confessor.

19. "Nos tornamos os herdeiros da maldição de Adão. Certamente não fomos punidos como se nós tivéssemos desobedecido o mandamento com ele, mas porque ele tornou-se mortal, ele transmitiu o pecado para sua semente; nascemos mortais de um mortal." St. Anastácios, o Sinaíta, 19. Vide I. N.Karmire, Sunoyis Dofmatikes Didaskalias tes Orthodoxou Katholikes Ekklesias, p. 38.

20. A transgressão do homem contra a justeza do Criador trouxe a pena de morte sobre a alma; pois quando nossos ancestrais esqueceram-se de Deus e escolheram realizar suas próprias vontades, Ele os abandonou, não sujeitando-os a coerção. E pelas razões que mencionamos anteriormente, Deus amavelmente os avisara desta sentença. Mas Ele absteve-se e adiou a execução da sentença de morte sobre o corpo; e enquanto Ele a pronunciava, Ele relegava seus efeitos para o futuro, na profundeza de Sua sabedoria e superabundância de Seu amor pelo ser humano. Ele não disse a Adão 'retorne para de onde fostes retirado', mas 'és terra, e para a terra retornarás' (Gen. 3:19). Quem ouve isto com compreensão também entende que estas palavras que Deus 'não fez a morte' (Sabedoria 1:13), seja a da alma ou do corpo. Pois quando Ele primeiramente deu o mandamento, Ele não disse 'no dia em que comerdes disto, morra!', mas 'no dia em que comerdes isto, certamente morrerás' (Gen. 3:19), deste modo avisando, permitindo com justeza e sem coerção o que estava por acontecer." S. Gregório Palamás, Moral e Prática Teológica e Física, Capítulo 51 (pg. 1157-1160).

21. "A árvore do conhecimento em si mesma era boa, e seu fruto era bom. Pois não era a árvore que tinha morte em si, como alguns pensam, mas a desobediência é que tinha morte em si; pois nada havia no fruto além de conhecimento; e conhecimento é bom quando usado apropriadamente." Teófilo de Antioquia para Autolycus 2. 25. "A árvore não provocava morte, mas Deus não criou a morte; mas a morte é a conseqüência da desobediência." S. João Damasceno, Homilia sobre o Santo Sábado 10 (pg. 96. 612a).

Capítulo 5:

22. "'E o que é um coração misericordioso? É o ardor do coração por amor de toda a criação, pelo homem, pelos pássaros, pelos animais, pelos demônios, e por todo coisa criada; e pela relembrança e visão deles, os olhos da
pessoa misericordiosa vertem abundantes lágrimas. De uma misericórdia forte e veemente que se ata ao seu coração e de sua grande compaixão, seu coração é feito humilde e não suporta ouvir ou ver qualquer dano ou leve tristeza na criação. Por esta razão ele continuamente oferece uma oração lacrimejante, mesmo pelas feras irracionais, pelos inimigos da verdade e por aqueles que o prejudicam, para que sejam protegidos e recebam a misericórdia. E de modo semelhante, ele ora até pela família dos répteis por causa de sua grande compaixão que arde em seu coração sem medida à semelhança de Deus." St. Isaac, o Sírio, Homilia 81.

23. "Não é Deus que é hostil, mas nós; pois Deus nunca é hostil." S. João Crisóstomo (pg 61. 478).

Capítulo 6:

24. Ver J. S. Romanides, Ton Propatorikon Amartema (Atenas, 1957).

Capítulo 7:

25. "Portanto, cremos em um Deus, um princípio, sem início, não-criado, não-gerado, indestrutível e imortal, eterno, ilimitado, incircunscrito, sem nada que o prenda, infinito em poder, simples, não-composto, incorpóreo, não muda nem é mudado, não é afetado por nada, inalterado, invisível, fonte do bem e da justiça, luz intelectual e inacessível; poder o qual nenhuma medida pode dar a mais mínima idéia e que é medido apenas por Sua própria vontade, pois Ele pode fazer todas as coisas que O agradem; Fazedor de todas as coisas sejam visíveis ou invisíveis, sustentando todas as coisas e conservando-as, Provedor de tudo, governando e dominando tudo em um reino sem fim e imortal; sem contradição, preenchendo todas as coisas, contido por nada, mas Ele mesmo contendo todas as coisas, sendo delas Conservador e primeiro Proprietário; permeando todas as substâncias sem ser por elas maculado, existindo muito acima de todas as coisas e de toda substância como ser supersubstancial e superando a todas, super-eminentemente divino e bom e repleto; definindo todas as principalidades e ordens, acima de toda principalidade e ordem, acima da essência e da vida e da linguagem e de conceito; a própria luz e bondade. É o ser considerando não possuir ser nem nada derivado de outra coisa; a própria fonte do ser para todas as coisas que são, da vida para os que vivem, da linguagem para os articulados, e a causa de todas as coisas boas para todos; conhecedor de todas as coisas antes que elas comecem a ser; uma substância, uma divindade, uma virtude, uma vontade, uma operação, uma principalidade, um poder, uma dominação, um reino; conhecido em três Pessoas perfeitas em uma só adoração, crido e adorado por toda criatura racional, unido sem confusão, distinto sem separação, o qual está além do entendimento. Nós acreditamos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, no qual fomos batizados. Pois é assim que o Senhor enviou os apóstolos "Batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". S. João Damasceno, Exposição Exata da Fé Ortodoxa 1. 8.

26. "Ele criou sem matéria." S. João Crisóstomo (pg. 59 308.).

27. S. João Damasceno op. cit. 1.14.

28. S. João Damasceno, op. cit. 1. 8.

29. "A alma sem o corpo nada pode fazer, nada bom nem ruim. As visões que alguns têm concernentes as coisas do além são reveladas por Deus como dispensação para seu proveito. Assim como a lira permanece inútil e silenciosa se não há ninguém para tocá-la, também a alma e o corpo, quando estão separados, não podem fazer nada." St. Atanásio, o Grande.

Capítulo 8:

30. "Pois cada um destes, em seu próprio tipo, é um corpo, ou anjo, ou alma, ou demônio. Ainda que sutis, são substanciais, têm caráter e imagem de acordo com a sutileza de suas respectivas naturezas. Eles são corpos sutis." S.
Macário, o Grande, Cinqüenta Homilias Espirituais, 4, 9.

31. "Vamos e contemplemos as tumbas; o homem é apenas ossos e comida para vermes e fedor." Grande Euchologion, (Veneza, 1862), p. 415. "Pois assim como a luz quando se põe a noite não se perde, também o homem quando é entregue ao túmulo é como um poente; ainda ele é preservado para a aurora da ressurreição." S. João Crisóstomo.

Capítulo 10:

32. "Aquele que reprova ao Senhor por não ter-nos feito sem pecado por natureza, nada faz senão estimar a natureza irracional mais do que a racional." S. Basílio, o Grande, EP, 7, 110.

Capítulo 12:

33. Também, "Não jogueis fora vossa confiança, a qual possui uma grande recompensa como retribuição." (Hebreus 10:35).

34. "Porque se voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados,mas uma expectação terrível de juízo, e um ardor de fogo que há
de devorar os adversários. Havendo alguém rejeitado a lei de Moisés, morre sem misericórdia, pela palavra de duas ou três testemunhas; de quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do pacto, com que foi santificado, e ultrajar ao Espírito da graça? Pois conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo." Hebreus 10:26-31.

35. S. Basílio o Grande, op. cit. 7, 94-96. Nesta passagem em particular, S. Basílio cuidadosamente faz um distinção entre os verbos gregos "ktizw" e "demiourgew", ambos os quais são geralmente traduzidos como "criar". Entretanto, "ktizw" tem uma longa história, começando com o Sânscrito "kshi", o qual, como em grego antigo, significava "popular um país", "construir casas e cidades", "colonizar." Mais tarde, em grego, a palavra passou a significar "estabelecer", "construir e desenvolver", e finalmente "produzir", "criar", "concretizar". Tendo em mente estas outras conotações do verbo "ktizw", S. Basílio discerne a implicação apropriada da palavra neste contexto e portanto fez questão de enfatizar esta distinção.

36. Ibid. 7.98.

37. S. Gregório, o Teólogo, Quinta Oração Teologal 22(pg 36. 157).

38. S. João Damasceno, op. cit. 1.11.

Capítulo 13:

39. "Fome e seca e inundações são pragas comuns nas cidades e nações que chegam ao excesso do mal. Portanto, assim como o médico é um benfeitor mesmo quando provoca dor ou sofrimento ao corpo (pois ele luta contra a doença e não contra o sofredor), da mesma maneira Deus é bom quando administra salvação a todos através dos meios de punições particulares. Mas você, você não apenas não fala mal do médico que corta alguns membros, cauteriza outros e amputa outros completamente do corpo, mas ainda lhe dá dinheiro e se dirige a ele como seu salvador porque ele confina a doença em uma pequena área antes que ela possa reclamar para si o corpo inteiro. Entretanto, quando você vê uma cidade esmagando seus habitantes em um terremoto, ou um navio afundando no mar, você não se intimida por falar com uma língüa blasfema contra o nosso verdadeiro Médico e Salvador.S. Basílio, o Grande, op. cit. 7, 94. "E vocês podem aceitar a frase 'Eu mato e farei viver' (Deut. 32:39), literalmente se quiserem, já que o medo edifica os mais simples. 'Eu esmagarei e curarei' (Deut. 32.39) Também é proveitoso compreender esta frase literalmente; pois o esmagar gera medo, enquanto o curar incita ao amor. É permitido a vocês, ainda assim, aterem-se a uma compreensão mais nobre e sublime do que foi dito. Eu irei destruir através do pecado e farei viver através da correção. 'Mas embora nosso homem exterior pereça, o homem interior é renovado dia a dia' (II Cor. 4:16). Portanto, ele não esmaga um enqüanto dá vida para outro, mas pelos meios que Ele esmaga, Ele dá vida ao homem, e Ele cura o homem com aquilo que nos destrói, de acordo com o provérbio que diz, 'Bata nele com a vara, e irá livrar a alma dele da morte' (Prov. 23:14). Então a carne é castigada para que a alma seja curada, e o pecado é condenado a morte para que a correção possa viver... quando vocês escutarem 'Não haverá mal em uma cidade que o Senhor não tenha provocado' (cf. Amos 3:6), compreendam que a palavra 'mal' implica as tribulações sofridas pelos pecadores para a correção das ofensas.

Pois as Escrituras dizem, 'Pois eu vos afligi e vos corrigi, para fazer-vos o bem' (Cf. Deut. 8:3); então também o mal é exterminado antes que vaze sem contenção, como um forte dique ou parede contém um rio.

" Por estas razões, doenças das cidades, nações, inundações, esterilidade da terra e as condições mais difíceis na vida de cada um, interrompem o crescimento da perversidade. Portanto, tais males vêm de Deus para desenraizar os verdadeiros males, pois todas as tribulações do corpo e todas as coisas dolorosas foram planejadas para restringir o pecado. Deus, portanto, amputa o mal; nunca o mal é de Deus...a destruição de cidades, terremotos e inundações, a destruição de exércitos, naufrágios e todas as catástrofes com muitas casualidades que ocorrem da terra, do mar ou do ar ou do fogo, ou por qualquer causa, ocorrem para deixar sóbrios os sobreviventes, porque Deus castiga o mal público com açoites gerais.

"O principal mal, portanto, que é o pecado, e o qual é especialmente digno do nome de mal, depende da nossa disposição; depende de nós abster-nos do mal ou permanecer na miséria.

"Dos outros males, alguns demonstram-se lutas para que se prove a coragem... enquanto outros são para a cura dos pecados... e alguns são para dar exemplo para deixar outros homens sóbrios." S. Basílio, o Grande, op. cit. 7, 98-102.
40. 1bid. 7, 92.

Capítulo 14:

41. "O demônio se torna o 'Príncipe da matéria'." Atenágoras, Embaixada 24, 25. "Eles (os demônios) depois submeteram a raça humana a si...e...semearam toda perversão. Assim, também os poetas e mitólogos, não sabendo que eram os anjos e os demônios que haviam sido gerados por eles que haviam feitos tais coisas aos homens e mulheres e cidades e nações que eles relataram, associaram-nos com o próprio Deus." S. Justino Mártir, Segunda Apologia 5.

42. "Com este propósito o Filho de Deus foi manifesto, que Ele pudesse destruir os trabalhos do demônio." I João 3:8.


Capítulo 17:

43. Fotis Kontoglou, "Calendários da Igreja," Orthodoxos Typos 131 (Athenas), 1 de Janeiro 1971.

44. S. Basílio, o Grande, Homilia 13 . 2, Exortação ao Santo Batismo (pg 31. 428 e 95, 1272).

45. Library of Greek Fathers (Biblioteca dos Pais Gregos), vol. 40, pp. 60-61.

Capítulo 18:

46. "'Eu sou pai, irmão, noivo; sou local de habitação, comida, roupas; sou raiz, fundação e tudo que quiserdes que eu seja.' 'Mesmo que não necessites de nada, serei ainda um servo, pois vim para ministrar, não para ser ministrado; Sou amigo e um membro, e cabeça, e irmão, e irmã, e mãe; Eu sou tudo; apenas fique perto de mim. Eu fui pobre por ti, e um andarilho por ti, e estive na Cruz por ti, na tumba por ti. Acima, eu intercedo por ti junto ao Pai; à terra eu vim por amor de ti, como um embaixador de meu Pai. Tu és todas as coisas para mim, irmão, e co-herdeiro, e membro.' O que quererias mais?" S. João Crisóstomo, Homilia 76 sobre o Evangelho de Mateus (pg 58. 700).

47. "'O fim do mundo' não significa a aniquilação do mundo, mas sua transformação. Tudo será transformado repentinamente, em um piscar de olhos... e o Senhor irá aparecer em glórias nas nuvens. As trombetas irão soar e alto e com que poder! Elas irão soar na alma e na consciência! Tudo se tornará claro para a consciência humana. O profeta Daniel, falando do Último Julgamento, relata como o Ancião dos Dias, o Juiz, senta em Seu trono, e perante Ele há um rio flamejante (Dan. 7:9-10). O fogo é um elemento purificador; ele queima o pecado. Ai do homem se o pecado tiver se tornado parte dele mesmo, pois então o fogo queimará o próprio homem.

"Este fogo será aceso dentro do homem: vendo a Cruz, alguns irão alegrar-se, mas outros irão cair em confusão, terror e desespero. E assim os homens serão separados instantaneamente. O próprio estado da alma do homem irá jogá-lo em um lado ou em outro, para a direita ou para a esquerda.

"Quanto mais consciente e persistentemente um homem luta para alcançar Deus em sua vida, maior será sua alegria quando ele ouvir 'Venham a mim, ó benditos.' E igualmente, as mesmas palavras irão evocar o fogo do horror e da tortura naqueles que não desejaram a Deus, que fugiram e lutaram ou blasfemaram-nO durante sua vida!

"O Último Julgamento não utiliza testemunhas ou protocolos escritos! Tudo está inscrito nas almas dos homens e estes registros, estes 'livros', serão abertos no Julgamento. Tudo se tornará claro para todos e para si mesmo.

"E alguns irão para a felicidade, enquanto outros para o horror.

"Quando 'os livros forem abertos,' se tornará claro que as raízes de todos os vícios estão na alma humana. Aqui estão um beberrão ou um promíscuo: quando o corpo morre, alguns podem pensar que o pecado morre junto. Não! Havia uma inclinação para o pecado na alma, e aquele pecado era doce para a alma, e se a alma não se arrependeu do pecado e não se libertou dele, ela chegará ao Último Julgamento ainda com algum desejo pelo pecado. Ela nunca poderá satisfazer aquele desejo e naquela alma haverá sofrimento e ódio. Ela irá acusar a todos e a tudo em sua condição torturada, ela irá odiar a todos e a tudo. 'Haverá ranger de dentes' por parte desta malícia impotente e um inextinguível fogo de ódio.

"Um 'gehena flamejante' - assim é o fogo interior. 'Aqui haverá choro e ranger de dentes.' Tal é o estado do inferno."
Arcebispo João Maximovitch, "The Last Judgement," Orthodox Word (Novembro Dezembro, 1966) 177-78.

 

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