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Biblioteca Apostólica Vaticana, Vat. gr. 1613, f. 152:
Os Santos Cosme e Damião, médicos, recebem do céu a caixa dos instrumentos

Um antigo manuscrito grego, fonte de colaboração com Roma

«Um tesouro para o diálogo»

A Biblioteca Apostólica Vaticana e a Diaconia Apostólica da Igreja da Grécia estão trabalhando juntas na publicação do fac-símile do Menológio de Basílio II, obra-prima absoluta da arte da miniatura bizantina.

Francesco D’Aiuto

Que um livro possa ajudar a abrir os caminhos do diálogo entre as Igrejas é uma coisa que não despertará surpresa. O pensamento, a palavra, e a página escrita em que eles encontram sua forma completa, certamente podem atuar – e atuaram muitas vezes no passado – como uma chave eficaz para o conhecimento recíproco, e como meio para a superação de hostilidades e antipatias seculares. O que pode surpreender é que, desta vez, o que está contribuindo para a discussão entre catolicismo e ortodoxia não são as páginas de um livro de reflexão teológica ainda cheirando a tinta e que acaba de chegar às livrarias. Em vez disso, são folhas de pergaminho, com mil anos de idade, de um precioso manuscrito grego que há quatro séculos é conservado em Roma, entre os tesouros da Biblioteca Vaticana: o Menológio de Basílio II.

Não é um manuscrito qualquer, isso é verdade. Aliás, poderíamos dizer, é o “príncipe” dos manuscritos gregos, e a obra-prima absoluta da arte da miniatura bizantina. Um livro “imperial”, em primeiro lugar, que foi copiado à mão – mais de quatrocentos anos antes da invenção da imprensa – e suntuosamente ilustrado por encomenda de Basílio II: o imperador que, reinando entre 976 e 1025, foi o último representante de destaque em Constantinopla daquela gloriosa dinastia macedônia que deteve o poder entre meados do século IX e meados do século XI, levando o Império de Bizâncio, grande potência mediterrânea de então, ao seu apogeu.

Um livro, enfim, que pertenceu a um grande poderoso de seu tempo, e que por ele foi diretamente encomendado. No entanto, trata-se de um livro “de igreja”, ou melhor, de um manuscrito estritamente litúrgico. Repleto da costumeira mistura e superposição, típica da Idade Média grega, entre os planos divino e profano: entre o Reino dos céus e esse Império terreno, de pretensões universalistas, que queria ser no mundo visível a imagem da monarquia celeste. Pois em Bizâncio o imperador era a figura e o representante de Deus na terra.

Não é por acaso, então, que por meio desse manuscrito o imperador Basílio tenha feito preparar para si um exemplar de luxo do Sinaxário: ou seja, do livro litúrgico que contém breves notícias sobre os santos de cada dia, destinadas a serem lidas cotidianamente nos ritos das “matinas” (o órthros, como se diz em grego). Um manuscrito, portanto, que pertence a uma classe precisa, e ampla, de testemunhas da liturgia bizantina. Todavia, muitos são os aspectos que tornam esse manuscrito um exemplar único, e em tudo extraordinário.

Um calendário litúrgico

Para começar, o testemunho imediato que o manuscrito nos oferece sobre a figura do soberano que o encomendou, Basílio II. As fontes históricas – em primeiro lugar a Cronografia escrita algumas décadas mais tarde pelo cortesão sem escrúpulos que foi Michele Psello – nos apresentam Basílio como um asceta do governo. Vem daí um retrato de um imperador severo e pragmático, de trato rude. Um homem profundamente empenhado na administração do Estado, e implacável na ação militar, que passou à história, não para menos, como o “exterminador dos búlgaros” (o Bulgaroktónos), por antonomásia. Um homem, portanto, pouco interessado – como nos informam – na literatura, sobretudo na florida retórica dominante de seus dias, e pouco amante das artes em geral. No entanto, o Menológio da Biblioteca Vaticana, além de lançar luz, na medida do possível, sobre sua religiosidade, revela-nos um homem – poderíamos dizer – sensível à arte e ao belo.

E isso nos introduz no segundo elemento de excepcionalidade do nosso manuscrito: efetivamente, é o livro bizantino mais ricamente miniaturado de que se tem notícia. A cada santo, a cada festa litúrgica do Sinaxário corresponde, no manuscrito, uma miniatura. Nessa espécie de “galeria de pintura num só livro”, metade de cada página é ocupada por uma cena miniaturada de formato amplo (em torno de 18 por 12 cm), reservando-se o restante do espaço ao texto escrito correspondente. Nada menos de 430 miniaturas chegaram até nós: no entanto, elas representam apenas os santos festejados de setembro a fevereiro (os primeiros seis meses do calendário bizantino, que começava no dia 1º de setembro e terminava em 31 de agosto).

Deve ter existido também um segundo tomo do Menológio, com os meses de março a agosto, enriquecido de outras centenas de preciosas miniaturas: um tomo que deve ter-se perdido numa época que não sabemos precisar, e em circunstâncias também desconhecidas. Provavelmente nos conturbados e tormentosos séculos finais de Bizâncio. Talvez, quem sabe, no momento da ruinosa tomada de Constantinopla, capital do Império, que caiu nas mãos dos turcos em 1453.

Mas o vivo interesse de Basílio II pelas artes parece atestado não apenas pela grande quantidade de miniaturas desse manuscrito, nem somente por sua qualidade excelente, que as situa no ápice da pintura bizantina. Uma outra característica exclusiva desse manuscrito consiste no fato de que, ao lado de cada uma das miniaturas, pode-se ler a “assinatura”, ou seja, o nome do pintor que a realizou. Não, porém, escrita pelo próprio artista, mas anotada pela mão de um calígrafo anônimo.

Esse é um caso único em Bizâncio, onde os artistas se escondem quase sempre no mais total anonimato, graças a uma espécie de cerimoniosa humildade, especialmente quando eles são monges ou eclesiásticos. Ou, com maior freqüência, pela enorme distância social que separa os artistas daqueles que encomendam a obra de arte, em geral de condição aristocrática, quando não mesmo, como neste caso, imperial. Também esse elemento – o desejo de registrar os nomes dos pintores – parece ser um testemunho, dado por Basílio II, de um interesse pessoal, e completamente não convencional, pela arte e pelos artistas.

Enfim, devemos a essa incomum atenção à personalidade de cada um dos pintores o conhecimento de seus nomes. Sabemos, assim, que no manuscrito – ou ao menos no primeiro tomo, o único que se conservou até nós – trabalharam oito artistas, liderados por um Pantaleone que veio a ser o mais célebre pintor de seu tempo, cujo nome ressoa em outras fontes literárias de sua época. Graças às “assinaturas”, podemos também identificar, nessas miniaturas, as peculiaridades do estilo pictórico de cada um dos artistas envolvidos no trabalho. Conseguimos, assim, fazer uma idéia precisa da coexistência de tendências e de talentos em parte diferentes – ainda que haja uma substancial unidade de estilo – dentro de um único e extraordinário ateliê de pintura da Constantinopla do ano Mil.

Era urgente promover a publicação de uma reprodução fotográfica integral moderna de um manuscrito tão precioso: um fac-símile, como dizem os especialistas. E isso não apenas para difundir seu conhecimento.

Como muitíssimos outros manuscritos da Idade Média bizantina, também o Menológio sofre de delicados problemas de conservação, em particular de seus pigmentos. Não obstante o emprego das mais avançadas metodologias, o processo de deterioração, ainda que extremamente lento, é às vezes difícil de impedir com eficácia, sobretudo evitando os danosos “efeitos colaterais” para o manuscrito no futuro. Muitas vezes, só é possível retardar a deterioração, mas não detê-la totalmente.

A reprodução em fac-símile, nesse sentido, é uma medida de conservação importante. Ela documenta fotograficamente, por meio das mais refinadas técnicas de gravação digital, o estado presente dos manuscritos. Sobretudo, permitirá tornar muito mais rara a consulta direta dos originais, já agora limitada unicamente aos casos indispensáveis à pesquisa, mantendo assim o manuscrito em melhores condições para as gerações futuras. Enquanto isso, as centenas de exemplares do fac-símile que foram impressas, boa parte dos quais serão espalhados pelas maiores bibliotecas de documentação e pelos centros de pesquisa do mundo inteiro, darão certamente um novo impulso ao estudo dessa obra-prima, cujos muitos segredos estão bem longe de terem sido todos revelados.

Um patrimônio comum

De livro ciumentamente reservado ao poderoso soberano que ordenou sua confecção, o Menológio passa a ser hoje, idealmente, a partir de suas cópias fac-similares, um patrimônio comum da humanidade. Nesta nossa época dominada pela capacidade de reprodução da arte, o aperfeiçoamento das técnicas fotográficas e de impressão permite a criação de “cópias” tão aperfeiçoadas que só poucos especialistas saberiam distingui-las do original.

Isso também graças à grande competência tecnológica e, ao mesmo tempo, à sabedoria “artesanal” da editora espanhola encarregada da execução do projeto, a Testimonio Compañia Editorial, há tempos especializada em publicações como essa.

Mas essas refinadas “réplicas” do precioso manuscrito não se põem somente a serviço dos estudos: representam sobretudo o sinal de uma renovada partilha, entre Igrejas do Oriente e do Ocidente, da memória de um comum e milenar tesouro de santidade. As centenas de santas e santos – mártires, monges, bispos, simples leigos – que são retratos na galeria de imagens sacras do Menológio não são, de fato, objeto da veneração apenas da Igreja grega, mas também da Igreja universal. Pois esse livro precioso foi escrito e miniaturado apenas algumas décadas antes que se consumasse o cisma, que depois seria definitivo, entre Constantinopla e Roma, em 1054. Uma separação e uma oposição entre o catolicismo e a ortodoxia em matéria doutrinal e disciplinar sobre cujos fundamentos um verdadeiro muro de ódio seria construído por acontecimentos posteriores: basta pensar na tomada e no saque de Constantinopla pelos cruzados, os odiados “Latinos”, em 1204. Uma hostilidade que nunca mais seria superada, apesar dos diversos caminhos tentados pelas duas partes até a precária “união” decretada pelo Concílio de Florença (1439), e também depois. Com conseqüências que continuaram a pesar gravemente sobre as relações entre a sé petrina e o mundo ortodoxo até hoje.

Sendo assim, vista sobre o pano de fundo dessa história milenar, será um evento de profundo significado a colaboração hoje posta em prática entre a Diaconia Apostólica da Igreja da Grécia e a Biblioteca Apostólica Vaticana para a realização conjunta do fac-símile desse manuscrito. É um sinal da recuperação de uma confiança recíproca, em meio a inevitáveis dificuldades. É o testemunho da continuidade e da vivacidade de um diálogo que as últimas décadas viram revigorar-se: por mérito de homens de Igreja que, em cada um dos lados, consideram a superação do antigo “escândalo” da separação um pressuposto inevitável para que se dê hoje um testemunho universalmente crível do Evangelho.

O clima de cordialidade e de abertura, o diálogo confiante que se instaurou na colaboração entre as partes envolvidas no longo projeto – iniciado em 2002 –, foram coroados na cerimônia da primeira apresentação oficial do fac-símile, realizada em 16 de novembro do ano passado, em Atenas. Cerimônia que, numa atmosfera de fraternidade que alimenta as esperanças, viu reunir-se ao redor do fac-símile, entre outras autoridades eclesiásticas e leigas, o arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, sua Beatitude Christodoulos, e o bibliotecário e arquivista da Santa Igreja Romana, cardeal Jean-Louis Tauran.

Já se aguarda a próxima oportunidade de encontro, e um futuro passo no caminho do diálogo. Ou seja, a apresentação – que desta vez ocorrerá em Roma, na primavera de 2007 – do livro de estudos e comentários destinado a acompanhar o fac-símile do Menológio. Livro que, justamente nestes meses, está nascendo a partir das pesquisas originais de uma equipe de especialistas: historiadores da arte, filólogos, liturgistas, restauradores, todos chamados neste momento a colaborar, cada um com sua competência, num vasto projeto de estudos interdisciplinares. Uma iniciativa de pesquisa que, necessariamente, é também internacional, uma vez que nela estão envolvidos especialistas sobretudo da Itália e da Grécia, mas também da Rússia e dos Estados Unidos.

O estudo e a pesquisa não conhecem fronteiras geopolíticas, nem barreiras confessionais. Melhor ainda, podem, a sua maneira, facilitar a superação, em outros âmbitos, de incompreensões e contraposições antigas. Pois o caminho para o diálogo pode passar, hoje também, pelos estudos. E pelas páginas de um manuscrito grego de mil anos atrás.

Fonte:

Revista 30Dias na Igreja e no Mundo, edição Novembro 2006, pp. 24/26.

 

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